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Neste dia dedicado a São José, o protetor das famílias, nós queremos falar sobre os últimos acontecimentos na França: a inclusão do “direito” ao aborto, ao assassinato de bebês no ventre materno, na Constituição do país europeu outrora considerado “a filha mais velha da Igreja”. É claro que esses acontecimentos estão situados no âmbito da política atual, que não será o cerne de nossa reflexão de hoje. 

Nós pretendemos ir mais a fundo, e mostrar como a França, desde a Revolução Francesa de 1789, foi caindo de abismo em abismo. É importante entendermos, porém, como isso aconteceu com aquele país, porque, de alguma forma, o que aconteceu lá terminará, um belo dia, batendo à nossa porta. Nossa reflexão parte da premissa verdadeira de que o nosso mundo, o mundo contemporâneo, com suas organizações políticas, econômicas, culturais e religiosas, é fruto dos desdobramentos da Revolução Francesa. 

A historiografia oficial ensinada pelo sistema de educação compulsivo considera o ano da Revolução, 1789, como o início do mundo moderno — ou contemporâneo. No entanto, como veremos, isso é, assim como diversos outros elementos ligados ao processo revolucionário, uma construção artificial. A bem da verdade, a Revolução começou antes, ainda no Antigo Regime. 

Uma das críticas mais fáceis contra a Revolução Francesa é a de que ela foi absurdamente assassina: no chamado “Reino do Terror” mais de 16 mil pessoas perderam a cabeça na guilhotina — incluindo o próprio rei. A Revolução matou cerca de 200 mil pessoas. Hoje, porém, a França assassina 250 mil bebês todos os anos, o que faz com que o país viva uma Revolução Francesa por ano! 

Seja como for, façamos uma ligeira observação sobre a política atual na França: é bastante evidente que o aborto no país não precisava constar na Constituição, na letra da lei. Sim. Porque não há ninguém lá, isto é, nenhum grupo político expressivo e com verdadeiro poder de decisão, empenhado em abolir a lei do aborto e criminalizá-lo no território francês. 

Incluir na Constituição francesa o “direito” ao aborto — eufemismo para morte de bebês — foi, a bem da verdade, um movimento político. Paris quer fazer propaganda política para o resto do mundo, e pressão sobre os Estados Unidos, devido à recente reversão de Roe vs. Wade: a Suprema Corte americana delegou aos estados a legislação sobre o aborto, depois de entender que tal demanda não é um direito constitucional. A França, no entanto, decidiu incluir o tema na Carta Magna a título de gesto político de “vanguarda”.

Por outro lado, um elemento a mais da nova conjuntura é o fato de que a população francesa está envelhecendo rápido demais. Curiosamente, o país detém uma das maiores taxas de natalidade da Europa (1,6) — à frente, por exemplo, da Espanha e da Alemanha. Entretanto, a população que verdadeiramente cresce, isto é, que tem filhos na França, é a dos religiosos tradicionais, precisamente aqueles que não se deixaram enganar pela narrativa revolucionária. Mas não são os cristãos aqueles que têm mais filhos; são os muçulmanos. A taxa de natalidade de 1,6 é aparentemente alta — se comparada aos outros países citados —, porém é só uma ilusão estatística. Isso porque uma taxa inferior a 2 representa um decréscimo populacional. 

A verdade é que a população francesa está minguando, conduzida pelos casais adeptos do aborto. Geralmente, no país as mulheres — que não são religiosas tradicionais, católicas ou muçulmanas — não querem gerar filhos antes dos 30 anos de idade e, depois, quando decidem engravidar, por volta dos 40 anos, têm de recorrer a meios artificiais. E, ainda assim, para ter um filho apenas. Essa é a conjuntura atual. 

Daí o grande pavor da Europa com a possível — e talvez provável — volta de Donald Trump à presidência dos EUA; o que implica também o complexo conflito entre a Ucrânia e a Rússia, no leste europeu. Tudo isso, no entanto, é um ligeiro retrato da conjuntura geopolítica atual, e nós não temos grande interesse nessa análise. Eu não sou analista político e essa não é a finalidade da aula, mas quero que vocês saibam que não estou alheio à realidade atual do mundo.

Nosso propósito é falar do mundo atual enquanto produto de uma realidade espiritual, de uma violenta “revolução gnóstica” — para usar a terminologia empregada por Eric Voegelin. 

Agora, vamos entender como a sociedade atual no Ocidente é filha da Revolução Francesa. Partiremos da premissa de que se trata de uma grande revolução contra a família. No “Livro Negro da Revolução Francesa”, organizado por Renaud Escand, há um artigo bastante pertinente, cujo título é Liberté, égalité, fraternité, ou: L’impossibilité d’être un fils [“Liberdade, Igualdade, Fraternidade, ou: A impossibilidade de ser filho”, traduzido por nossa equipe].

Mas o que quer dizer “impossibilidade de ser filho”? 

O autor do artigo é o Pe. Jean-Michel Potin, um sacerdote dominicano. Esse padre explica como a Revolução Francesa suprimiu do mapa político e do horizonte cultural do povo francês a imagem paterna: Deus, o rei e o Papa. A principal consequência é óbvia: crise na família.

A fim de nos livrarmos da pecha de que só uma “análise católica dominicana” percebe e explica a crise da família causada pela Revolução, podemos citar o livro de Suzanne Desan, autora feminista norte-americana: The Family on Trial in Revolutionary France [“A família sob julgamento na França revolucionária”], de 2004. Aliás, Revolução Francesa é um dos temas sobre os quais mais se escreve há 300 anos, desde a primeira reação do ensaísta inglês Edmund Burke, nas suas “Reflexões sobre a Revolução na França”, publicadas aqui no Brasil pela Vide Editorial. 

Agora, depois deste panorama cronológico, político e bibliográfico, vamos entrar de vez no tema. Tomemos como ponto de partida a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no final do século XVIII — contemporânea, portanto, dos eventos políticos na França. 

Antes, a sociedade era agrária e, assim, tinha sua produção, sua subsistência baseada na família — que almejava gerar muitos filhos, porque mais filhos significavam mais braços para o trabalho. Entretanto, tal conjuntura social e econômica começou a sofrer modificações quando as pessoas decidiram migrar em massa para o meio urbano. Este, devido à Revolução Industrial, havia se transformado em um formidável centro de produção em massa de bens de consumo. 

Na cidade, longe de suas famílias e do vínculo à terra, as pessoas começaram a experimentar outra realidade. Isso porque na sociedade agrária havia o sólido amparo do âmbito familiar, assim como em toda a sociedade medieval urbana. Nas cidades medievais, por exemplo, havia as guildas e corporações de ofício, que eram fraternidades de livres associados que se ajudavam mutuamente. Pedreiros, sapateiros e alfaiates, por exemplo, estavam protegidos pela rede de interesses em comum que dispensava a intervenção estatal, por assim dizer. É claro que havia pobreza e miséria, não temos o propósito de idealizar a Era Medieval; ressaltamos, sim, que havia um sentimento de pertença. 

Entretanto, subitamente o indivíduo é jogado na cidade moderna, fruto da Revolução Industrial, sem pertencer a nada e a ninguém. Assim, antes dar à luz a um filho era uma boa notícia: mais um filho, mais um par de braços para o trabalho; agora, um filho é uma boca a mais para alimentar. A fim de nos ajudar a compreender a dinâmica não só socioeconômica, mas também moral e espiritual do período, recomendo ler “A Comédia Humana”, de Honoré de Balzac, um clássico da literatura ocidental. Por meio de seus romances, o autor consegue apresentar com eficiência toda a miséria do subúrbio de Paris, com suas famílias desestruturadas. 

E tal desestruturação pode ser percebida antes mesmo do início da Revolução Francesa. Em “Crítica e Crise”, Reinhart Koselleck, historiador alemão, nota que, quando o Absolutismo é instaurado — quando o rei obtém o poder de mandar nas casas privadas e nas sacristias das igrejas —, acontece uma modificação na dinâmica das ideias e, por conseguinte, das discussões. No Estado Absoluto, onde, grosso modo, não pode haver livre debate, a discussão dos problemas da sociedade passa a ser realizada fora do espaço público. Esta é a gênese das sociedades secretas/discretas, como a Maçonaria, por exemplo. São as “Repúblicas das Letras”, como disse Voltaire. Um estudioso que é referência nessa análise é Augustin Cochin, que investigou a diminuição da liberdade religiosa no âmbito do Absolutismo, quando a fé católica praticamente ficou restrita às sacristias. A verdade é que não se podia falar nem contra nem a favor do catolicismo. 

Sucede que as pessoas estão vivendo sob uma crise social de desagregação familiar; e, para completar o cenário, o Estado diz que o indivíduo não é gente de verdade, só o rei é gente. Tal estado de coisas é alimentado por uma teologia torta, a teologia galicana, na qual os padres não queriam se submeter aos bispos, e tampouco estes ao Papa. Mas todos se submetiam ao rei. Este, porém, apesar de todo o laxismo moral da corte de Versailles, pediu ao abade Jacques-Bénigne Bossuet que escrevesse “A Política extraída das mesmas palavras da Escritura Sagrada”, para a educação do delfim, o herdeiro do trono, Luís XV: Deus ilumina o rei; e é o rei quem decide todas as coisas. 

Ao mesmo tempo, os jesuítas ligados à corte da França — jesuítas que, em tese, deveriam ser papistas — começam a reverberar essa concepção errada do monarca cristão. Os jesuítas apoiam a visão galicana. Há uma série de estudos sobre esse tema feita até mesmo pelos próprios jesuítas como, por exemplo, no Institutum Historicum Societatis Iesu, de Roma. É claro que havia dissensões internas na Companhia de Jesus sobre a questão francesa; eles acreditavam que tinham de olhar politicamente para o rei de uma forma distinta de Roma. Um dos estudos sobre o contexto — que é uma coleção — é o Catholic Christendom [“Cristandade Católica”], que abrange o período de 1300 a 1700 e que, portanto, trata do período pré-revolucionário. E podemos citar mais um: The Jesuits and the Monarchy: Catholic Reform and Political Authority in France [“Os Jesuítas e a Monarquia: A reforma católica e a autoridade política na França”], que também cobre um período bastante anterior ao fatídico 1789. Esses estudos mostram que houve uma extensa corrente teológica que tinha como objetivo sacralizar o rei. 

É claro que o monarca tem certa autoridade advinda de Deus, porém o problema é quando a realidade de súdito suprime a realidade de sujeito. Nesse arranjo, o iluminado é aquele que está em cima; quem está embaixo obedece simplesmente. Ora, é evidente que tal caricatura do poder e das coisas têm consequências. O rei vive em Versailles, longe do povo, que está em Paris, cidade na qual o monarca poderia testemunhar a pobreza e as dificuldades vividas pelos seus súditos — em função do êxodo rural. O rei “sacralizado” deixou de ver os problemas reais da população francesa. 

A decisão de Luís XIV, o “Rei-Sol”, de se fechar em Versailles, resultou na decapitação de seu neto, Luís XVI — juntamente com Maria Antonieta. É o fim do Absolutismo, do Antigo Regime. E por quê? Porque foi criada uma cisão entre a cabeça e o corpo da sociedade. Tanto o rei quanto a nobreza e o alto clero perderam o contato com a população, com as pessoas comuns. Assim, houve uma cisão dentro da própria França. 

O fato é o seguinte: quando há a atuação de vetores de desagregação das famílias na sociedade e, somado a isso, o abandono espiritual dessas mesmas famílias, surgirá alguém a fim de assumir o controle espiritual da nova conjuntura. E quando falamos “espiritual” queremos dizer simplesmente “intelectual”, “mundo das ideias”. 

São os círculos revolucionários, os círculos literários, intelectuais, que dão início a uma nova visão de mundo na qual já não há mais família. E aqui cabe perguntar: O que é família? Vejamos: no início da minha vida, eu não sou por mim, não tenho alguém que cuide de mim e do qual eu seja herdeiro. Não. Alguém me gerou, eu recebi uma tradição. Não é preciso que eu invente a roda. Eu serei pai, mas não preciso inventar como ser pai; porque eu tenho a tradição de como ser pai. 

Então, subitamente, as pessoas saem do campo, vão para a cidade, e o pai já não sabe mais como ser pai. No campo havia tal conhecimento, mas na cidade não há mais. O sujeito sai de casa pela manhã, trabalha e, ao fim do dia, volta para casa. A verdade é que ele está perdido. A Revolução Industrial ainda não havia começado na França em 1789, mas já havia a desagregação familiar. 

A própria autora feminista citada anteriormente, Suzanne Desan, mostra isso em seus estudos: como, na França pré-revolucionária, teve início o processo de “libertar” as pessoas do “fardo” da família. Tanto é verdade que os primeiros elementos anti-família surgidos são o divórcio; a mudança do regime de herança, no qual os filhos recebem igualitariamente; a mudança do status dos filhos ilegítimos; e o registro de família, que já não é uma coisa sagrada, mas passa para as mãos da sociedade civil. 

O conjunto das diversas transformações e reformas ocorrido na França revela claramente que, de alguma forma, a sociedade pré-revolucionária e, sobretudo, a sociedade pós-revolucionária já não se entendem como família. 

Já não há mais a compreensão, a consciência do recebimento de uma herança cultural, espiritual. A Revolução Francesa é a epidemia disto, é uma sociedade que anseia por se reinventar do nada como em um laboratório. E qual é a consequência disso? É o espetáculo macabro do terror: na guilhotina, milhares e milhares de pessoas perdem a cabeça, na sequência à decapitação de Luís XVI, neto de Luís XIV. Irmãos começam a se matar: os principais líderes revolucionários foram eles mesmos mortos na guilhotina. Robespierre, o “Rei do Terror”, Danton e outros foram eles próprios decapitados. Também o duque de Orleans, Louis-Philippe, primo do rei — que votou pela morte do próprio rei — terminou decapitado. Os relatos estão no livro Godfather of the Revolution: The Life of Philippe Égalité, Duc d’Orléans [“Padrinho da Revolução: a vida de Filipe Igualdade, Duque de Orleans”], do historiador Tom Ambrose. 

Uma vez que não há mais limites, o ser humano está livre para inventar qualquer coisa no âmbito dos arranjos sociais e políticos — e também religiosos. Assim, depois do caos revolucionário, veio Napoleão a fim de restaurar a Monarquia na França; ele criou um Império. Porém, o país tem agora uma finalidade diferente: levar adiante os ideais da Revolução. É a Monarquia a serviço da República. 

Ao mesmo tempo, as famílias que estavam em franco processo de desagregação — pela miséria e mais uma série de outros fatores — começaram, por meio dos ideais revolucionários, a se desagregar com “razões”. É neste momento histórico que surgem os ideólogos — les ideólogues, como dizia o próprio Napoleão. São eles que dão “razões” para as pessoas se comportarem daquela forma não-familiar. O que, dentre outras consequências, resultou na queda vertiginosa da taxa de natalidade da França que, em 1920, já estava igual à de hoje. Após a derrota acachapante dos franceses na Segunda Guerra Mundial, o general De Gaulle declarou: “A França foi invadida pelos nazistas porque as mães francesas não quiseram ter filhos”. 

Assim, a decisão dos líderes franceses de colocar o aborto na Constituição é puro cinismo, porque a política do país, desde a Revolução, incentiva a supressão da família. E eles querem incluir a eutanásia também. A cultura da morte está impregnada na cultura francesa — e na cultura moderna —, porque as pessoas simplesmente abandonaram aquilo que é família, isto é, abandonaram a realidade de que nós nascemos e vivemos para os outros. 

Nós atendemos mães de muitos filhos e passamos a entender os problemas psicológicos e espirituais que elas enfrentam: depois da quarta gestação, diversas neuroses simplesmente desaparecem, porque a mulher finalmente entendeu a sua missão. A dinâmica é a mesma para os padres: há sacerdotes exaustos, com depressão, mas, de tanto se doarem, eles finalmente entendem sua missão. Família é a compreensão de que eu sou para o outro. 

E aqui chegamos a um ponto importante: liberdade. Onde está a verdadeira liberdade? Eu a recebo de meu pai, que ensina as virtudes. Uma das mentiras da Revolução Francesa foi a falsa compreensão de que a liberdade é um “dom da natureza”, de que os homens nascem todos “naturalmente livres”. Isto é mentira. Os homens não nascem naturalmente livres. Ou se luta pela liberdade ou não haverá liberdade alguma! E o único meio de se chegar à liberdade são as virtudes. Isso porque o vício escraviza. Há pessoas viciadas em sexo desregrado, em drogas, em roubar, em mentir etc. 

A família verdadeira educa os seus filhos na virtude, o que a escola não faz. A escola — da forma como está estruturada atualmente — não vai ensinar virtudes ao seu filho; portanto, seu filho será um escravo. Seu filho será um escravo do celular, da droga, do sexo, da masturbação, da pornografia e assim por diante. Eles serão tão livres que terminarão como Michel Foucault, um homem super-livre que acreditava que o momento mais sublime de sua vida fora quando, depois de ter participado de uma orgia e se drogado com cocaína, quase foi atropelado em uma rua de Paris. Foi o seu momento de “êxtase místico”, que ele traduziu como “liberdade” e “felicidade”. 

Esse é outro aspecto da cultura de morte: ela nos faz virar as costas para o Criador. Deus Pai nos ensinou como devemos nos comportar, temos uma bússola moral dentro de nós. A filosofia antiga, clássica, também era capaz de enxergar essa realidade. A Ética de Aristóteles, por exemplo, elencou diversos desses elementos de moral, que foram aprofundados depois pelo cristianismo, com o grande mandamento do amor.

O amor é livre, o amor liberta; e amor é entregar-se, é dar a vida. Daí que enquanto nós não edificarmos uma cultura na qual as pessoas consigam se compreender como vocacionadas ao amor, a sociedade estará fadada à autodestruição. E será inútil, por exemplo, escrever cada vez mais leis. Isso porque, como disse De Maistre: 

Toda a instituição falsa escreve muito, porque sente a sua fraqueza, e procura apoiar-se [...], nenhuma instituição grande e real poderia estar fundada sobre uma lei escrita, já que os próprios homens, instrumentos sucessivos da instituição, ignoram aquilo em que deve tornar-se, e que o crescimento imperceptível é o verdadeiro sinal da duração, em todas as ordens possíveis de coisas [1]. 

Isso não significa que não deve haver lei. Não. Há lei, mas ela está escrita não no papel, mas na realidade, no ser da coisa. Quando temos de pôr no papel que o marido não deve bater na mulher, ou que não se deve matar, ou que padre celebra Missa e se veste como padre, então estamos no fundo do poço. Por que uma árvore cresce? Porque há ali uma “lei não escrita” à qual ela obedece, assim ela cresce imperceptivelmente; há ali um jeito de ser, de se comportar. 

E o Pe. Potin, corroborando a interpretação de De Maistre, diz: “A atual inflação legislativa, na qual as leis se sucedem sem mesmo tempo de ser regulamentadas e de ser anuladas por outras leis, constitui a prova de que os próprios legisladores não acreditam naquilo que fazem”. 

Pois bem, os franceses acrescentaram à sua Constituição que eles têm o direito ao aborto. Mas isto é o suicídio da França. 

Émile Durkheim, o fundador da sociologia moderna, fez o primeiro estudo sociológico sobre o suicídio, “Estudo de Sociologia: o Suicídio”, publicado no Brasil pela Martins Fontes com a tradução de Mônica Steyl. 

No livro, Durkheim analisa dados estatísticos de uma delegacia de Paris a fim de responder à questão: Por que as pessoas se matam? Ele descobriu duas causas principais: primeiro, matam-se as pessoas que têm laços familiares fracos. Isto é, um dos fatores que impede o suicídio é a ideia de que, pondo termo à sua vida, o suicida causará grande sofrimento às pessoas que o amam muito. E, em segundo lugar, as pessoas não se matam quando creem que a morte não é a solução para os seus problemas. Elas percebem que, depois da morte, haverá um juízo, o que implica punição e sofrimento. É, portanto, a crença no Inferno. Daí ser uma falsa caridade tentar convencer as pessoas de que o Inferno não existe. Ele existe, sim! Aliás, nos Evangelhos, estatisticamente falando, Cristo Senhor falou muito mais dele que do Céu. 

A bem da verdade, as pessoas estão se matando porque acabou a família. Isso já era realidade na virada do século XIX para o XX, quando Durkheim fez os seus estudos. Assim, a pergunta é inevitável: Qual será o futuro da França? Não sabemos qual será o futuro imediato do país, mas sabemos qual pode ser o futuro longínquo da “filha primogênita da Igreja”. Daqui a um século, os franceses — quer falem francês ou árabe — serão aqueles que acreditaram na família. 

Aqueles que incluíram em sua Carta constitucional o suicídio da nação, chamado aborto, terão passado sem deixar descendência. É forte e robusta a família que tem filhos, porque esta sobreviverá. No livro Human Society, Kingsley Davis — funcionário dos Rockefeller — diz que a sociedade é composta de dois grupos: primário e secundário. No primeiro grupo estão as famílias, e no segundo estão as organizações parecidas com empresas, no qual as pessoas são descartáveis. 

O fato é que, tanto na França quanto no Brasil, as famílias estão se transformando em empresas. As pessoas são descartáveis: o descarte do filho chama-se aborto; dos pais, eutanásia; do esposo e da esposa, divórcio. Porém, quando se é família, sabe-se que não se é descartável. Você sabe que há alguém por você, você sabe quem é você. Na família nós sabemos que, em última análise, viemos para Deus. Em Fátima, Nossa Senhora disse à Irmã Lúcia, numa revelação privada, que “a última batalha de Satanás será contra a família”. Então, que a Sagrada Família nos proteja e nos guarde desses novos Herodes que, como outrora, querem destruir a família.

Referências

  • Tom Ambrose, Godfather of the Revolution: the life of Philippe Égalité Duc D’Orleans. Londres: Peter Owen, 2008.
  • Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução na França. Trad. de Marcelo Gonzaga de Oliveira e Giovanna Louise Libralon. Campinas: Vide Editorial, 2017.
  • Jacques Bénigne Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l’Écriture sainte. Paris: Dalloz, 2003.
  • Augustin Cochin, La Machine Révolionnaire. Paris: Tallandier, 2018.
  • Kingsley Davis, A sociedade humana. 2. vol. Rio de Janeiro, São Paulo: Fundo de Cultura S. A, 1948.
  • Suzanne Desan, The Family on Trial in Revolutionary France. Berkeley: University of California Press, 2006.
  • Émile Durkheim, O suicídio: estudo de sociologia. Trad. Monica Stahel. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019.
  • Renaud Escande (Org.), Le Livre Noir de la Révolution Française. Paris: Cerf, 2008.
  • Reinhart Koselleck, Crítica e Crise. Trad. de Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.

Notas

  1. Maistre, Joseph de, Essais sur le Principe Générateur des Constitutions Politiques (1809). Lyon, Pélagand, 1880. p. 31-32.
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