Continuemos a falar da verdadeira hipnose que exercem sobre nossas mentes os programas de TV, as novelas, os filmes e séries da Netflix e entretenimentos do gênero. É um tema grave, urgente, inesgotável e que merece, mais do que nunca, a nossa consideração.

Como já dito, não se trata de condenar esses espetáculos como imorais per se, pois não o são; deve-se reconhecer todavia que, “infelizmente, no atual estado de coisas, é geralmente para o mal que o cinema exerce sua influência” (Vigilanti cura, 26) — palavras do Papa Pio XI, numa das primeiras manifestações magisteriais sobre os meios de comunicação, no longínquo ano de 1936. 

Vinte anos mais tarde, seria a vez de Pio XII prenunciar “gravíssimos danos individuais e sociais” como consequência do mau uso da recém-chegada televisão (cf. Miranda prorsus, 144). Quase na mesma época, outro Pio, o santo de Pietrelcina, reagia igualmente desconfiado à chegada da TV aos lares católicos. Conta-se que, quando surgiu o aparelho, ele “ficou furioso”, e “a quem lhe dizia que se tratava de uma magnífica invenção, ele respondia: ‘Verá que uso farão dela!’”. 

É a previsão de três homens do século passado, que hoje podemos muito bem tachar de “ultrapassada”, mas que, por se ter baseado em uma visão correta da natureza humana, demonstrou-se plenamente acertada. O que esses piedosos homens disseram do cinema e da TV foi uma verdadeira profecia.

Mas o que eles disseram mesmo? Entre outras coisas, que: 

  • estavam se apresentando “falsas normas de vida ao espírito impressionável e facilmente excitado da mocidade” (Vigilanti cura, 11);
  • os maus filmes produzem “um mal enorme” nas almas: “por glorificarem o vício e as paixões, são ocasiões de pecado; desviam a mocidade do caminho da virtude; revelam a vida debaixo de um falso prisma; ofuscam e enfraquecem o ideal da perfeição; destroem o amor puro, o respeito devido ao casamento, as íntimas relações do convívio doméstico” (Vigilanti cura, 21); e que
  • se devia evitar no cinema “aquelas atitudes tendenciosas e parciais que poderiam favorecer no público conceitos errôneos da vida e do comportamento humano” (Miranda prorsus, 48).

Perceba-se a insistência com que os Papas falam aqui de “erro” e “falsidade”. Esqueça-se por um instante o enorme tempo que as pessoas da nossa época perdem com a TV, as novelas, os filmes e os seriados. O principal alerta do Magistério da Igreja quanto a esses programas, desde o princípio, são justamente as “falsas normas de vida”, a vida apresentada “debaixo de um falso prisma”, os “conceitos errôneos da vida e do comportamento humano”: em resumo, os meios de comunicação mentem.

Se mentem, é porque há uma verdade

Aqui é preciso lembrar uma coisa: a Igreja Católica, em sua missão de ensinar, não se limita a apresentar uma “visão de mundo” qualquer às pessoas, com e sem a qual a vida delas continua a mesma. Não é que, na escola da vida, ela seja uma criança de sala de aula com uma resposta a oferecer às perguntas que fazem os homens, e aqui e ali encontraremos respostas tão boas ou até melhores que a dela, como se o “catolicismo romano” fosse uma religião, ou um credo a mais no mundo… Não! Quem investigar as fontes da Revelação e os próprios documentos do Magistério verá que a pretensão da Igreja é muito maior do que essa: ela clama para si o título de “mãe e mestra”; a Escritura chama-lhe “coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3, 15); os Santos Padres não lhe economizam elogios; e o Papa Paulo VI, em tempos recentes, disse a seu respeito que era rerum humanarum peritissima, isto é, “peritíssima em humanidade” (Populorum Progressio, 13). 

É claro que, se qualquer pessoa ou instituição simplesmente dissesse isso de si mesma, sem mais nem menos, a coisa mais natural do mundo seria perguntarmos com que credenciais, afinal de contas, tal pessoa ou tal instituição se arroga tais títulos. 

No caso, se perguntarmos isso à Igreja, ela dirá simplesmente, como disse seu Fundador dois mil anos atrás: “Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou” (Jo 7, 16). Ela dirá: “Não ensino a verdade porque a tenha inventado, mas porque a recebi. E recebi-a não de um líder qualquer, mas do próprio Deus feito homem, Jesus Cristo”.

Se a Igreja dissesse, portanto, confrontando as inúmeras mentiras propagadas pela mídia: “Essa é a minha opinião”, “Nós temos um ‘ponto de vista’”, “Eu acho que isso está errado”, essa postura seria, por si só, a sua destruição. A Igreja, em matéria de fé e moral, não tem uma “contribuição” a dar: ela tem, isso sim, a verdade a ensinar, o remédio infalível a entregar aos homens, sem os quais eles inevitavelmente perecerão. Se a Igreja se limitasse a levantar a mão e apresentar, “como quem não quer nada”, uma respostinha qualquer na sala das religiões, só com isso ela já estaria se condenando a si mesma, traindo a missão que lhe confiou o seu Fundador.

Mas não, a Igreja sabe que estão sendo apresentadas nos meios de comunicação “falsas normas de vida”, que a vida dos homens ali é apresentada “debaixo de um falso prisma” e que estão sendo propagados aos quatro ventos, por áudio e imagem, “conceitos errôneos da vida e do comportamento humano”; e ela o sabe justamente por saber quais são as verdadeiras normas de vida: sabe sob qual prisma deve ser enxergada a realidade, sabe quais são os conceitos certos da vida e do comportamento humano e sabe não porque tenha, meio que às apalpadelas, descoberto o “caminho das pedras”, mas sim porque recebeu de Jesus Cristo, Deus feito homem, todo o necessário para que o homem seja feliz neste mundo e no que há de vir

É importante repetir isso porque essa é a base para darmos ouvidos ao que diz a Igreja. Sem essa convicção de fé, de que ela é custodiadora da Revelação divina, trataremos a Igreja justamente como quem trata um programa de TV, uma série ou um filme da Netflix

A que mentiras nos referimos?

Mas de que “falsas normas de vida”, afinal, estamos falando? 

São inúmeras e elas abrangem todo o espectro das coisas humanas, mas, como Pio XI falava especificamente das “ocasiões de pecado”, da destruição do “amor puro, o respeito devido ao casamento, as íntimas relações do convívio doméstico”, tratemos logo desse espinhoso assunto: os meios de comunicação travam uma batalha contra a castidade, contra o sexto e o nono mandamentos, contra a sexualidade tal como ela foi criada e ordenada por Deus.

E a nós, católicos, não é muito difícil percebê-lo. Quem já não sentiu a dificuldade de procurar um bom filme a que assistir em família, sem ter a preocupação de ser bombardeado por cenas de nudez ou sexo gratuitas? 

Mas se o problema fosse esse, bastaria dar uma olhada na classificação indicativa dos espetáculos, e pronto. Hoje, porém, mesmo quando um filme ou uma série não exiba gratuitamente cenas indevidas (pornográficas, sejamos claros), as ideias pornográficas ainda estão lá — e tanto mais perigosas quanto mais sutis e passíveis de circular livremente, como se material inofensivo fosse... Os personagens que, sejam os homens “galinhas” ou as mulheres de vida fácil, em diálogo e em toda a sua vida só o que fazem é pensar em obter prazer sexual, ou o máximo de parceiros sexuais que conseguir… estão ensinando pornografia aos casais que se sentam em frente à televisão. (E de quebra aos seus filhos também.) Os casais que se traem e se divorciam como quem troca de roupa estão ensinando a tratar o casamento como algo descartável… e a endeusar o sexo e o prazer como o máximo dos valores, exatamente como os sites pornográficos fazem.

“Mas eu assisto e nada disso me afeta”. A quem diz esse tipo de coisa seria importante lembrar que os primeiros a declará-lo, colocando-se de modo deliberado na ocasião de pecar, são justamente os primeiros a cair. Além do mais, dizer que o que entra por nossos sentidos, dia após dia, talvez por horas a fio, em nada nos afetará a vida, é no mínimo ingenuidade e, na pior das hipóteses, autoengano. Será que deveríamos lembrar a essas pessoas o combate constante, intenso, imparável, entre carne e espírito que se trava dentro de nós? E que se facilitarmos, perderemos? E que o que está em jogo não é dinheiro (antes fosse), não é só o tempo que perdemos, mas a nossa própria alma e salvação eterna?

“Nada disso me afeta”, diz o homem e a mulher “fortes” diante da tela, mas eles não se dão conta de que os personagens ateus e perversos dos programas a que assistem vão pouco a pouco moldando seu modo de vida. O ator da novela ou da sua série favorita não reza; daí a pouco o pai de família tampouco se entrega à oração. A atriz da novela ou do filme só o que faz é correr atrás mais da própria aparência que das virtudes; daí a pouco a mãe de família está fazendo o mesmo, sem sequer perceber. A ficção do mundo vai pouco a pouco entrando na cabeça das famílias... e então é questão de tempo para que a fé da família seja “minada”, e são os dogmas da Igreja, os Mandamentos e a vida de oração que terminam se transformando em ficção. Tudo porque gastamos o tempo integral de nossa vida real presos a uma tela de smartphone, de TV ou de seja lá o que for.

Um combate que começa na família

O que fazer, concretamente? 

É possível começar limitando o tempo diante das telas, é possível fazer muitas coisas. Mas uma medida que decididamente deveríamos tomar é esta: “abster-se de ver filmes que ofendam a verdade e a moral cristã” (Vigilanti cura, n. 34). Porque — sejamos humildes, e não condescendentes com nossas fraquezas — nós somos os primeiros a precisar de conversão; nós somos os primeiros a ter necessidade de olhar para bons exemplos e modelos em que nos inspirarmos; e além disso, ai de nós, com quem nossos filhos estão aprendendo a ser adultos? Será que não estamos destruindo a vida — ou pior, a alma — de nossos filhos com nossa negligência nesta matéria?

O Papa Pio XII se horrorizava decênios atrás “pensando que, por meio da televisão, se poderá introduzir até dentro das paredes domésticas aquela atmosfera envenenada de materialismo, de fatuidade, e de hedonismo, que infelizmente tantas vezes se respira em muitas salas de cinema” (Miranda prorsus, 66). Ora, por que o que só em pensamento o horrorizava, hoje em dia, passando-se bem diante dos nossos olhos, em nada nos comove? Com nossa total despreocupação quanto aos “amigos que introduzimos no santuário da família” (cf. Miranda prorsus, 115), não nos teríamos tornado insensíveis ao mal? 

A vigilância prudente e avisada de quem recebe em sua casa a transmissão é insubstituível. A moderação no uso da televisão, a admissão prudente dos filhos a presenciar programas segundo a sua idade, a formação do caráter e do reto juízo acerca dos espetáculos vistos e, finalmente, o afastá-los dos programas inconvenientes, incumbem, como grave dever de consciência, aos pais e aos educadores.

Bem sabemos que especialmente este último ponto poderá criar situações delicadas e difíceis, e o sentido pedagógico muitas vezes exigirá dos pais darem bom exemplo também com o sacrifício pessoal em renunciarem a determinados programas. Mas seria porventura demasiado pedir aos pais um sacrifício, quando está em jogo o bem supremo dos filhos? (Miranda prorsus, 150-151)

Ah, os nossos filhos…! Se andamos tão despreocupados com nossas almas a ponto de deixar que nossos sentidos acessem qualquer lixo que se passa em uma rede de TV aberta ou em uma Netflix, que pelo menos nos preocupe, que pelo menos nos intimide, que pelo menos nos acorde de nossa letargia pensar nas almas dos nossos filhos, a quem amamos (ou deveríamos amar) mais do que a tudo o que possuímos nesta vida! “Seria porventura demasiado pedir aos pais um sacrifício” de evitar um programa menos puro, uma série demoníaca, um filme cheio de ideias pornográficas, “quando está em jogo o bem supremo dos filhos?”

Mas se para você já não existem, ou já não fazem sentido, as distinções entre “bem” e “mal”, “verdade” e “mentira”, “pureza” e “indecência”; se você decretou, em sua suprema indiferença, que “não pode julgar” o que deve e o que não deve entrar em sua cabeça, ou mesmo em sua casa… só o que resta é clamar a misericórdia de Deus por você. Essa atitude demonstra que você já deixou de crer no que crê e ensina a Santa Igreja Católica. Por isso, qualquer “norma de vida” que a TV lhe apresenta já o seduz, já o envolve, já o fascina. Você deixou de acreditar no Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó (porque desprezou os Mandamentos); deixou de acreditar no Deus de Jesus Cristo (porque acha que “vale tudo” em matéria religiosa); deixou de acreditar no Deus dos santos e santas da Igreja... e, como consequência, você passou a acreditar em qualquer coisa.

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos