Não hesitarei em expressar aqui minha firme convicção de que seria um ganho para este país se ele fosse muito mais supersticioso, mais intolerante, mais sombrio, mais violento em sua religião do que no presente ele tem demonstrado ser.

Não que eu considere desejáveis, é claro, os temperamentos aqui implicados, o que seria um evidente absurdo. Mas os considero infinitamente mais desejáveis e promissores do que uma obstinação pagã e uma tranquilidade fria, autossuficiente e orgulhosa.

Sem dúvida, a paz de espírito, uma consciência tranquila e um semblante alegre são um dom do Evangelho e o sinal de um cristão. Mas os mesmos efeitos (ou melhor, o que parecem ser os mesmos efeitos) podem advir de causas bem diferentes. Jonas dormiu em meio à tempestade, e o mesmo fez Nosso Senhor; mas um dormiu em uma segurança má, e o Outro na “paz que supera todo entendimento”. Os dois estados não podem ser confundidos; são perfeitamente distintos um do outro. Do mesmo modo, são distintas a calma do homem mundano e a do cristão.

Jonas e o grande peixe.

Considerai agora o exemplo dos tripulantes a bordo do navio. Eles gritaram a Jonas: “Que fazes aqui, dorminhoco?”, como também os Apóstolos disseram a Cristo: “Senhor, estamos perecendo.” Eis o caso dos supersticiosos: eles situam-se entre a falsa paz de Jonas e a verdadeira paz de Cristo; estão melhores do que aquela, ainda que estejam muito aquém desta.

Aplicando isso à atual religião do mundo civilizado, cheia como está de segurança e alegria, de decoro e benevolência, noto que essas características podem advir tanto de muita religião quanto de sua ausência; podem ser fruto de uma mente superficial e de uma consciência cega, ou daquela fé que está em paz com Deus por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo.

De minha parte, vendo o que eu vejo do mundo, não tenho dúvidas de que o gênio de nossa época provém do sono de Jonas; e de que ele não passa, portanto, de uma fantasia de religião, muito inferior em dignidade ao alarme bem fundado dos supersticiosos, que estão acordados e vêem o perigo, ainda que não estejam tão avançados na fé a ponto de abraçar-lhe o remédio.

Eu não gostaria de ser duro, mas sabendo que “o mundo jaz no maligno”, considero altamente provável que vós, tanto quanto estais no mundo (como deveis estar, e nós todos estamos em alguma medida), estais, a maioria de vós, parcialmente infectados com esse seu erro, com essa religiosidade superficial, que é o resultado de uma consciência cega; e, por isso, eu me dirijo seriamente a vós. Acreditando na existência de uma praga geral na terra, julgo que vós provavelmente tendes vossa parte nos sofrimentos, os sofrimentos voluntários, que ela está espalhando entre nós.

O temor de Deus é o princípio da sabedoria: se vós, pecadores como sois, não O virdes como um fogo devorador e não vos aproximardes dEle com reverência e santo temor, não podereis sequer ver a porta estreita. Não quero que me indiqueis nenhum tempo particular de vossas vidas em que renunciastes ao mundo (como se costuma dizer) e vos convertestes. Isso é um engano. Temor e amor devem andar juntos; sempre o temor, sempre o amor, até o dia de vossa morte.

Sim, vós deveis saber o que é semear em lágrimas aqui, se quiserdes ceifar alegria na outra vida. Se não conhecerdes o peso de vossos pecados — e isso não apenas na mera imaginação, mas na prática; não apenas confessando-o em uma frase formal de lamentação, mas diariamente e no segredo do vosso coração —, não podereis abraçar a oferta de misericórdia que vos é prometida no Evangelho, por meio da morte de Cristo. Se não souberdes o que significa temer junto com os tripulantes aterrorizados ou com os Apóstolos, não podereis dormir com Cristo aos pés de vosso Pai celeste.

Por mais miseráveis que fossem as superstições das idades sombrias, por mais revoltantes que fossem as torturas agora comuns entre os pagãos do Oriente, melhor, muito melhor é torturar o próprio corpo todos os dias e fazer desta vida um inferno sobre a terra do que permanecer em uma breve tranquilidade aqui, até que a cova se abra larga abaixo de nós e nos desperte para uma consciência infrutífera e um remorso eternos. Pensai nas próprias palavras de Cristo: “Que pode dar o homem em troca de sua alma?” Novamente Ele diz: “Temei aquele que, havendo separado a alma do corpo, tem o poder de precipitar a um e a outro no inferno; sim, eu vos digo, a este temei.”

Não ouseis pensar que haveis chegado ao lugar mais profundo de vossos corações, pois vós não sabeis o mal que aí se oculta. Quanto tempo e com que sinceridade não deveis rezar, quantos anos não deveis passar em cuidadosa obediência, antes que tenhais qualquer direito a pôr de lado a tristeza e a exultar no Senhor? Em certo sentido podeis, de fato, consolar-vos com isso, pois, embora não ouseis ainda supor que estais no número dos reais eleitos de Cristo, a partir disso sabereis que Ele deseja vossa salvação, que Ele morreu por vós, que Ele lavou vossos pecados pelo Batismo e sempre vos ajudará; e esse pensamento vos deve alegrar, enquanto examinais e repassais vossas vidas e vos voltais para Deus em espírito de sacrifício.

Ao mesmo tempo, porém, enquanto estiverdes aqui, não podereis jamais estar certos da própria salvação e deveis, portanto, sempre temer enquanto tendes esperança. Vós conheceis cada vez mais os vossos pecados à medida que vedes a misericórdia de Deus em Cristo. E é este o verdadeiro estado cristão, bem como a melhor forma de aproximar-se do sono calmo e sereno de Cristo em meio à tempestade: não alegria perfeita e certeza do Céu, mas profunda resignação à vontade de Deus, entrega de nós mesmos a Ele, de corpo e alma; na esperança de que seremos salvos, sim, mas fixando nossos olhos mais sinceramente nEle do que em nós, isto é, agindo para a glória de Deus, procurando agradá-lO e dedicando-nos a Ele com obediência varonil e valorosas boas obras; e, então, ao olharmos para o nosso interior, pensemos em nós mesmos com uma certa aversão e desprezo por sermos pecadores, mortifiquemos nossa carne, contrariemos nossos apetites e esperemos tranquilamente aquele dia em que, se formos dignos, seremos despojados do nosso presente “eu” e renovados no Reino de Cristo.

Referências

  • Trecho do sermão “The Religion of the Day”, traduzido e levemente adaptado de “Parochial and Plain Sermons”, do B. John Henry Newman, v. 1, Longmans, Green and Co., London, 1907, pp. 320-324 (c. 24).

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