Em tempos de escândalos no clero, vale a pena considerar que relação guardam a validade dos sacramentos e a dignidade dos ministros que os celebram.

Todos sabemos, ou pelo menos deveríamos saber, que, contra uma heresia da Igreja primitiva chamada donatismo, o Magistério e os Santos Padres desde o princípio afirmaram que, por mais pecador que seja um sacerdote, se ele celebra a Santa Missa, por exemplo, com a matéria e a forma devidas e tendo a intenção de fazer o que faz a Igreja, o sacramento da Eucaristia é celebrado validamente e, no altar, se fazem presentes de fato o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor.

A esse respeito, esclarecem os santos que:

Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tornem Corpo e Sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura de Cristo, pronuncia essas palavras, mas sua eficácia e a graça são de Deus. Isto é o meu Corpo, diz ele. Estas palavras transformam as coisas oferecidas. [1]

Ai! em que temível armadilha caem aqueles que crêem que os divinos e ocultos mistérios podem ser mais santificados por uns que por outros, uma vez que é o mesmo único Espírito Santo que os santifica agindo de maneira oculta e invisível [2]!

Na Igreja Católica, o mistério do Corpo e do Sangue do Senhor não se realiza mais pelo bom sacerdote, nem menos pelo mau sacerdote, pois ele se realiza não pelo mérito do consagrante, mas pela palavra do Criador e pela virtude do Espírito Santo [3].

Quanto à validade do sacramento, portanto, não contam a santidade e a maldade do sacerdote. Na Santa Missa, porém, não existe a realidade do sacramento. Estamos falando também de uma oração pública, feita pelo sacerdote em favor de toda a Igreja; uma oração que, a depender da devoção e da santidade do padre celebrante, possui mérito e eficácia maiores ou menores diante de Deus.

Nesse preciso sentido, a Missa de um bom sacerdote — como um São João Maria Vianney e um Padre Pio de Pietrelcina — é, sim, melhor que a de um mau padre, ainda que no altar tanto deste quanto daquele se façam presentes verdadeiramente o Corpo e o Sangue do Senhor. O raciocínio usado aqui por Santo Tomás é o mesmo a respeito da oração dos pecadores, que o Padre Paulo Ricardo já teve a oportunidade de comentar em outra ocasião:

Aproveitemos o ensejo e citemos na íntegra a lição do Doutor Angélico:

Duas coisas podemos considerar na Missa: o sacramento em si mesmo, que é a principal: e as orações nela rezadas pelos vivos e pelos mortos. — Quanto, pois, ao sacra­mento, não vale menos a Missa de um sacerdote mau que a de um bom, pois ambos celebram o mesmo sacramento.

Também relativamente às orações rezadas na Missa, duas coisas podemos considerar. ­Primeiro, quanto à eficácia que tiram da devo­ção do sacerdote que as reza. E então não há dúvida que a Missa de um sacerdote melhor é mais frutuosa. — Depois, quanto ao fato de o sacerdote proferi-las em nome de toda a Igre­ja, da qual é ministro. Ora, esse ministério po­dem exercê-la mesmo os sacerdotes pecadores, como acima dissemos ao tratar do ministério de Cristo. E por aí é frutuosa não só a oração do sacerdote pecador na missa, mas também todas as orações que reza nos ofícios eclesiásticos, onde representa a pessoa da Igreja. Mas as suas orações privadas não são frutuosas, segundo a Escritura: “Quem desvia o ouvido para não ouvir a Lei, até sua oração é um horror” (Pr 28, 9) [4].

Ainda nesse capítulo, o Aquinate responde a muitas outras perguntas interessantes: ele explica, por exemplo, se sacerdotes excomungados e reduzidos ao estado laical podem consagrar o Corpo e o Sangue do Senhor (arts. 7-8), e se pecam as pessoas que assistem à Missa celebrada por um padre nessa circunstância (art. 9).

Mas isso são apêndices. O que nos interessa agora, respondida a pergunta inicial, é tirarmos conclusões para a nossa vida espiritual. O que essas questões, aparentemente tão “técnicas”, teriam a ver com nossa caminhada de fé?

Para os padres, fica principalmente o impulso a uma vida de oração e de piedade mais intensas. No dia de sua ordenação sacerdotal, os bispos pediram a Deus, impondo-lhes as mãos, que renovasse “em seus corações o Espírito de santidade” [5], porque, no dizer de Santa Teresa d’Ávila, “os sacerdotes estão mais obrigados a ser bons do que os outros” [6]. Basta que pensemos um pouco: se “a quem muito foi dado, muito será exigido” (Lc 12, 48), o que se exigirá dos ministros da Igreja Católica, responsáveis por aspergir as almas com nada menos que o Preciosíssimo Sangue de Cristo?

Para nós, leigos, além disso, é sempre importante ter em mente a grandeza do sacerdócio e da Eucaristia, pois a fé nessas duas realidades encontra-se em grave ameaça nos últimos tempos. A tentação é ainda maior ante a desolação litúrgica que encontramos em muitos lugares. Não são raros os católicos que chegam a viver uma espécie de religião privada, com alguns sugerindo inclusive que, diante da atual situação de caos em que vivemos, sequer haveria pecado grave em faltar a Missas dominicais!

Diante disso, só o que resta é lançar um apelo à consciência de todos os católicos, a fim de que não abandonem a Santa Missa jamais, mesmo que o ministério de música faça um barulho quase ensurdecedor; mesmo que o sacerdote faça a pior homilia do mundo; mesmo que enfrentar uma liturgia mal celebrada seja a única alternativa à disposição. O santo sacrifício da Missa tem um valor único, que não pode ser diminuído por nenhuma circunstância, não importa o quão terrível ela seja. Afinal, Jesus Cristo se faz presente todas as vezes que o padre pronuncia sobre o pão e o vinho as palavras da consagração.

Se você, como muitos, está desanimado com os membros humanos e falíveis da Igreja, lembre-se do que diz a fé católica sobre a Eucaristia. Vá à igreja por causa de Cristo, participe das Missas para estar com Ele e esqueça todo o resto. Se a música não o ajuda, se o padre não o ajuda, se quem está ao lado não o ajuda, lembre-se que Cristo, na Cruz, antes de morrer, também não tinha quase ninguém ao seu lado. Faça companhia a Ele e aproveite a oportunidade para rezar, de coração, aquilo que o Anjo de Portugal ensinou aos pastorinhos de Fátima: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não vos amam.”

Assim nós seguiremos o exemplo dos santos. Santa Teresa conta, em seu Livro da Vida, uma visão que teve certa vez, de um padre que rezava a Santa Missa estando em pecado mortal. O sentido dessa revelação ela logo percebeu qual era:

O Senhor me disse que rogasse por ele e que permitira semelhante coisa para que eu entendesse que força tinham as palavras da consagração e visse que, por pior que seja o sacerdote que as pronuncia, Deus está sempre ali; disse também que o fizera para que eu conhecesse sua grande bondade, que se põe nas mãos do inimigo só para o meu bem e o de todos [7].

Por que nós somos católicos e por que vamos à igreja? Porque “Deus está sempre ali” e, muitas vezes, “se põe nas mãos do inimigo só para o meu bem e o de todos”. Como é bom e consolador ter Jesus Cristo presente no Santíssimo Sacramento do altar!

Referências

  1. São João Crisóstomo, De Proditione Judae, 1, 6 (PG 49, 380C), citado em: Catecismo da Igreja Católica, § 1375.
  2. São Gregório, citado por Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 82, a. 6.
  3. São Pascásio Radberto, De Corpore et Sanguine Domini, c. 12, n. 1 (PL 120, 1310BC).
  4. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 82, a. 6.
  5. Pontifical Romano. São Paulo: Paulus, 2000, p. 115.
  6. Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida (c. 38, n. 23). In: Escritos de Teresa de Ávila, São Paulo: Loyola, 2001, p. 269.
  7. Idem.

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