Se Deus consola tão benignamente as almas do Purgatório, sua misericórdia brilha com ainda mais força no poder, que Ele concede a sua Igreja, de encurtar a duração de seus sofrimentos. Desejando executar com clemência a severa sentença de sua justiça, Ele consente em abater e mitigar a dor; fá-lo, porém, de maneira indireta, através da intervenção dos vivos. A nós Ele concede todo o poder de socorrermos nossos irmãos aflitos com sufrágios, isto é, por meio de impetração e satisfação.

A palavra sufrágio, em linguagem eclesiástica, é um sinônimo para oração. Entretanto, quando o Concílio de Trento declara que as almas no Purgatório são assistidas pelos sufrágios dos fiéis, o sentido da palavra é mais abrangente, incluindo, de modo geral, tudo o que formos capazes de oferecer a Deus em favor daqueles que partiram desta vida. De fato, nós podemos oferecer a Deus não somente nossas orações, mas todas as nossas boas obras, na medida em que elas sejam impetratórias ou satisfatórias.

Para entender essas expressões, tenhamos em mente que cada uma de nossas boas obras, quando praticadas em estado de graça, possui ordinariamente um triplo valor aos olhos de Deus:

  1. A obra é meritória, ou seja, aumenta o nosso mérito, dando-nos direito a um novo grau de glória no Céu.
  2. É impetratória (de “impetrar”, “obter”), ou seja, como uma oração, ela tem a virtude de alcançar graças de Deus.
  3. É satisfatória, ou seja, tem a capacidade de satisfazer à Justiça Divina e pagar o débito de nossas penas temporais diante de Deus.

O mérito é inalienável e permanece como propriedade da pessoa que realiza a ação. Os valores impetratório e satisfatório, ao contrário, podem beneficiar a outrem, em virtude da comunhão dos santos.

Entendido isso, coloquemo-nos uma questão prática. Quais são os sufrágios por meio dos quais, de acordo com a doutrina da Igreja, nós podemos ajudar as almas do Purgatório?

“A Virgem, São Nicolau Tolentino e as almas do Purgatório”, por Bartolomeo Guidobono.

A essa pergunta nós respondemos: eles consistem em orações, esmolas, jejuns e penitências de qualquer tipo, indulgências e, acima de tudo, o santo sacrifício da Missa. Todas as obras que nós realizamos em estado de graça, Jesus Cristo permite que as ofereçamos à Majestade Divina para o alívio de nossos irmãos no Purgatório.

Por essa admirável disposição, ao mesmo tempo em que protege os direitos de sua justiça, nosso Pai celestial multiplica os efeitos de sua misericórdia, que é exercida então, ao mesmo tempo, em favor da Igreja padecente e da Igreja militante. A assistência misericordiosa que Ele permite prestarmos a nossos irmãos sofredores é, de fato, de excelente proveito para nós mesmos. Trata-se de uma obra não apenas vantajosa para os falecidos, mas também santa e salutar para os vivos. Sancta et salubris est cogitatio pro defunctis exorare, “É santa e piedosa a ideia de rezar pelos defuntos” (2Mc 12, 46, Vulg.).

É possível ler, nas Revelações de Santa Gertrudes (cf. Legatus Div. Pietatis, l. 5, c. 5), que, tendo uma humilde religiosa de sua comunidade coroado com uma morte piedosa sua vida exemplar, Deus dignou-se mostrar à santa o estado da falecida na outra vida. Gertrudes viu a alma da monja adornada de inefável beleza e querida por Jesus, que a fitava com amor. Entretanto, por conta de uma leve negligência sua, ainda não expiada, ela não podia entrar no Céu, sendo obrigada a descer à sombria morada do sofrimento. Mal havia ela desaparecido nas profundezas, porém, a santa viu-a voltar e subir em direção ao Céu, transportada pelos sufrágios da Igreja: Ecclesiae precibus sursum ferri.

Até no Antigo Testamento orações e sacrifícios eram oferecidos pelos mortos. A Sagrada Escritura relata como louvável a piedosa ação de Judas Macabeu depois de sua vitória sobre Górgias, general do Rei Antíoco. Os soldados haviam pecado, tomando dos espólios alguns objetos oferecidos aos ídolos, coisa que pela lei eles estavam proibidos de fazer. Então Judas, chefe do exército de Israel, mandou que se fizessem orações e sacrifícios pela remissão de suas culpas e pelo repouso de suas almas.

Vejamos como esse fato é contado na Escritura:

No dia seguinte ao sábado, Judas e seus homens foram recolher os corpos dos que tinham morrido na batalha, a fim de sepultá-los ao lado dos parentes, nos túmulos de seus antepassados.

Foi então que encontraram, debaixo das roupas dos que tinham sucumbido, objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, coisa que a Lei proíbe aos judeus. Então ficou claro, para todos, que foi por isso que eles morreram.

Todos louvaram, então, a maneira de agir do Senhor, justo Juiz, que torna manifestas as coisas escondidas.

E puseram-se em oração, pedindo que o pecado cometido fosse completamente cancelado. Quanto ao valente Judas, exortou o povo a se conservar sem pecado, pois tinham visto com os próprios olhos o que acontecera por causa do pecado dos que haviam sido mortos.

Depois, tendo organizado uma coleta individual, que chegou a perto de duas mil dracmas de prata, enviou-as a Jerusalém, a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim, pensando muito bem e nobremente sobre a ressurreição. De fato, se ele não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria supérfluo e vão orar pelos mortos. Mas, considerando que um ótimo dom da graça de Deus está reservado para os que adormecem piedosamente na morte, era santo e piedoso o seu modo de pensar.

Eis por que mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado. (2Mc 12, 39-45)

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