Em seu famoso Essay on the Development of Christian Doctrine (“Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã”, sem tradução para o português), São John Henry Newman diz que, “embora seja diferente em um mundo superior, viver aqui embaixo é mudar, e ser perfeito é ter mudado várias vezes”. Essa afirmação é geralmente tirada do contexto por liberais e progressistas, que a citam para servir à sua agenda de subversão contínua na Igreja.

Um exame do contexto mostra, porém, o que Newman está realmente querendo dizer: enquanto a essência da fé cristã nunca muda, suas aparências externas, a amplitude e complexidade de sua expressão mudam — e não de qualquer modo, mas rumo a uma expressão mais perfeita e completa. Newman não poderia jamais ser legitimamente forçado a apoiar quaisquer “novos paradigmas” no cristianismo. De fato, ele deixou a Igreja Anglicana porque começou a acreditar que ela havia se afastado do único Paradigma original, que permanecia vivo dentro da Igreja Católica.

Como todo Padre e Doutor da Igreja, Newman acreditava que a humanidade havia recebido, de uma vez por todas, o Paradigma, na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, em sua doutrina divina e na sagrada liturgia, e que não cabia a nós modificá-lo, adaptá-lo ou enfeitá-lo, mas, sim, aceitá-lo humildemente na fé, internalizá-lo na oração e vivê-lo na caridade, tudo pelo poder da graça de Deus.

Às vezes, os costumes de seres humanos decaídos, como a escravatura, ainda que amplamente disseminados e tidos como legítimos, contradizem o Paradigma; assim, devem dar lugar à sua força irresistível. O Paradigma, em si mesmo, permanece firme, como uma rocha inamovível.

De acordo com a Escritura e a Tradição, o cristão é aquele que se aferra a princípios inamovíveis, a saber, as verdades divinamente reveladas sobre Deus, o homem, o mundo, nossa condição e nossa salvação. Esses princípios não mudarão jamais, em hipótese alguma, não importa o quanto mudem a cultura, a civilização, a sociedade, as leis, os costumes ou os comportamentos das pessoas. As páginas da história da Igreja estão repletas de incontáveis exemplos de santos que se aferraram de tal modo à Lei de Deus a ponto de preferirem morrer a agir contra ela ou permitirem que qualquer um o fizesse.

Essa atitude intransigente é notavelmente percebida em todos os Papas anteriores à modernidade, que viam o mundo secular marchando rapidamente rumo à própria destruição — um pessimismo amplamente confirmado pelos eventos subsequentes até a nossa época — e que opuseram a esse mundo o Evangelho imutável de Cristo, com suas elevadas exigências morais e sua promessa ainda mais elevada de socorro espiritual para aqueles que O invocam, e bem-aventurança final para os que nEle esperam.

Um dos “slogans” mais populares na pregação de hoje nas igrejas é: “Deus ama você do seu jeito”. Eu realmente sinto muito em dizê-lo, mas isso é falso, perniciosamente falso. Como disse certa vez o professor Anthony Esolen: “Eu não quero ouvir que não sou um pecador. Eu quero ouvir que preciso me converter”.

Se Deus nos ama simplesmente do jeito que somos, é o fim da religião. Não há necessidade alguma de conversão, arrependimento ou sacrifício. É precisamente porque não está tudo bem ser como somos que Deus se fez homem, morreu na Cruz e deu-nos os meios de nos juntarmos a Ele em sua morte e vida ressuscitada. Sim, Cristo morreu por nós quando éramos ainda pecadores — mas a fim de tornar-nos amigos seus, ou seja, para que, com sua graça e nosso esforço sincero, deixássemos de ser pecadores. Se já estamos “no ponto” sendo pecadores, Cristo morreu em vão, e nossa fé também é vã.

Nada impuro entrará no Céu. Portanto, nós devemos ser purificados de todos os nossos pecados, de seus efeitos duradouros sobre nós e até das simples sugestões de pecado, se quisermos entrar no Céu. E, mais uma vez, eu sinto muito em dizê-lo, meus amigos, mas o Purgatório não é o lugar onde pecados mortais são perdoados. Isso tem de acontecer nesta vida — ou não acontecerá jamais.

Se me permitem parafrasear Newman: “Embora seja diferente em um mundo superior, ser salvo aqui embaixo é se arrepender, e ser santo é ter-se arrependido várias vezes”. Nós nos arrependemos de nossa infidelidade para com o Paradigma, a Lei de Deus, o Evangelho de Cristo, o Deus três vezes Santo. O Paradigma é a rocha, e nós devemos lançar nossos pecados contra ela. Um “novo paradigma”, uma “mudança de paradigma”, tudo isso não passa de ficções do demônio.

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