É conhecida por quase todos os católicos aquela expressão com que São Paulo fala da justificação do homem: "O justo vive pela fé" ( Rm 1, 17). Com essa expressão, retirada do livro do profeta Habacuc, o apóstolo das gentes queria manifestar aos cristãos de sua época a importância da fidelidade à aliança com Deus. Como solenemente afirmou o Concílio de Trento, a "fé é princípio da salvação humana, fundamento e raiz de toda a justificação; sem ela é impossível agradar a Deus e chegar a ser filhos Seus" [1].

O mundo moderno, erigido sobre os ideais iluministas e anticlericais, inverteu esse pensamento paulino, de modo que hoje é quase comum encontrar pessoas indiferentes à religião, senão até hostis. A fé virou sinônimo de alienação e injustiça. Para o mundo moderno, apóstolo do humanismo, a religiosidade seria apenas um limite, uma espécie de prisão que impede o homem de alçar voo e descobrir sua verdadeira natureza.

Agora livre dos códigos e preceitos morais, pensa-se, o homem moderno pode finalmente contribuir para a criação de um mundo melhor: ele não vive mais de fé; vive da realidade que o circunda e que precisa urgentemente ser transformada. E que belo será este mundo, que bela será a Nova Atlântida que há de vir dos escombros de uma época de trevas e ignorância, à qual o homem esteve tanto tempo aprisionado. Assim bradavam os humanistas com otimismo estridente, assim ainda falam hoje os inimigos da religião. E vieram as duas grandes guerras, o nazismo, os gulags e toda a sorte de (ir)realizações que o homem moderno, o homem orgulhosamente sem fé, conseguiu produzir.

Que teria dado errado? A verdade parece ser uma só: a crença equivocada do homem moderno de que, para encontrar sua verdadeira natureza, ele teria de voar, a fim de contemplar-se de cima para baixo. E o que encontrou foi apenas o seu "eu exterior", pelo qual acabou desgraçadamente se apaixonando: aquele homem cafajeste, cuja única pretensão é satisfazer o próprio ego, não importando os meios nem os fins.

Em sua obra monumental Dois amores e duas cidades, livro obrigatório para quem deseja entender o que aconteceu com a civilização ocidental após a loucura nominalista, Gustavo Corção recorda que o motor da história não é a economia, como erroneamente pensava Karl Marx, mas a maneira e em que ordem o homem ama as coisas e se ama a si mesmo. O que ocorreu na idade moderna foi precisamente a desordem completa do amor, de sorte que as pessoas tomaram como principal de si mesmas a "vida exterior" e as coisas que poderiam torná-la mais confortável, esquecendo-se, por completo, de se prepararem para a vida eterna. Para descobrir o corpo, o homem decidiu perder a alma. E não poderia haver material mais explosivo que o amor desordenado por si mesmo.

Se é, portanto, no "eu exterior" que se forma o amor-próprio, fonte de todos os pecados, o homem, então, não necessita voar para descobrir quem ele é; precisa, antes, de um mergulho na intimidade de seu ser, lá no interior intimo meo de Santo Agostinho, onde se encontra a razão de sua existência, o "eu interior". Em suma, trata-se de uma espécie de socratismo cristão, isto é, a regra do "conhece-te a ti mesmo" vivida em Deus.

Ocorre que esse mergulho nas profundezas do próprio ser está para além das forças humanas. A experiência dos últimos séculos só tem comprovado isso nas tantas e tantas filosofias vãs que ora reduziram o homem ao animalesco, ora o colocaram no pedestal do mundo, quase como um deus ou super-homem.

Necessita-se de uma luz. E é aí que deve entrar a fé, virtude sobre a qual muito escreveu o Papa Francisco no início de seu pontificado.

A humanidade precisa da luz da fé para atravessar a sua escuridão mais íntima e encontrar tanto a própria identidade quanto aquela "Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" [2]. Porque a fé é mais que um arrepio do corpo, ela nos concede um fundamento novo, a prova das realidades invisíveis, que é aquela rocha firme sobre a qual o homem deve edificar a sua casa, sem risco de que desmorone tudo ao primeiro vento: as frustrações pessoais, o tédio da vida corrente, uma situação irremediável etc. É por isso que Bento XVI, com toda a razão, dizia que o primeiro realista é aquele que acredita, pois viver de fé abre o ser humano à verdadeira grandeza do mundo; aquele que tem fé enxerga para além das ninharias desta vida.

Na mesma obra já citada, Gustavo Corção assevera que "a sorte de uma civilização depende dos valores transformados em ideais no firmamento cultural dessa civilização" [3]. Em que pesem todos os erros cometidos pelos homens medievais, eles só souberam preservar o Ocidente e levá-lo adiante porque antes nutriam uns pelos outros aquela familiaridade própria de quem deseja ver o amigo no Céu. A base cultural da Idade Média era a fé e a busca da salvação, de modo que seus homens tinham a peito o estandarte da cruz e lutavam aqui na terra para construir sua casa na morada celeste. O Ocidente contemporâneo, em sentido inverso, morre dia após dia porque se esqueceu de suas raízes, julgou desnecessária a vida interior e passou a viver apenas de aparência e tolerância. Uma civilização que não sabe quem é, não tem por que lutar.

A vida do homem é movida por um motor ou causa final, como diria Santo Tomás, ou sentido, como diria Viktor Frankl. Aqui então se aplica a regra física de Newton: uma força produz o movimento de uma massa, que cresce progressivamente em velocidade segundo certa aceleração. Para a humanidade, essa força motora pode ser tanto a força da fé como a força gravitacional da Terra. E esse movimento será tanto mais acelerado quanto mais próximo estiver da força que o atrai. Daí se entende porque o homem medieval construía aquelas belíssimas catedrais voltadas para o Céu e, hoje, o homem moderno está a um passo de abandonar a posição ereta para literalmente voltar a andar sobre quatro patas.

O homem precisa de fé para manter-se homem, para manter-se viril e lidar com as pressões do mundo exterior com honestidade e coragem. Ele precisa então de uma verdadeira psicologia do profundo, voltar-se para seu eu interior, a fim de descobrir o núcleo de sua personalidade, sua substância ou essência, como queiram dizer, a fim de que não se deixe corromper pelos acidentes e apetites desordenados da carne. Enfim, precisa parar de cantarolar Imagine e voltar a recitar os salmos: "Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo" (Sl 22, 4). Deus queira que se convença disso o quanto antes!

Referências

  1. De justificatione, c. 8.
  2. Papa Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est (25 de dezembro de 2005), n. 1.
  3. Gustavo Corção, Dois amores e duas cidades, Rio de Janeiro: Agir, 1967, v. 1, p. 53.

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