Aparentemente, o problema do “Natal sem Cristo” — ao qual fizemos menção dois anos atrás — está sendo contornado por nossos contemporâneos. Eles substituíram a pura e simples abolição do presépio pela transformação da narrativa religiosa tradicional.

Emblemática nesse sentido é a imagem de um presépio com dois “Josés”, compartilhada recentemente no Twitter de uma comediante norte-americana.

Cameron Esposito — ela própria homossexual — esclarece, no entanto, que a ideia não foi sua. “O presépio com dois Josés de nossos vizinhos está montado e eu estou transmitindo”, ela escreveu. (O verbo to beam, no contexto, pode muito bem significar que ela estava sorrindo de satisfação, mas deixamos a questão aos tradutores da língua.)

Alguém comentou que o nascimento de Cristo teria sido definitivamente um milagre nessas condições. À parte o tom jocoso — que só reforça ainda mais a blasfêmia em análise —, é preciso reconhecer o bom senso da afirmativa. O grande escritor britânico G. K. Chesterton, a quem alguns chamam “apóstolo do senso comum”, disse certa vez, em uma sutil referência às uniões homossexuais, que, “embora uma Arca de Noé adequada devesse conter duas amostras de cada animal, ninguém jamais sugeriu que ela devesse conter dois Noés”. E a razão disso é muito simples: se a ideia da família é, naturalmente, dar perpetuidade à espécie humana, um ícone com dois Ivos, dois Noés ou dois Josés não é um acinte só à religião, mas à própria realidade das coisas.

Mais do que falar de moral sexual, no entanto, é a sacralização do profano o que mais nos interessa aqui. Uma pessoa que tem o cuidado de montar um presépio com dois Josés vestidos de rosa não está apenas zombando da fé cristã, mas também inventando, de sua própria cabeça, uma religião completamente nova, completamente… sua. O símbolo em questão fala de um novo culto, tão múltiplo quantas são as cabeças: a religião do próprio “eu”, que rejeita a tradição para se moldar às taras e idiossincrasias das pessoas.

Nesse sentido, os dois Josés acima não são a única maluquice que temos para este Natal. Recentemente, durante protesto em defesa do aborto, uma senhora do grupo “Católicas pelo Direito de Decidir” — que de católicas mesmo só têm o nome — ostentou uma placa com os seguintes dizeres: “Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus” (frase que foi publicada também no Facebook da organização). Explicar que a anunciação a Maria aconteceu antes da concepção de Jesus e que, portanto, o argumento não cola, é reduzir a discussão ao nível da lógica — que essas pessoas já superaram há bastante tempo. O que importa mesmo é fazer avançar a própria causa, pereat mundus: “dane-se o mundo”, danem-se a lógica, a estrutura da realidade e também as coisas sagradas. Até Deus está a serviço do homem.

Vejam, por fim, em que acreditam muitos de nossos jovens que fazem universidade e que se dizem cristãos: também eles modelaram um Jesus “à sua imagem e semelhança” — hippie, socialista e totalmente liberal. É um Jesus que ama o pecador e o pecado. Um Jesus que abraça a mulher adúltera e diz: “Teu corpo, tuas regras”. Um Jesus que se reúne com os pecadores não para trazê-los à conversão, mas para dialogar — e, ai de nós!, até aprender com eles. Um Jesus que não desafia ninguém a nada. Um Jesus medíocre. Um Jesus para justificar as minhas ideias, os meus gostos, as minhas opiniões. Uma farsa para a minha satisfação pessoal.

Escrever estas linhas não irá, evidentemente, mudar o comportamento dessas pessoas. Mas talvez nos acorde, a nós, para não cairmos na mesma armadilha — coisa que só conseguiremos fazer se lutarmos, com todas as nossas forças, contra o pecado e o relaxamento moral.

Sim, porque essa mania de inventar um Jesus “paz e amor” é um risco que correm todos os que fazem do pecado um projeto de vida: mesmo que professem a princípio a fé cristã, a partir do momento em que deixam de viver conforme aquilo em que acreditam, elas terminam, mais dia ou menos dia, acreditando no modo como vivem. E esta acaba se tornando, miseravelmente, a única verdade em que acreditam.

Quem está isento disso? Ninguém!

Basta-nos abandonar por um tempo a vida de oração e os sacramentos para ver onde vamos parar… Abandonar a religião que recebemos de nossos pais não irá eliminar a sede de Deus que temos em nossas almas. A consequência real de nosso esfriamento na fé não se se chama ateísmo, mas sim idolatria. Quem dá as costas ao Jesus dos Evangelhos não passa a acreditar no nada; a única coisa que faz é trocar o Deus verdadeiro por deuses falsos, muitas vezes moldados por suas próprias mãos.

Muito pior do que um Natal sem Cristo, portanto, é um Natal com um Cristo falso. Muito pior do que não ter um presépio é tê-lo preenchido de “qualquer coisa”. O Jesus verdadeiro é aquele que está nos Evangelhos e que a Igreja, desde sempre, apresentou aos homens. Nem sempre é fácil aceitá-lO, pois aquilo que Ele ensinou e ensina nem sempre é agradável de ouvir. Só Ele, no entanto, pode realmente libertar o homem… da escravidão do próprio “eu”.

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