Em meio aos mais intensos sofrimentos, as almas do Purgatório vivem contentes, e isso não se pode explicar senão pelas divinas consolações que o Espírito Santo lhes concede. Esse divino Espírito, por meio da fé, da esperança e da caridade, dispõe-nas como a uma pessoa doente que tem de se submeter a um tratamento muito doloroso, cujo efeito, todavia, é restaurar-lhe completamente a saúde. Essa pessoa enferma sofre, mas ama o seu sofrimento, pois é um sofrimento que a salva.

O Espírito Santo Consolador dá um contentamento similar às santas almas. Disso nós temos um impressionante exemplo na história de um homem, chamado Pedro de Piotravin, ressuscitado dos mortos por Santo Estanislau da Cracóvia, e que preferiu voltar ao Purgatório a viver novamente sobre a terra [1].

O aclamado milagre dessa ressurreição deu-se no ano de 1070, e é assim relatado nos Acta Santorum, em 7 de maio [2].

Santo Estanislau era bispo de Cracóvia quando o duque Boleslau II governava a Polônia. O santo bispo não deixava de lembrar o príncipe de seus deveres, os quais, no entanto, ele escandalosamente violava diante de todo o povo.

Como se irritasse com o santo destemor do prelado, Boleslau decidiu vingar-se dele, levantando contra o bispo os herdeiros de um certo Pedro de Piotravin, que morrera três anos antes, tendo vendido uma porção de terra para a igreja da Cracóvia. Os herdeiros acusaram o santo de ter se apossado indevidamente do terreno, sem tê-lo pagado ao dono. Estanislau declarou que havia pagado pela terra, mas, como as testemunhas que deviam defendê-lo tinham sido ou subornadas ou intimidadas, o bispo foi denunciado como usurpador da propriedade de outrem e condenado a restituir a terra.

Vendo que nada podia esperar da justiça humana, o santo bispo elevou então o seu coração a Deus, de quem recebeu uma inspiração repentina. Ele pediu um prazo de três dias, prometendo fazer Pedro de Piotravin aparecer pessoalmente para atestar a aquisição legal e o pagamento do terreno. O tempo foi-lhe concedido como escárnio.

Destaque de uma pintura de Bernardino Cervi retratando o Purgatório (1625).

O santo jejuou, fez vigílias e suplicou a Deus que defendesse sua causa. No terceiro dia, depois de haver celebrado a Santa Missa, ele saiu, acompanhado de seu clero e de muitos dos fiéis, ao lugar onde Pedro fora enterrado. A suas ordens o túmulo foi aberto, no qual nada havia senão ossos. Ele os tocou, então, com seu báculo e em nome daquele que é a ressurreição e a vida, ordenou ao homem morto que se levantasse. Subitamente os ossos se reuniram, revestiram-se de carne e, à vista do povo estupefato, o homem morto foi visto tomando o bispo pela mão e caminhando rumo ao tribunal.

Boleslau, com sua corte e uma imensa multidão de pessoas, estava esperando o resultado com ansiosa expectativa. “Olhai para Pedro”, disse o santo a Boleslau. “Ele veio, príncipe, para dar testemunho diante de vós. Interrogai-o, ele vos responderá”. Impossível era descrever o estupor do duque, de seus conselheiros e de toda a assembleia ali reunida. Pedro afirmou que tinha recebido o pagamento pela terra; voltando-se para seus herdeiros, ele repreendeu-os por ter acusado injustamente o santo prelado; e exortou-os, por fim, a fazer penitência por um pecado tão grave. Foi assim que a iniquidade, já estimando seu sucesso, foi confundida.

Eis que se dá, então, a circunstância que diz respeito ao nosso assunto, e à qual gostaríamos de nos referir. Desejando completar esse grande milagre para a glória de Deus, Estanislau propôs ao falecido que, se ele desejasse viver mais alguns anos, ele obter-lhe-ia esse favor da parte de Deus. Mas Pedro replicou que não tinha tal desejo. Ele estava no Purgatório, mas preferiria retornar para lá imediatamente e suportar-lhe as penas do que expor-se à condenação nesta vida terrestre. O homem só suplicou ao santo que implorasse de Deus abreviar o tempo de seus sofrimentos, a fim de que ele pudesse entrar o quanto antes na morada dos bem-aventurados.

Depois disso, acompanhado do bispo e de uma vasta multidão, Pedro retornou a seu túmulo, deitou-se, seu corpo se desfez em pedaços e seus ossos retornaram ao mesmo estado em que haviam sido achados. Temos razão para acreditar que o santo obteve rapidamente a libertação dessa alma.

Mas o mais extraordinário nesse exemplo, e que mais nos deve atrair a atenção, é uma alma do Purgatório, tendo experimentado tormentos os mais excruciantes, preferir esse estado à vida deste mundo; e a razão dada a essa preferência é que nesta vida mortal estamos expostos ao perigo de nos perdermos e termos como destino último a condenação eterna.

Notas

  1. Como conciliar essa revelação particular com a do frei Daniele Natale, publicada também aqui, segundo a qual nenhum sofrimento desta vida se compara em dureza às penas do outro mundo? A resposta encontra-se na profundidade da conversão de cada pessoa: de fato, para uma alma que está ainda nos primeiros degraus da vida espiritual, ver-se livre da possibilidade de condenar-se eternamente conta muito mais do que o desejo de aumentar a própria glória no Céu; é a mesma distância que separa o temor do amor (Equipe CNP).
  2. Essa história encontra-se nos Acta Sanctorum de maio, t. II, p. 276c: “Em honra do Deus altíssimo. A Pedro de Piotravin, ginete, morto duas vezes. Venera, ó visitante, este cidadão do céu, que, depois de estar por três anos no purgatório expiando as culpas desta vida que lhe retardavam o eterno descanso, foi chamado das sombras <da morte> por Santo Estanislau, Bispo, e, unido outra vez à própria carne, aduzido como testemunha da legítima propriedade deste contra uns sacrílegos usurpadores. Admiras-te do milagre? Pois aprende a admirar antes a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos, as chamas que purgam do pecado, o direito sacrossanto das posses da Igreja e, por último, a santidade de vida do prelado Estanislau, que com o auxílio de Deus realizou tamanho prodígio. Simão Koludzki, prelado de Gniezno […].  Ano da graça de 1660” (tradução nossa).

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