Se alguém lhe perguntasse por que Nosso Senhor instituiu a Missa, o que você diria? Você seria capaz de explicar a essa pessoa por que a Missa é necessária para que tenhamos um relacionamento apropriado com Deus [1]?

Depois da tragédia cósmica de Adão e Eva, a espécie humana mergulhou nas trevas, na miséria e na culpa. Cada um de nós sofre dessa tragédia; porém, não podemos salvar a nós mesmos. É por isso que precisamos de um salvador. Jesus Cristo nos libertou do abismo do pecado e da morte por meio dos mistérios de sua vida e, acima de tudo, de sua morte na Cruz, quando se ofereceu ao Pai num ato de amor infinitamente agradável. Ele nos liberta do mal e nos dá acesso à eternidade nos sacramentos da Igreja.

Como Deus é nosso criador, redentor e santificador, nós devemos tudo a Ele. Temos uma dívida de justiça e amor para com Ele que jamais poderemos pagar de um modo que seja digno de sua imensa bondade e dos dons que Ele nos dá. Nós nunca poderemos adorá-lo ou agradecer-lhe o bastante. Acima de tudo, precisamos estar unidos a nosso Redentor em seu sacrifício na Cruz, de modo que a vitória obtida para a humanidade em geral possa ser aplicada a cada um de nós em particular. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte se torna nossa quando nos tornamos um com Ele.

Por isso a Missa é uma obra-prima da sabedoria e da misericórdia de Deus. Nela, Nosso Senhor torna presente seu sacrifício na Cruz pela oferta do mesmo Corpo e Sangue que foram oferecidos ao Pai pela nossa salvação. Ele anula os dois mil anos que nos separam do Calvário e nos leva até a sua Cruz, suas chagas sagradas, seu Sangue precioso, seu Coração trespassado.

Quando nos unimos livremente a essa oferta pelas mãos do sacerdote, rendemos a Deus a glória e a honra que Ele merece, o culto que lhe é devido e que jamais poderíamos oferecer por conta própria. O Pai olha para nós e diz: “Vós me destes aquilo que me agrada — meu único Filho, em quem ponho minha afeição”. É por isso que a Missa é a oração mais perfeita e a coisa mais excelente que nós podemos oferecer a Deus.

Assim sendo, é possível entender por que foi muito conveniente que surgisse na Igreja Católica a celebração diária da Missa por cada sacerdote: tais ofertas multiplicam e distribuem os efeitos dessa única e sagrada oblação continuamente, no tempo e no espaço, a todos nós que dela tão avidamente necessitamos.

Por que assistimos à Missa?

Ao abordar a questão a partir dessa perspectiva, podemos entender melhor uma característica das vidas dos santos que pareceria estranha aos católicos modernos — a saber, que muitos santos assistiam à Missa duas ou até mais vezes por dia, ainda que muitas vezes não recebessem a Comunhão (fossem leigos ou religiosos). O rei São Luís IX “ouvia Missa” (como se costumava dizer) duas vezes por dia. Até sacerdotes iam à Missa mais de uma vez ao dia: sabemos pelos relatos da vida de Santo Tomás de Aquino que ele celebrava sua Missa diária com seu secretário Reginaldo de acólito; em seguida, trocavam de lugar e Tomás acolitava para Reginaldo.  

Essa postura se torna perfeitamente compreensível quando a analisamos através das lentes do dogma católico. Já que a Missa é em si um sacrifício verdadeiro e conveniente, infinitamente agradável a Deus, assistir a ela, unindo nosso preito interior ao serviço do sacerdote, é um exercício perfeito da mais excelente de todas as virtudes morais: a virtude da religião, que honra a Deus tal como nos obriga o Primeiro Mandamento — e como o Senhor Jesus Cristo está real, verdadeira e substancialmente presente sob as formas do pão e do vinho, também somos levados até a sala do trono do Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, para prestar-lhe o culto de adoração que Ele merece (e recompensa).

Contra o reducionismo sacramental

Sem o espírito de oração exemplificado pelos santos [2], a recepção da Comunhão pode se tornar um ritual quase sem sentido, algo que uma pessoa “faz” porque todas as outras o fazem. Na verdade, a Comunhão pode ser tornar uma ocasião para atrair sobre si a culpa do desprezo pela mais sagrada de todas as coisas sagradas

Hoje, se alguém procura na internet pela expressão “assistir à Missa duas vezes num dia”, os únicos resultados que aparecem dizem respeito à recepção da Comunhão duas vezes no mesmo dia. Tudo foi reduzido a essa questão apenas. É simplesmente inconcebível a ideia de que alguém possa assistir à Missa duas vezes e talvez não comungar em nenhuma delas. Na minha opinião, isso reflete uma falta de compreensão a respeito do que é a Missa, que caminha paralelamente com a falta de compreensão sobre a Presença Real. 

Nosso Senhor se faz presente na Santíssima Eucaristia por diversas razões: primeiro, para que possamos fazer uma oferta digna à Majestade divina; segundo, para que não sejamos privados da força e da consolação de sua amizade entre nós; terceiro, para que possamos tomar parte nele pelo bem de nossas almas. Sem subestimar ou denegrir a Comunhão frequente, ainda vale a pena nos perguntarmos até que ponto entendemos que a Missa é um ato de adoração necessário, valioso e frutífero em si mesmo.  

Bastam essas duas razões — que possamos exercer a virtude da religião e adorar Nosso Senhor com uma intimidade privilegiada — para mostrar que assistir à Missa é o melhor que um católico pode fazer, mesmo sem considerar a questão de se ele deve ou não receber a Comunhão [3]. São Pedro Julião Eymard (1811–1868) disse: “Sabe, ó cristão, que a Missa é o ato mais sagrado da religião. Não há nada mais agradável a Deus, nem mais benéfico para tua alma do que assistir à Missa com devoção e sempre que possível.”   

Estamos preparados para mais? 

É verdade que temos de equilibrar nossas obrigações religiosas com os outros deveres da vida, mas se Santo Tomás de Aquino, que escreveu 50 volumes in-fólio da mais refinada teologia escolástica, e São Luís IX, que governou um reino e lutou nas Cruzadas, puderam dispor de tempo para duas Missas por dia, será difícil encontrar uma boa desculpa para não assistir à Missa sempre que pudermos — naturalmente, desde que uma Missa celebrada de forma piedosa e reverente esteja disponível em nossa vizinhança.

É verdade que monges, religiosas e frades possuem algumas vantagens claras: por serem celibatários e consagrados a Deus, sua vida inteira pode ser estruturada em torno da liturgia da Igreja — o Ofício Divino e o Santo Sacrifício da Missa. Eles não têm nenhuma desculpa para não mergulhar na adoração litúrgica a Deus. Do mesmo modo, santos monarcas têm servos para cuidar de suas necessidades básicas, e eles não têm de se preocupar com o próprio ganha-pão. Também possuem muito tempo à sua disposição. 

Mesmo assim, ainda é verdade que nós — que, não por mérito próprio, recebemos o dom da fé, e que pela fé reconhecemos a santidade e a justiça transcendentes de Deus, bem como suas legítimas exigências em relação a toda a Criação — exercemos um papel especial na restauração e renovação dessa Criação quando pela oração nos unimos à oblação do Mediador entre o Céu e a terra. Quando assistimos à Missa com devoção, promovemos o Reino de Deus: somos agentes da cura e da elevação do mundo

Tudo isso já era verdade antes mesmo de considerarmos o mais admirável de todos os dons do Senhor, por meio do qual Ele permite — aliás, convida-nos, quando estamos bem preparados — que nos aproximemos com temor e tremor do altar do “sacrifício pleno e definitivo” e participemos dos mistérios sagrados e vivificantes de Cristo.  

Qual o seu plano para a Quaresma?

No Rito Romano tradicional, o único período do ano que possui uma Missa especial para cada dia, com antífonas, leituras e orações próprias é a Quaresma, que foi considerada um “tempo de salvação” e nos convida a observar com muito mais seriedade nossas orações (públicas e privadas), jejum e abstinência, esmola e obras de misericórdia espirituais e corporais. 

Sempre que possível, deveríamos fazer da Missa diária o eixo em torno do qual gira nossa Quaresma. Trata-se de uma forma muito prática de dar a Nosso Senhor uma renovada primazia em nossas vidas.

Na Quaresma, aqueles que já assistem à Missa diária poderiam tentar chegar alguns minutos antes do usual, permanecer mais alguns minutos depois ou acrescentar — seja nessa ocasião ou em outro momento do dia — um trecho do Ofício Divino, que prepara e prolonga os frutos da Missa.    

A regra de vida do católico é simples, mas profunda: viver da Missa e para a Missa.

Notas

  1. Essa necessidade remonta ao início da história e ao período da antiga Lei de Moisés: toda a humanidade já estava ordenada à adoração ao Pai no e pelo Filho, mesmo antes da revelação plena desse mistério. O pecado original introduziu uma nova dimensão: o rompimento do vínculo de amizade exigia cura e aplacamento. Podemos dizer, sem exagero, que em última instância o homem foi criado para assistir à Santa Missa e entrar no santuário celeste por meio dela. Aqueles que, como Noé, Abraão, Moisés e Davi, não tiveram acesso a ela, não obstante desejaram-na implicitamente com a mesma fé com a qual desejaram a intervenção do Salvador de Israel, o Cristo (n.d.a.).
  2. Omitimos nesta tradução um trecho em que o autor fala de sua experiência pessoal com os monges beneditinos de Nórcia, que rezam a Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano. Já falamos sobre esses religiosos aqui no site; só omitimos a menção a eles por causa do tom mais íntimo do relato e por entendermos que o excerto era prescindível para o desenvolvimento da ideia que o autor pretendia transmitir. Aqui, em “Sem o espírito de oração exemplificado pelos santos”, a fim de apresentar aos leitores um texto contínuo, tomamos a liberdade de substituir “monges” (do original) por “santos”, pois, no fundo, a prática de assistir à Missa sem necessariamente comungar é comum a ambos os grupos (n.d.t.).
  3. Se as normas de jejum fossem mais exigentes, por exemplo, haveria dezenas de vezes em que, mesmo não nos encontrando em estado de pecado mortal, ainda assim estaríamos impedidos de aproximar-nos do altar. E isso é bom para nos humilharmos e considerarmos a grandeza do que estamos fazendo. Se soubéssemos que as pessoas permanecem em seus bancos por outras razões que não o pecado grave, o sentimento de pressão social para ir à Comunhão seria muito menor (n.d.a.).

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