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As tristezas do carnaval

Décadas atrás, nossos bisavós procuravam a felicidade no prazer “inocente” do carnaval. Com o tempo, rasgou-se a fantasia, e a busca desenfreada por prazer transformou-se em tristeza e morte. Descubra nesta aula por que o carnaval jamais será um caminho para a felicidade.

Texto do episódio
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Um antigo ditado popular diz que “quem muito ri, termina chorando”. No tempo do carnaval, que se apresenta como uma festa da “alegria”, não é difícil perceber o quão cheias de sabedoria são essas palavras. Basta pensar nas inúmeras vezes em que, depois de uma festa tão cheia de prazeres e sortilégios, experimentamos uma profunda tristeza e vazio de sentido. Tal efeito se explica pelo gênero de alegrias que vivemos, pois certos tipos de prazeres são naturalmente efêmeros e deixam a pessoa com a mesma rapidez com que aparecem.

Podemos aliviar nossas dores de várias formas. Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino apresenta-nos uma lista de ações cuja sensação provoca-nos prazer e relaxamento: o banho quente, as lágrimas, o sono, a compaixão de um amigo (I-II, q. 38)... De fato, todas essas coisas ajudam-nos a esquecer, ao menos por um tempo, o estresse e as tensões do dia a dia. O carnaval é, do mesmo modo, um divertimento próprio da carne e, em razão disso, não deixa de ser um remédio para as tristezas. O Doutor comum, entretanto, adverte que “certos prazeres causam a tristeza, pois, como diz Aristóteles, o mau se entristece porque se deleitou(I-II, q. 38, a. 1). Os prazeres da folia passam, deixando apenas lembranças nostálgicas, de modo que a tristeza volta como o elástico de um estilingue. E a pessoa fica ainda mais triste que antes.

A forma mais excelente de se mitigar a tristeza é, segundo Santo Tomás, a contemplação da verdade, porque trata dos bens superiores. “Nas potências da alma dá-se a redundância da superior para a inferior”, ele diz, de modo que “o prazer da contemplação, pertencente à parte superior, redunda na mitigação mesmo da dor sensível” (I-II, q. 38, a. 4).

Na história da conversão de Santo Inácio de Loyola, essa distinção aparece de maneira irrefutável. Santo Inácio teve ocasião de meditar sobre os prazeres mundanos e a felicidade eterna, durante sua estadia no hospital, após ter sofrido um acidente durante a guerra de Pamplona, que lhe arrebentou uma das pernas. Para passar o tempo, ele se debruçava entre leituras de guerreiros comuns e a vida de Cristo e dos santos. A partir dessas leituras, ele chegou então à seguinte conclusão:

Notava, ainda, esta diferença: quando pensava nas coisas do mundo, sentia um grande prazer; mas quando depois de cansado as deixava, sentia-se árido e descontente. E quando pensava em ir a Jerusalém, descalço e comendo só ervas, e em fazer todos os mais rigores que via que os santos tinham feito, não só sentia consolação quando estava nesses pensamentos, mas também depois de os deixar, ficava contente e alegre. Mas não reparava nisso nem se detinha a ponderar esta diferença, até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos e começou a maravilhar-se desta diferença e a fazer reflexão sobre ela. Compreendeu então por experiência que de uns pensamentos ficava triste e de outros alegre, e pouco a pouco veio a conhecer a diversidade dos espíritos que se agitavam: um do demônio e o outro de Deus (Autobiografia, I, n. 8).

Com uma percepção psicológica bem fina, Santo Inácio fez o “discernimento dos espíritos”, que ele iria desenvolver nos seus Exercícios Espirituais. Ele viu que “é próprio do anjo mau” disfarçar-se de anjo de luz, “trazendo a alma aos seus enganos encobertos e perversas intenções” (Exercícios Espirituais, III, n. 332). O diabo coloca prazeres aparentes que vão de pecado mortal em pecado mortal, na proporção de uma falsa alegria cada vez maior, para que assim haja também uma tristeza maior.

No caso de Deus, porém, Santo Inácio percebeu que o bom espírito age de modo contrário, picando e mordendo a consciência, “porque é próprio do Criador entrar, sair, produzir moção na alma, trazendo-a toda ao amor de sua divina majestade” (Exercícios Espirituais, III, n. 330). E isso se dá “sem nenhum prévio sentimento ou conhecimento de algum objeto pelo qual venha essa consolação, mediante seus atos de entendimento e vontade” (Exercícios espirituais, III, n. 330).

Essa dinâmica tem razão de ser na natureza humana, que é, ao mesmo tempo, “corpo” e “alma”. A “alma” está destinada a contemplar as verdades superiores, das quais experimentamos a suma alegria. Dessa alegria depende a nossa autorrealização. Porque não têm alma, os demais animais se contentam com as delícias sensíveis, e não precisam de qualquer outro prazer para se satisfazerem. Os homens, contudo, têm um “motor” unido ao corpo, um motor espiritual, que se não estiver sadio, vai incidir negativamente sobre os apetites sensíveis. Um homem é capaz de vomitar para comer de novo, é capaz de se matar para ter sexo, algo inimaginável entre os demais animais. A “alma”, então, precisa do alimento do “espírito”, de um combustível proporcional a esse motor tão potente. E esse combustível só pode ser a verdade eterna, Deus mesmo.

No carnaval, nossa alma é totalmente instigada não pelo espírito bom, mas pelo espírito maligno que atiça os apetites sensíveis. As pessoas entregam-se como bestas ao alimento carnal: drogas, orgias, violências de todo tipo. Se a imprensa fosse verdadeiramente honesta, essas festas jamais seriam exaltadas. Afinal, elas não são capazes de saciar a sede do coração humano, porque não respondem aos desejos mais íntimos da alma. Por isso, esta volta ao tédio e à dissipação quando tais prazeres acabam. A pessoa que não estiver disposta corajosamente a buscar o verdadeiro alimento do espírito jamais conseguirá desvencilhar-se das ressacas da Quarta-feira de Cinzas.

Santo Inácio viu que, na vida de Cristo e dos santos, havia um alimento muito mais rico que o do mundo, porque a luz da graça brilhou dentro do coração dele. Essa luz deve brilhar também em nós. Para uma alma disposta ao Espírito, “a contemplação da verdade mitiga a tristeza ou dor, e tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitamente formos amantes da sabedoria” (Suma Teológica, I-II, q. 38, a. 4). É nosso dever fugir das distrações mundanas para que a luz da graça se mantenha sempre acesa em nós e, assim, possamos enxergar com clareza as verdades eternas. No fim das contas, é essa fuga do mundo o verdadeiro carnaval, o adeus à carne.

Para os cristãos, esse “carnaval” consiste no sim radical ao chamado de Cristo, ao desejo de não ser apenas “bom”, mas perfeito como o Pai. Adeus à carne, adeus às visões nostálgicas das alegrias exteriores, uma vez que a verdadeira alegria se encontra na visão do castelo interior. Santo Inácio viveu tal “carnaval” quando decidiu fechar as janelas da alma e retirar-se para o jardim das moradas de Deus. Desse modo, ele teve grandes sonhos, e produziu grandes frutos de conversão. Empenhemo-nos assim também, para que sejamos árvores de bons frutos, frutos que duram para sempre.

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