Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 18,12-14)
Naquele tempo disse Jesus a seus discípulos: Que vos parece? Se um homem tem cem ovelhas, e uma delas se perde, não deixa ele as noventa e nove nas montanhas, para procurar aquela que se perdeu? Em verdade vos digo, se ele a encontrar, ficará mais feliz com ela, do que com as noventa e nove que não se perderam. Do mesmo modo, o Pai que está nos céus não deseja que se perca nenhum desses pequeninos.
I. Transcrição
Hoje, dia 7 de dezembro, véspera da Imaculada Conceição, nós celebramos o grande bispo e Doutor da Igreja, Santo Ambrósio de Milão. Ambrósio é conhecido pelo seu papel na conversão de Santo Agostinho Foi ele quem pregou para que, finalmente, esse grande santo se convertesse. No entanto, Ambrósio foi grande também por outras razões. Em primeiro lugar, vamos recordar que Ambrósio era filho de um outro Ambrósio. O nome de seu pai era também Ambrósio e o pai dele foi administrador de uma grande província romana que englobava a atual França, a Espanha, o norte da Espanha e uma parte da África; portanto, era filho de alguém que era muito importante. Ele cresceu, juntamente com o seu pai, acostumado aos negócios públicos e, por isso, depois da morte do seu pai, sua família foi para Roma, e Ambrósio pôde ali adquirir um conhecimento, uma formação literária e jurídica extraordinária. Foi exatamente por causa da sua capacidade oratória, sua capacidade também de fidelidade e organização das coisas que ele foi escolhido para administrar toda a área de Milão, onde depois, mais tarde, ele seria bispo. Ele foi como que prefeito daquela região, que englobava parte da Ligúria e também de Milão. Ali ele era responsável pela administração pública.
O fato é que a cidade de Milão, durante muitos anos, sofreu debaixo da tirania de um bispo herético, um bispo ariano. Tratava-se de um bispo estrangeiro que tinha vindo da Capadócia. Ele nem sequer falava latim, mas era um sério perseguidor dos cristãos católicos de fé trinitária. Quando morreu esse bispo tirano, a igreja de Milão teve de escolher o seu sucessor. Então, você pode imaginar a briga! Ou seja, os católicos verdadeiros queriam colocar um candidato que fosse verdadeiramente defensor da fé, mas a heresia que tinha reinado naquela diocese durante muitos anos não cedia facilmente. O fato é que Ambrósio, cheio de bondade e com o coração pacífico, foi até a basílica onde estava sendo realizada a eleição para pacificar as pessoas, dizendo: “Olhem, vocês fiquem em paz, Vamos confiar na votação que os bispos vão fazer para a eleição do novo bispo de Milão”.
Foi durante esse discurso em que ele pacificava a multidão que, então, se diz que a voz de uma criança gritou: “Ambrósio bispo!” e, de repente, parece que aquilo foi uma iluminação divina. O povo começou a clamar e a pedir que Santo Ambrósio fosse verdadeiramente o bispo de Milão. Acontece, porém, que os neófitos não podiam ser ordenados bispos. Embora Ambrósio tivesse 35 anos de idade, por causa de uma má tradição daquela época ele ainda não tinha sido batizado. Então, Ambrósio protestou e disse: “Vocês vêem perfeitamente que eu não posso ser bispo. Eu deveria ser batizado, deveria ter longos anos de experiência para poder ser bispo”. O fato é que o imperador, vendo que o seu nobre e fiel funcionário tinha sido eleito bispo, fez de tudo para que aquilo se tornasse realidade e alcançou uma dispensa do papa; não somente: Ambrósio, que durante meses protestou e disse que não seria feito bispo de jeito nenhum, quis se esconder. O imperador Valentiniano baixou um decreto em que “quem quer que desse cobertura e fosse cúmplice do escondimento de Ambrósio seria punido”.
O pobre Santo Ambrósio teve de ceder. No dia 7 de dezembro (é por isso que nós o comemoramos no dia 7 de dezembro) ele foi sagrado bispo de Milão, da grande diocese de Milão, que tinha sido sede do — podemos dizer — varão apostólico São Barnabé. Lá, Santo Ambrósio foi sagrado bispo e tornou-se, durante 23 anos, um grande defensor da fé. Não é necessário dizer que Ambrósio teve uma grande dificuldade, inicialmente, de cumprir a sua tarefa e a sua missão porque ele não tinha sido preparado para isso. Então ele se pôs a estudar. Ele foi estudar e meditar a Palavra de Deus para poder ensinar ao povo e ele mesmo reclama, no seu De Officiis, que ele tinha dificuldade porque os estudos dele eram bem práticos. Ele tinha de estudar aquilo que ele tinha de, depois, ensinar; o que o povo estava precisando aprender, ele tinha de, antes, aprender para ensinar para o povo. Mas ele teve o auxílio dos seus irmãos. (Ele era o irmão caçula de outros dois santos irmãos: ele teve o seu irmão mais velho, Sátiro, São Sátiro, santo canonizado, e a sua irmã mais velha, Santa Marcelina.) Ambos ajudavam Santo Ambrósio na sua tarefa. São Sátiro, que era leigo, ajudava Santo Ambrósio a resolver os problemas administrativos.
Assim, ele não precisava gastar tempo em questões burocráticas, administrativas e temporais. Santa Marcelina, com as suas orações e dedicação, se dedicava ao episcopado do seu irmão. Santo Ambrósio foi aos poucos conquistando as pessoas e conquistando-as para Deus. É interessante que ele é um dos maiores Padres da Igreja que defenderam e falaram da virgindade. O próprio São Jerônimo, que se referiu a Santo Ambrósio com palavras duras em outras ocasiões, diz que ninguém escreveu melhor sobre a virgindade do que Ambrósio. E ele, de fato, pregava tanto e tão ardentemente a respeito da virgindade, que as mães escondiam as suas filhas, não deixavam que as suas filhas fossem para as pregações de Ambrósio, com medo de que elas desistissem de casar! O pessoal começou a acusar Ambrósio, dizendo que ele iria despovoar o Império porque as pessoas não estavam mais querendo casar e ter filho. Ambrósio se defendeu, dizendo que “quanto maior fosse o apreço da virgindade, tanto maiores seriam as famílias generosas que gerariam filhos para Deus”.
O fato é que Santo Ambrósio, grande pregador, foi também um grande defensor da fé. Você se lembra que a grande diocese de Milão tinha sido afligida pelo arianismo. Ele soube debelar as heresias e, mesmo assim, lutando contra as autoridades. Houve um momento do seu episcopado em que a imperatriz Justiniana, ariana, foi contra Santo Ambrósio e chegou, mesmo durante a Semana Santa, a cercar a catedral de Milão e a deixar Santo Ambrósio prisioneiro com os fiéis lá dentro. Foi durante essa ocasião que foram encontradas as relíquias de São Gervásio e de São Protásio, que fizeram grandes milagres durante o episcopado de Santo Ambrósio. Hoje, na catedral de Milão, estão enterrados Gervásio, Protásio e Ambrósio, os três unidos na sua santidade. Pois bem, Santo Ambrósio não somente enfrentou imperatrizes heréticas. Também corrigiu o imperador que cometeu um massacre.
Foi um homem que entrou na política, sim, mas para pregar o Evangelho aos poderosos e dizer que também eles precisavam se converter. Ele morreu com cinquenta e poucos anos de idade e em tão pouco tempo de vida conseguiu fazer um grande trabalho de evangelização, e suas obras hoje são lidas com muito gosto — um homem que não estava preparado para a evangelização, mas que a missão, a generosidade do apóstolo, fez com que ele se tornasse um grande estudioso, contemplando a verdade para transmiti-la aos seus fiéis. — Que Santo Ambrósio de Milão reze por nós e de lá do céu nos dê um grande apreço pela Palavra de Deus, pelo seu conhecimento, para levar tantos irmãos e irmãs para o céu através do conhecimento da verdade de Cristo.
II. Comentário exegético
Ocasião. — Segundo Mt (cf. 18,10s), Jesus contou a parábola da ovelha perdida aos discípulos (cf. 18,1) para os prevenir contra o perigo de escandalizaram os pequeninos, pois é vontade do Pai celeste que não se perca um só deles (cf. 18,14). — Já segundo Lc (cf. 15,1ss), as parábolas da ovelha desgarrada, da dracma perdida e do filho pródigo foram proferidas quando os escribas e os fariseus murmuravam da misericórdia e benignidade do Senhor para com os pecadores. Apesar da aparente contradição, ambos os testemunhos são verdadeiros. A parábola da ovelha perdida, com efeito, é de tal índole, além de ser familiar à mentalidade judaica, que Jesus a deve ter contado não uma mas várias vezes.
Comparações. — a) A ovelha perdida (cf. Mt 18,12s; Lc 15,4ss). A comparação proposta é tão simples e transparente, que dispensa explicações. Um pastor leva cem ovelhas ao pasto (Mt: na montanha; Lc fala de deserto). Se acontecer de uma delas desgarrar-se do rebanho, o pastor deixa no aprisco as outras noventa e nove e sai à procura da que se perdeu. Quando por fim a encontra, põe-na sobre os ombros e volta cheio de alegria ao rebanho. Alguns exegetas observam que a contraposição entre os números 99 e 1, como forma de realce, é bastante frequente na literatura rabínica. — b) A dracma perdida (cf. Lc 15,8s). Uma mulher, talvez uma pobre viúva, possuía apenas dez dracmas. Se perde uma delas, acende a lâmpada, mesmo que seja de dia, e vasculha diligentemente todos os cantos da casa até a encontrar. Quando finalmente a encontra, reúne amigas e vizinhas para lhes comunicar sua alegria. Trata-se, como é óbvio, de uma hipérbole em função do antítipo, i.e. para descrever (à maneira oriental) um sentimento de contentamento, satisfação etc.
Doutrina espiritual. — Assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento (Lc 15,7), à semelhança de uma mãe que se alegra mais com a cura de um filho doente do que com a saúde de um que já estava são. Nem por isso, contudo, ama a este menos do que àquele. — Daí não se pode inferir que os fariseus pertencessem ao número dos justos, pois Cristo fala apenas dos que eram tidos publicamente por pecadores (cf. Lc 15,1s); dos justos fala em geral, sem dizer se os que se consideravam justos (como e.g. os fariseus) o eram de fato ou não. — Além da alegria dos habitantes do céu pela conversão do pecador, Cristo expressa ainda a solicitude com que Deus busca por todos os meios reaver uma única alma perdida. — Em Mt, a conclusão da parábola é: Do mesmo modo, o Pai que está nos céus não deseja que se perca nenhum desses pequeninos (Mt 18,14), i.e. assim como um pastor não mede esforços para que não se perca uma só ovelha, assim também Deus, que tem cuidado destes pequenos, vos adverte seriamente para que não façais perecer, escandalizando-o, a nenhum deles.
Sugestões para homilia (no Vetus ordo, Dom. III post Pent.: Lc 15,1-10):
I. Jesus, Salvador dos pecadores. — Não vim chamar à conversão os justos, mas, sim, os pecadores (Lc 5,32): a) ama e deseja os que estão perdidos; b) vai-lhes ao encalço; c) tendo-os achado, põe-nos sobre os ombros e leva-os ao aprisco da Igreja; d) cheio de alegria, ordena que no céu se faça festa pela salvação deles.
II. Jesus, Salvador dos homens. — a) Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas (Is 53,6). O Filho se encarnou para salvar os que, descendentes de Adão por geração natural, nascemos em pecado, mas que ainda podemos, pela graça de Cristo, chegar à salvação eterna. — b) O divino Pastor deixa, pois, as noventa e nove ovelhas (os anjos bons, confirmados em graça) e saí à procura da ovelha perdida (todo o gênero humano) (1). — c) Busca-a com grande trabalho (por seu ministério público), coloca-a nos ombros (por sua paixão e morte) e volta, enfim, cheio de júbilo para casa (por sua ascensão). — d) A alegria é o fruto maduro da redenção.
III. A dracma espiritual. — a) Trata-se da alma que, com uma moeda, traz impressa em si mesma a imagem e semelhança de Deus. — b) Esse cunho, porém, está muitas vezes sujo e corroído pelo pecado, a ponto de ser quase irreconhecível. — c) A Igreja, simbolizada pela mulher, busca diligentemente a dracma perdida. — d) A conversão dos pecadores deve ser para todos, graças ao vínculo de caridade que nos une num só Corpo, motivo de grande alegria: Regozijai-vos comigo, achei a dracma que tinha perdido (Lc 15,9).
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