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Padre Pio, modelo de sacerdote

Por meio do Padre Pio, em cujas chagas vemos participada a Paixão de Cristo, Deus quis lembrar à Igreja, poucos antes de rebentar a maior crise de identidade do clero, em que consiste ser sacerdote: oferente e vítima, celebrante e hóstia

Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Lc 9,7-9)

Naquele tempo, o tetrarca Herodes ouviu falar de tudo o que estava acontecendo, e ficou perplexo, porque alguns diziam que João Batista tinha ressuscitado dos mortos. Outros diziam que Elias tinha aparecido; outros ainda, que um dos antigos profetas tinha ressuscitado. Então Herodes disse: “Eu mandei degolar João. Quem é esse homem, sobre quem ouço falar essas coisas?” E procurava ver Jesus.

I. Reflexão

No dia 23 de setembro de 1968, falecia aos 81 anos Francesco Forgione, mais conhecido como Pio de Pietrelcina. Quem foi esse sacerdote tão santo e polêmico? Qual é a sua mensagem para nós hoje? O Padre Pio, de origem italiana, foi um sacerdote e frade capuchinho que passou a maior parte da vida em San Giovanni Rotondo e é conhecido por ter recebido os estigmas de Nosso Senhor. Certa feita, estando ele recolhido em oração diante do crucifixo, começaram a manifestar-se em seu corpo as chagas de Cristo, dolorosas e cheias de sangue. Ele mesmo, a princípio, ficou assustado com o fenômeno, chegando a pensar que, devido à perda extraordinária de sangue, morreria de hemorragia. 

No entanto, com o passar do tempo, ele se deu conta de que as chagas representavam a missão que Deus lhe tinha confiado. O sangue finalmente secou, mas as chagas permaneceram vivas por 50 anos. Inúmeros especialistas estudaram os estigmas do Padre Pio, posto à prova de diversas maneiras. Chegaram a aplicar-lhe um cicatrizante nas feridas, a enfaixá-las e selá-las com um lacre, para que se tivesse certeza de que ninguém tocaria nelas. Passados vários dias, abriram-se as faixas, e lá estavam as feridas, vivas e com sangue fresco, sem nenhum sinal de infecção. Para quem não entende nada de medicina, o importante deste acontecimento é a integridade das chagas, que, segundo a lei ordinária do organismo, só poderiam ter dois destinos: ou melhorar e cicatrizar-se, ou piorar e necrosar. Sob aquelas condições, seria fisiologicamente impensável, quando não impossível, que as feridas continuassem no mesmo estado — com bom aspecto, sem exalar maus cheiros, com sangue vivo e não coagulado.

Ora, por que Deus escolheu esse homem para reviver em seu corpo a paixão de Cristo e, ainda por cima, num tempo em que a ciência poderia confirmar a autenticidade de seus milagres? O Padre Pio, afinal de contas, teve não só a graça de receber os estigmas, mas também a de realizar milagres prodigiosos (ressurreições, curas de câncer, de paralíticos, de cegos etc.), um número enorme dos quais está cientificamente atestado. Lembremos que o Padre Pio morreu em 1968, ou seja, numa época em que já havia raios-X, cirurgia, anestesia: numa palavra, critérios suficientes para constatar que algo é cientificamente inexplicável. É como se Deus o tivesse escolhido para dizer aos homens dos nossos tempos: “Olhai para o Padre Pio e vede se podeis continuar duvidando de minha existência ou de minha ação no mundo”. Os milagres de São Pio de Pietrelcina são como um selo de autenticidade divino.

Mas qual é a mensagem profunda que Deus nos quis transmitir por meio dele? O Padre Pio viveu pouco antes de estalar a maior crise que a Igreja Católica como um todo já viveu na história, crise causada, antes de tudo, por uma crise do clero, isto é, dos sacerdotes. Não há dúvida de que, após a morte dele — como se Deus o tivesse “segurado” aqui até 1968 —, se deu uma derrocada, uma avalanche que assolou o clero católico. Do dia para a noite, cerca de dezessete mil padres deixaram o sacerdócio, os seminários se esvaziaram e os padres que permaneceram no ministério já não sabiam mais o que eram, começaram a pôr em dúvida a identidade sacerdotal e não mais se viam como representantes de Cristo para renovar no altar o sacrifício da cruz. De fato, quantos padres, a partir da década de 1970, adotaram o falso princípio de que não haveria distinção alguma entre sacerdote e leigo, o que levou muitos a abandonar a batina e vestir-se como homens comuns, a pensar não mais à luz da fé, mas com critério seculares, para não dizer mundanos! Daí os escândalos sexuais, daí a confusão em matéria doutrinal e moral cujas consequências terríveis vivemos até hoje. Trata-se de um fato histórico que ninguém em são juízo pode pôr em dúvida.

A mensagem, porém, é clara e fácil de interpretar. Deus nos enviou o Padre Pio, que nunca teve cargos de importância na hierarquia da Igreja (ele nunca foi superior religioso, provincial, pároco ou bispo, mas um simples sacerdote que ouvia confissões e celebrava Missa); Deus nos enviou o Padre Pio, íamos dizendo, para recordar aos padres quem são eles em primeiríssimo lugar: o padre é o homem do altar, que celebra Missa; é o homem do confessionário, que absolve pecados; e ele deve sê-lo não como um funcionário, mas como vítima agradável a Deus, configurada a Cristo oferecido na cruz. Eis o padre católico: sacerdote, porque oferece no altar um sacrifício a Deus, mas também vítima, porque se oferece na vida como sacrifício ao Senhor. Não é à toa que a Igreja inteira esteja em crise, quando a identidade mesma do sacerdócio é esquecida, posta em dúvida ou até mesmo negada.

Por isso cresce sempre mais a importância de São Padre Pio de Pietrelcina: quanto mais ele se distancia de nós no tempo, mais luminosas, por contraste, são a sua presença e a sua missão aos nossos olhos hoje. Com efeito, já se passaram mais de 50 anos desde a sua morte, e no entanto o Padre Pio fala cada vez mais alto aos padres e fiéis em geral, chamados a renovar a fé na identidade profunda e essencial do sacerdote católico: ser alter Christus, um outro Cristo. Não é por acaso que o Padre Pio seja também o único sacerdote a ter recebido os estigmas de Nosso Senhor. Mas se tantos santos receberam de Deus a mesma graça ao longo dos séculos, por que foi preciso esperar até o séc. XX para para que a recebesse um padre? Justamente porque foi no séc. XX e, por consequência, no XXI que se deu a maior crise de identidade do clero. — Que o Padre Pio continue falando aos nossos corações e, do alto do céu, interceda para que nós, aqui na terra, possamos alcançar a graça de ter santos e numerosos sacerdotes segundo o Coração de Jesus Cristo, oferentes no altar e vítimas oferecidas na vida.

II. Comentário exegético

A fama de Jesus chega a Herodes (cf. Mt 14,1s; Mc 6, 14ss). — Desde que rolou no prato a cabeça do Batista, a imagem da vítima cruenta continuamente perseguia o tirano (Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, infanticida, cf. Mt 2,16), como sói acontecer, atormentando-o qual um fantasma ou suplício invisível. Era pois de esperar que, com a rápida difusão pela Galileia da fama sobre a pregação e os milagres de Cristo, o infeliz tetrarca pensasse que João voltara à vida no novo Profeta, como se a sua consciência, picada de remorsos, não pudesse deixar entre os mortos aquele a quem mandara degolar. Por isso, Herodes procurava ver Jesus, i.e. com o fim de desfazer suas dúvidas e finalmente sossegar o coração, além de satisfazer a curiosidade que a notícia de tantos prodígios tinha nele despertado (cf. Lc 23,8). Mas porque eram más as disposições com que desejava vê-lo, por isso Jesus recusou-se todas as vezes que pôde a comparecer diante dele. — Mc. e Lc. referem várias opiniões das turbas sobre a pessoa e a missão de Jesus, as quais, em Mt., são postas na boca dos Apóstolos (cf. 16,14).

(Mc 6,16) Herodes, tendo ouvido isto, disse: Este é aquele João, a quem eu mandei degolar, e que ressuscitou dos mortos, i.e. a Jesus, que realiza tantos milagres, foi transferida a alma de João e por isso, tendo ali como que ressuscitado e se tornado quase divina, realiza nele tantos e tão grandes portentos. Lc. (cf. 9,7) diz que Herodes hesitou a princípio; mais tarde, porém, devido à fama dos inúmeros milagres de Jesus, passou a crer que João tinha ressuscitado nele, como se lê também em Mc.–Mt. Assim interpretam São João Crisóstomo, Teofilacto, Eutímio, Santo Agostinho e outros; de fato, ainda era popular na época a falsa doutrina pitagórica da μετεμψυχώσισ, ou transmigração das almas de um corpo a outro. Segundo a tradição, com efeito, Pitágoras acreditava ter passado por várias existências, inclusive no corpo de personagens ilustres: “Eu mesmo (assim me lembro), no tempo da guerra de Tróia, fui Euforbo de Pântoo, em cujo peito cravou-se outrora a pesada lança do Atrida menor [i.e. de Menelau, irmão de Agamêmnon e filho de Atreu]” (Ovídio, Meta. xv 160ss). — Não admira, pois, que Herodes pensasse que João, morto por ele havia pouco, tinha ressuscitado em Cristo. Daí se vê o quão santo era João, e como era forte e popular opinião sobre a santidade dele, a ponto de Herodes acreditar que ele ressuscitara em Cristo e, portanto, que era o próprio Messias. Por isso temia que o Batista voltasse para vingar-se. “Grande coisa”, diz Crisóstomo, “é a virtude, que faz Herodes temer até um defunto”, pois, como diz Rábano Mauro, “é sentença universal que a potência dos santos há de ser maior quando ressuscitarem”. Assim também Beda, o Venerável.

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