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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
01

Para entender por que a Igreja Católica não obriga os fiéis a crer em revelações privadas, mesmo que sejam célebres e bem atestadas, como as de Lourdes ou de Fátima, é importante saber que a se diz em três sentidos principais [1]:

1) De um lado, há o que se chama fé humana, que, em linhas gerais, é a que prestamos a uma verdade cuja evidência não vemos por nós mesmos, mas aceitamos pelo testemunho ou pela autoridade de outra pessoa. É por fé humana, por exemplo, que sabemos da existência de Roma, embora nunca tenhamos posto os pés na Itália, ou que um aluno dá por verdadeiro um teorema que ainda não é capaz de demonstrar. No primeiro caso, é a convergência de testemunhos (fotos, mapas, documentários etc.) que torna razoável crer que Roma existe; no segundo, é a autoridade do professor que dá ao aluno segurança para aceitar, antes de poder demonstrá-las, as estranhas fórmulas que vê na lousa.

2) De outro lado, há o que se chama fé católica, que se deve às verdades reveladas por Deus aos homens por meio de Cristo e dos Apóstolos, ou seja, da Igreja. A fé católica se assemelha em parte à fé humana quanto ao seu motivo, que neste caso é uma autoridade, não a de qualquer um, mas de Deus. Cremos em algo porque Ele o disse. A diferença é que, se a autoridade humana pode falhar (isto é, equivocar-se no que diz ou ter a intenção de enganar), a de Deus não. Por isso a nossa fé é certíssima. Afinal, Deus não se engana nem engana ninguém. No entanto, para aceitarmos com fé católica uma determinada verdade, é necessário que ela

  • se funde numa revelação pública ou universal, feita a toda a Igreja… 
  • reconhecida infalivelmente como tal pela Igreja e proposta pelo Magistério, solene ou ordinário, para ser crida por todos os cristãos…
  • … e na qual todos os cristãos estamos obrigados a crer para sermos salvos.

3) Por último, há o que se chama fé meramente divina, que se deve a uma revelação privada ou pessoal, na qual está obrigado a crer apenas aquele a quem é ela certamente dirigida, mesmo que a Igreja prudencialmente a reconheça como autêntica. A fé meramente divina se assemelha à católica também quanto ao motivo, que é a mesma autoridade divina. De fato, quem recebe uma revelação privada deve crer nela, se tem certeza de que é Deus quem lhe fala. A diferença é que, enquanto a fé católica se refere ao que Deus revelou aos fundadores da Igreja para toda a Igreja, a meramente divina se refere ao que Ele quis revelar a esta pessoa particular, ainda que em proveito de toda a Igreja numa época determinada.

Daí se vê que ninguém pode ser obrigado a crer com fé católica na verdade de revelações privadas, quaisquer que sejam elas, uma vez que não fazem nem nunca farão parte do depósito sagrado que Deus revelou de uma vez para sempre à Igreja Católica, depósito ao qual, depois da morte do último Apóstolo, jamais se acrescentará um só iota.

Tampouco estão obrigados obrigados a prestar assentimento de fé divina a revelações privadas os fiéis a quem elas não foram imediata e certamente dirigidas, embora convenha prestar-lhes assentimento de fé humana, na medida em que a autoridade da Igreja julga prudente reconhecê-las como autênticas, isto é, livres de todo indício razoável de fraude, engano, manipulação e de quaisquer elementos que contradigam o conteúdo da revelação pública.

Assim, não peca contra a fé quem não crê nas revelações de Fátima ou em outras aparições marianas particulares, embora nisto possa haver certa indocilidade temerária ao Magistério eclesiástico, quando ele mesmo reconhece a autenticidade de tais manifestações e as propõe aos fiéis, especialmente pela Liturgia, como dignas de fé e conformes à doutrina cristã.

Diz a esse respeito um autor antigo:

Quando revelações privadas são aprovadas pela Igreja, não são aprovadas para serem cridas indubitavelmente, mas como prováveis. […] Deve-se dizer […] que, quando estas revelações são aprovadas pela Igreja, não são aprovadas para que lhes prestemos assentimento com certeza de fé, mas para que as acolhamos como prováveis. […] não para que sejam aceitas como de fé, mas porque nelas não se contém nada contrário à fé ou aos bons costumes. De resto, quanto a fatos particulares, são propostas como prováveis, porque promovem a piedade dos fiéis e não contêm nenhum absurdo. Dizer, porém, depois da aprovação da Igreja, que elas contêm falsidades é grande temeridade e presunção [2].

Quanto a supostas revelações que ainda não foram examinadas pela autoridade da Igreja e sobre as quais, portanto, não existe nenhum juízo, quer negativo ou positivo, sirvam de regra os seguintes princípios:

Sejam rejeitadas totalmente, junto com seu autor, as revelações nas quais se acha uma única pregação falsa. Isto se depreende de Deut. 18, onde se diz: “O profeta que, corrompido pela arrogância, quiser dizer em meu nome o que eu lhe não mandei dizer, ou falar em nome dos deuses estranhos, será morto. Se tu disseres no teu coração: ‘Como posso eu conhecer a palavra que o Senhor não disse?’ Terás este sinal: Se o que aquele profeta predisse em nome do Senhor, não sucedeu, o Senhor não disse; o profeta, por presunção do seu ânimo, o inventou; por isso, não o temerás” (20ss). Destas palavras se depreende que se pode inferir facilmente, de uma só parte falsa da pregação ou da revelação, que o profeta é um impostor, o qual ou mereceu, por sua arrogância, ser iludido pelo demônio ou quis impiamente iludir a outros. Ora, se cai a autoridade da pessoa, cai com isso a fé em suas palavras.
As revelações que, em suas doutrinas ou promessas, dispõem os pecadores a postergar a penitência não vêm de Deus. Esta característica dos pseudoprofetas é descrita em Jeremias, c. 23, com essas palavras: “Aos profetas de Jerusalém vi coisas horríveis: o adultério, a mentira; fortificaram as mãos dos malvados, para que nenhum se convertesse da sua maldade. Tornaram-se todos para mim como Sodoma, e os moradores de Jerusalém como Gomorra. Portanto isto diz o Senhor dos exércitos acerca dos profetas: ‘[…] Não queirais ouvir as palavras dos profetas, que vos profetizam: enganam-vos, contam as visões do seu coração, e não (o que sai) da boca do Senhor. Dizem àqueles que me desprezam: O Senhor disse: Vós tereis a paz. E a todos aqueles que seguem a perversidade do seu coração dizem: Não virá sobre vós mal algum’” (14-17). A estas falsas profecias pertencem aquelas revelações que prometem aos pecadores, pela prática de certas devoçõezinhas, a conversão na hora da morte, ou ensinam outros caminhos para o céu desprezando o caminho estreito [3].

Referências

  1. Cf. Pe. Santiago Ramírez, OP, De fide divina. Salamanca: San Esteban, 1994, p. 74s, n. 78.
  2. Pe. Eusébio Amort, De revelationibus, visionibus et apparitionibus privatis regulæ tutæ, Augsburgo, Martim Veith (ed.), 1754, p. 33 (grifos nossos).
  3. Id., p. 4s (grifos nossos).

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