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Quem não tem fé, não ama!

É opinião comum que não importa no que as pessoas creem: o importante é o amor. Mas na “engenharia da santidade” as coisas não são bem assim. Neste mundo, a fé pode existir numa alma que esteja em pecado mortal. Mas jamais poderá haver uma só migalha de caridade numa alma que não tenha fé.

Texto do episódio
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Nesta aula, iremos falar sobre fé e amor, defendendo uma tese aparentemente controversa: “Quem não tem fé, não ama!” Para compreender isso, precisamos especificar, em primeiro lugar, a que tipo de amor estamos nos referindo. Não estamos falando de um amor natural ou meramente humano, mas da caridade divina, um amor para com Deus que se manifesta como amor aos irmãos.

Esse amor divino não está em oposição ao amor humano, mas o pressupõe como seu fundamento. No entanto, tal amor divino é infinitamente superior ao humano, pois é o próprio amor com que Deus ama a si mesmo, e consiste no meio pelo qual participamos da vida divina. Por meio do seu amor, Deus nos chama a participar de uma felicidade sobrenatural, e a amar com um amor muito superior àquele de que somos capazes; porém, não receberemos esse amor se não tivermos fé, pois ela é o fundamento sobre o qual se alicerça o amor divino.

Nesse sentido, a fé é um dom extraordinário que nos transforma interiormente e nos prepara para receber e participar do amor de Deus. O prólogo do Evangelho de São João (1, 12-13) explica claramente essa realidade: “A todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus”.

De forma mais ilustrativa, embora um pouco limitada, podemos comparar essa realidade espiritual com aquilo que ocorre nos desenhos animados, principalmente na representação dos animais, que muitas vezes agem como seres humanos. Por conta da vontade do desenhista, esses animais se portam de uma forma superior à sua natureza, ou seja, de um modo “sobrenatural”. Guardadas as devidas proporções, assim também ocorre com o ser humano quando passa, pela graça, a amar de um modo que ele não seria capaz pela própria natureza, isto é, quando desenvolve um amor divino, sobrenatural.

Todos somos chamados a amar com esse amor que só vemos em Jesus, na Virgem Maria e nos santos. De acordo com o evangelista São João, isso ocorre com “aqueles que receberam” Cristo, ou seja, creram nele, e com isso se tornaram filhos de Deus. Obviamente, não basta apenas crer. Porém, o que estamos tentando demonstrar é que também não basta apenas “amar”, como alguns afirmam.

Por exemplo, uma pessoa recém-convertida, que é batizada e, assim, está em estado de graça, possui em seu coração a fé, a esperança e a caridade, derramados por Jesus sob ação do Espírito Santo. Mas, caso cometa algum pecado mortal, ela expulsa de seu coração o amor divino, embora ainda possua a fé. Assim, é possível que haja fé no coração de alguém, mesmo não havendo amor [1]. Já uma pessoa que não crê em Jesus pode até desenvolver um amor meramente humano, mas de modo algum será capaz de um amor sobrenatural, pois este é infundido por Deus na alma daquele que crê.

Uma pessoa que não é cristã deve pedir a Deus que lhe dê fé. Esta oração, realizada de forma humilde e insistente, é infalível, pois quando pedimos aquilo que é indispensável para a nossa salvação, como a fé, Deus sempre no-la concede. Essa fé, por sua vez, não é uma ideia subjetiva nem mera confiança, mas consiste em crer que Jesus é Deus que se fez carne e veio nos amar. Ou seja, é crer no amor de Deus manifesto e encarnado em Jesus Cristo. Esse ato de crer em Cristo gera em nós uma sublime união com Ele.

Nesse processo interior, a verdade de fé acerca do amor de Deus por nós ilumina nossa inteligência e convida nossa vontade a amá-lo de volta, a retribuir o amor divino. Mais do que um sentimento, portanto, essa ação sobrenatural transforma nossa percepção da realidade, de modo que passamos a experimentar a força de Deus, como diz São Paulo: “Não me envergonho do Evangelho, pois ele é uma força vinda de Deus para a salvação de todo o que crê” (Rm 1, 16). E essa força da fé vai nos tornando mais robustos espiritualmente, permitindo que enfrentemos as agruras da vida com uma fortaleza que antes não possuíamos.

Vemos assim que, ao início da caminhada, muitas vezes nos aproximamos de Deus de forma interesseira, buscando apenas sua ajuda imediata em determinado problema. Agimos como São Pedro que, ainda sem fé e afundando-se nas águas, pede socorro a Jesus clamando “Senhor, salvai-me”. No entanto, depois de crescer na virtude durante anos de caminhada, São Pedro soube oferecer-se a Cristo, no momento de seu próprio martírio, dizendo: “Senhor, eu me entrego por Vós”. Pedro demonstrou, assim, um amor do qual ele humanamente não era capaz; e ele só o fez porque primeiro cresceu na fé.

É importante entendermos essa engenharia, para vermos o quanto o mundo moderno atua intensamente contra ela. Tal processo começou com René Descartes, a partir da chamada “dúvida metódica”, que consiste em duvidar de absolutamente tudo, inclusive da própria existência, para assim supostamente se alcançar a verdade. Porém, o problema é que, há quatro séculos, o homem vem constantemente renunciando à verdade em vez de aderir a ela, de modo que hoje reina o total relativismo [2].

O problema disso, em síntese, é que, se a pessoa possui a convicção arraigada de que o ser humano é incapaz de alcançar a verdade — seja pela luz natural da razão (filosofia), seja pela luz natural da fé (religião) —, consequentemente ela será incapaz de ter fé, de iniciar um processo de busca pela santidade e de tornar-se filho de Deus, amando como Ele ama.

Tudo começa no acesso que o homem tem à verdade. Assim, ao convencer toda a civilização moderna de que é impossível conhecer uma verdade sólida e absoluta — e a verdade que ilumina todo homem é a de que Deus nos ama —, as pessoas nunca pedirão fé para conhecer tal verdade. E se não houver fé, não haverá transformação interior nem brotará um amor sobrenatural. Em suma, se o homem não é capaz de alcançar a verdade, ele não é capaz de amar. Negando a verdade, o mundo moderno põe abaixo todo esse edifício espiritual do qual falamos, destruindo-o na base. É isso que ocorre quando o relativismo é aplicado a todos os campos da vida humana, inclusive ao teológico e sobrenatural.

Não há, pois, verdadeiro amor se não houver um fundamento sobre a verdade (caritas in veritate). Na nossa vida diária, percebemos que só somos capazes de enxergar a verdade sobrenatural do amor de Deus através do dom extraordinário e fantástico que é a fé. Dentro da Igreja, porém, estamos cada vez mais contaminados por uma falsa engenharia baseada na ideia de que não importa no que acreditemos, o que importa é amar. No entanto, o “amor” a que essas pessoas se referem, na verdade, é apenas um sentimento, uma ilusão, e não o verdadeiro amor enquanto caridade divina derramada em nossos corações. Diante de tais distorções, precisamos ter claro que o verdadeiro amor divino só existe se estiver alicerçado na verdade; e o acesso às verdades sobrenaturais realiza-se por meio da fé.

Notas

  1. Exceto se o pecado cometido for contra a fé.
  2. Como, por exemplo, o filósofo da ciência Karl Popper, cujo “princípio da falsificabilidade” afirma explicitamente que não existe verdade, mas apenas teorias provisórias que, mais cedo ou mais tarde, serão superadas por outras.
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