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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 8,1-3)

Naquele tempo, Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Os doze iam com ele; e também algumas mulheres que haviam sido curadas de maus espíritos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana, e várias outras mulheres que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam.

I. Reflexão

Celebramos com alegria a memória de São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja. Trata-se de um grande santo, mas um pouco esquecido, não só pela devoção popular como pelos próprios teólogos, que já não leem e estudam mais suas obras. Quem foi ele? São Roberto Belarmino, SJ, morreu em 1621 aos 78 anos. Viveu, portanto, na primeira fase da história da Companhia de Jesus. Era de família nobre, mas já um pouco empobrecida. Embora não tivesse muitos recursos, recebeu boa educação. Os pais queriam torná-lo padre diocesano; ele, no entanto, manifestou desde cedo o desejo de entrar na Companhia de Jesus, e assim fez. Por seu grande talento intelectual, foi enviado pelos jesuítas para estudar na Universidade de Louvain, uma das maiores universidades da época. Foi ali que aprendeu a sacra teologia e teve contato com os argumentos das grandes heresias de seu tempo. Lembremos: estamos no séc. XVI, auge da “reforma” protestante. Ele soube, mais do que ninguém, combater as heresias de Lutero e de Calvino e tantas outras nuances dos pseudo-reformadores.

Ordenado padre, tornou-se professor em Louvain e escreveu uma famosa obra de disputas e controvérsias da fé cristã contra os hereges da época (Disputationes de controversiis). As controvérsias de São Roberto Belarmino são uma obra apologética extraordinária. Ao contrário do que faziam muitos autores, São Roberto Belarmino não defendeu a fé católica contra as argumentações protestantes recorrendo à Bíblia ou a definições de Concílios etc. Sim, ele também se serviu da Bíblia e da autoridade dos Concílios; mas sua principal base argumentativa era a racionalidade. Eis por que se trata de um santo tão esquecido. São duas, na verdade, as principais razões. Antes de tudo, porque as pessoas têm preguiça de estudar um pensador tão profundo e racional, que se detém em analisar cada pequeno detalhe das controvérsias protestantes, desmontando-as com tal talento, com tal sabedoria, que sua obra é estonteante para os que não têm o mesmo nível intelectual. Em segundo lugar, temos o fato de sua obra ter sido escrita em latim, língua culta da época, na qual eram escritas todas as obras teológicas, inclusive as de Lutero e Calvino. Com a paulatina derrocada do latim como língua da alta cultura, as obras de São Roberto Belarmino tornaram-se praticamente inacessíveis por falta de quem domine o idioma.

Todos esses trabalhos, ele empreendeu enquanto ainda era simples sacerdote e professor universitário. Por ser jesuíta, foi enviado à França em missão, mas também prestou assistência a papas, participou da revisão da Bíblia em latim, a Vulgata, da publicação da Vulgata Clementina, edição oficial das Escrituras após o Concílio de Trento. Era de se esperar, por conta de todo o seu talento, que ele logo ascendesse na Hierarquia; de fato, foi nomeado cardeal e mais tarde eleito bispo de Cápua, vindo a ser sagrado pelo próprio romano Pontífice. em sua diocese, realizou um trabalho extraordinário, popular, pastoral, voltado para o verdadeiro bem do povo. Mas como não se pode esconder um candelabro sob a mesa, logo o chamaram de volta para Roma, onde realizou, como membro do Santo Ofício, uma obra de grande caridade para com a Igreja: reconduzir os desviados pela heresia ao único rebanho de Cristo.

São Roberto Belarmino foi também inquisidor-mor, isto é, prefeito do Santo Ofício. Ora, qual era a atitude dele diante dos hereges? Tomemos como exemplo o frade dominicano Giordano Bruno. Quase todo o mundo já ouviu falar dele como um “mártir” do livre-pensamento, mas nunca se fala do empenho caridoso de São Roberto Belarmino, verdadeiramente comovedor, para o salvar da condenação. Ninguém ignorava que um réu de heresia, se fosse condenado, seria entregue ao braço secular e queimado vivo na fogueira. Que fez São Roberto Belarmino? Teve com ele inúmeros diálogos, a fim de repassar uma por uma todas as teses de que era acusado, dando-lhe assim a oportunidade de retratar-se. De todas, restaram apenas duas teses em que o réu fazia finca-pé, sem ceder um único passo. Qual foi o parecer de Belarmino para a comissão inquisitorial? Que, apesar de tanta obstinação, convinha dar-lhe ainda algum tempo, pois era possível que ele não compreendesse bem a doutrina católica naqueles pontos ou estivesse apenas se expressando mal. Eis a caridade de São Roberto. Alguns livros de história, infelizmente, o retratam com tintas negras (e falsas), como como o típico “inquisidor sanguinário”, louco por exterminar meio mundo, enquanto a verdade é justamente o contrário disto.

Vemos neste grande santo um homem cheio de fé, que não cedeu nem para a direita nem para esquerda, nem para um lado nem para o outro em matéria de doutrina e em questões de ortodoxia, sem ferir jamais a caridade fraterna. Homem intransigente nos princípios, soube aliar à defesa firme da verdadeira fé o espírito de um pai e pastor, disposto a fazer todo o possível para salvar o rebanho e, desta forma, poder repetir aquelas palavras de Nosso Senhor: Não perdi nenhum daqueles que me foram confiados. — Que São Roberto Belarmino interceda por nós e nos alcance essas duas formas tão irmãs de caridade: antes de tudo, caridade para com Deus, cuja verdade não devemos negar ou negociar por motivo algum, sem vacilações; mas também caridade para com o próximo, a quem só amaremos de verdade se buscarmos sua conversão e salvação.

II. Comentário exegético

As piedosas discípulas de Cristo. — Com mais frequência que até então, Jesus passa de agora em diante a exercer publicamente o seu ministério; não se demora tanto em Cafarnaum, mas anda por cidades e povoados (em gr. no singular: κατὰ πόλιν καὶ κώμην), pregando e anunciando o reino de Deus. Os doze o seguiam, mas também algumas mulheres que haviam sido curadas respectivamente de maus espíritos e doenças, i.e. algumas que foram libertas de espíritos malignos e outras, de enfermidades corporais, as quais se lhe consagraram como seguidoras e discípulas (é o sentido que tem o verbo συνακολουθοῦσαι usado por Lc. para referir-se a elas mais tarde, cf. 23,49), e isso por três razões: 1) em sinal de gratidão por terem sido curadas; 2) por segurança, ou seja, porque temiam ser novamente atormentadas por demônios e doenças, caso ficassem longe de Cristo; 3) e por piedade, i.e. para crescer em santidade graças à proximidade e à pregação dele (cf. Cornélio a Lapide, in Lucam 8,2).

De acordo com São Jerônimo, “foi comum entre os judeus nem se via com maus olhos que, segundo um antigo costume pagão, algumas mulheres, com seus próprios recursos, ministrassem comida e roupa aos preceptores” (in Matth. 27, 6), i.e. aos rabinos ou mestres espirituais. Também Cristo se acomodou a esse costume, a fim de entregar-se à pregação evangélica com maior liberdade e não ser oneroso àqueles a quem evangelizava.

Entre essas piedosas mulheres, as mais destacadas eram: a) Maria, chamada Madalena (cf. Mc 16,9; 24,10), não por alguma razão mística (cf. Orígenes, MG 13,1795), mas em alusão à cidade de Magdala, na Galiléia, não muito longe de Tiberíades (cf. Talm. ier. Maaseroth iii 20), hoje el-Medjdel, ou talvez à Tariqueia dos gregos, às margens austro-ocidentais do lago de Genesaré; da qual tinham saído sete (em sentido estrito, ou como índice de grande quantidade) demônios, o que há de entender-se como possessão demoníaca, e de extraordinária violência, embora alguns pensem tratar-se dos vícios que a oprimiam [1]. — b) Joana, mulher de Cuza, alto funcionário (gr. πιτρόπου, i.e. prepósito da casa, ou ecônomo) de Herodes Antipas. — c) E Susana, e várias outras mulheres que lhe (em gr. no plural: αὐτοῖς, lhes) ministravam, i.e. ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam [2]; o divino Redentor, com efeito, queria ensinar aos homens a pobreza evangélica não só por palavras, mas sobretudo com o próprio exemplo: Sendo rico, fez-se pobre por vós (2Cor 8,9).

N.B. — Que a bem-aventurada Virgem Maria estivesse por essa época na comitiva dos seguidores de Cristo, os sinóticos nem o afirmam nem o negam e, entre as mulheres que permaneceram de pé junto à cruz, tampouco a mencionam, embora se saiba, pelo que diz Jo., que ela assistiu à morte de seu Filho. Seja como for, é ao menos verossímil que a Virgem Santíssima, amante da solidão e da oração, tenha permanecido em casa, em Nazaré, cooperando com a obra da redenção por meio de suas preces e o exemplo de suas virtudes.

Comentário espiritual. — “Pois à Madalena chama a eloqüência de Crisólogo ‘bájula do nome de Maria’: Materni nominis bajula? Sim. Porque, chamando-se Maria, trazia sobre si o peso imenso do nome da Mãe de Deus e das obrigações e encargos do mesmo nome. Quem se chama Maria há de imitar as virtudes e pureza da primeira e única Maria. Na mesma Madalena o temos. Quando a mesma Madalena veio aos pés de Cristo, diz o evangelista São Lucas que era uma mulher pecadora: Et ecce mulier, quæ erat in civitate peccatrix (7,37); e pouco depois, fazendo menção das mulheres que se­guiam e serviam a Cristo e seus discípulos pelas cidades e lugares onde pregavam o Evangelho, diz que uma delas era Maria Madalena: Maria, quæ vocatur Mag­dalene (8,2). Pois se agora lhe chama o mesmo evangelista ‘Maria’, por que dantes lhe não chamou ‘Maria’? Excelentemente o venerável Beda: Maria Magda­lene ipsa est cujus tacito nomine proxima lectio poenitentiam nominat, nam pul­chre Evangelista, ubi eam cum Domino iter facere commemorat, proprio hanc vocabulo manifestat. Esta Maria Madalena de que fala o evangelista em um e outro lugar não eram duas, como alguns falsamente cuidaram, senão a mesma. Mas o evangelista, com grande propriedade e advertência, agora chamou-lhe ma­nifestamente ‘Maria’ e dantes calou-lhe o nome, porque dantes disse ‘que era peca­dora’ e agora diz que seguia a Cristo. Se as que se chamam Marias seguem a Cristo, são Marias; mas se são pecadoras, e o não seguem, não são Marias, porque são indignas de tão santo e tão soberano nome. O mesmo São Pedro Crisólogo em mais breve e aguda sentença. Diz o evangelista São Mateus que veio ao sepulcro de Cristo Maria Madalena e outra Maria: Venit Maria Magdalene, et altera Maria (28,1). Esta Maria Madalena e outra Maria eram duas ou uma? Uma, responde o santo, mas já muito outra do que tinha sido: Venit mulier, et rediit Maria, veio mulher e tornou Maria. Eis aqui como as que se chamam Marias devem tornar deste sermão. Se vieram mulheres, tornem Marias” (Pe. Antônio Vieira, Sermão do Santíssimo Nome de Maria, de 1683, §11).

Referências

  1. Cf. e.g. São Gregório, hom. 33. Essa leitura é possível, embora o sentido exposto seja mais místico que literal. Com efeito, só de espíritos malignos se pode dizer com propriedade que saem ou são expulsos de alguém, e não de vícios, i.e. disposições habituais. Pode-se admitir a interpretação mística deste v., na medida em que por sete demônios se entenda não tanto o sujeito (o demônio), quanto uma das causas da possessão (os vícios): “Parece pois que Madalena, por causa de seus pecados, foi possuída por sete demônios e, entre outros endemoniados, liberta deles por Cristo; fez penitência de seus pecados e, uma vez impetrado o perdão, aderiu a ele inseparavelmente, possessa não mais pelo demônio, mas por Deus, convertida assim em templo do Espírito Santo” (Cornélio a Lapide, op. cit., loc. cit.).
  2. “Donde se vê”, escreve Caetano, “que [estas mulheres] não eram pobres; ora, se às vezes entre as discípulas havia algumas pobres (como Salomé, mãe dos filhos de Zebedeu), as quais o seguiam não para lhe ministrar com os seus bens, mas somente para ouvir a palavra de Deus, estas viviam, como é verossímil, dos bens das mais abastadas” (in Lucam 8,3).

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