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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 1,47-51)

Naquele tempo, Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”. Jesus disse: “Tu crês porque te disse: ‘Eu te vi debaixo da figueira?’ Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.

I. Reflexão

Com grande alegria celebramos hoje a festa dos santos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Desses três, aquele de que a gente mais se recorda é São Miguel, e a razão disso é histórica. A gente só celebra os três arcanjos juntos por causa da reforma do Calendário Romano introduzida pelo Papa Paulo VI. Anteriormente, havia uma data para cada um deles. Uniram os três numa celebração só; mas originalmente a data de hoje era exclusiva de São Miguel. É por isso que ele se sobressai entre os outros dois neste dia.

Todo o mundo deve saber que essa festa costuma ser precedida por uma quaresma devocional, a chamada Quaresma de São Miguel. São quarenta dias de oração para pedir a Deus que nos liberte do mal porque, afinal de contas, as Sagradas Escrituras (cf. Ap 12, passim) nos apontam São Miguel Arcanjo como o príncipe da milícia celeste, aquele que guia os anjos no combate contra os demônios. Isso pode soar estranho para algumas pessoas. Por quê? Porque, infelizmente, de uns tempos para cá, introduziu-se na mentalidade de muitos que se acham católicos “modernos” certo ceticismo com relação à existência de anjos e demônios. Para eles, essa doutrina não seria propriamente cristã, mas uma “crendice medieval”, por isso concluem que nós, católicos modernos, mais sábios e inteligentes que os fiéis do passado, não devemos cair na esparrela de acreditar em anjos e demônios… 

Se você pensa assim, fica aqui o conselho: mude de opinião, volte atrás e abrace a fé da Igreja. Por quê? Porque a Igreja crê — e crê infalivelmente, como dogma de fé — na existência de anjos e demônios. Além disso, se você ainda não se deu conta da luta espiritual travada pelos demônios para nos afastar de Deus e levar para o inferno, então você terá bastante dificuldade de compreender o Evangelho. Por quê? Porque Jesus a todo momento nos revela essa luta por meio de exorcismos, de ensinamentos, de parábolas etc.

É uma verdade tão inquestionável, clara e transparente, que nos deixa boquiabertos e perplexos que pessoas que se dizem católicas abram um parêntese mental para crer no que crê a Igreja, menos em anjos e demônios. Graças a Deus, esse número vem diminuindo. Quando eu era adolescente, falar da existência de anjos era mal visto, como se fosse algo próprio de uma criatura saída de um túnel do tempo vindo diretamente da Idade Média. Naquela época, quase ninguém acreditava em anjos e demônios. Uma vez, sendo ainda padre jovem, fiz na catedral de Cuiabá uma pregação sobre demônios. Terminada a celebração, algumas pessoas vieram à sacristia dizer-me que eu me excedera um pouco nas palavras porque alguns tinham ficado “impressionados”. Graças a Deus, esses tempos passaram, e hoje é muito mais fácil encontrar na Igreja quem creia na doutrina católica e na realidade da luta espiritual, mais atual do que nunca. 

 Afinal, você acha sinceramente que à maldade humana se pode atribuir a responsabilidade por toda a maldade dos últimos tempos? Sim, há no mundo pessoas más; mas há maldades que superam a criatividade e o poder de qualquer pessoa. Para entender a fundo o que está acontecendo, é preciso olhar para o centro de onde vem todo pecado, o “quartel general” do inferno. É inegável que existem forças que querem a todo custo destruir a Igreja Católica, entre as quais não faltam forças humanas, as quais — queremos crer — nem se dão conta das proporções da guerra em que se envolveram. Se soubessem de fato o que está em jogo, elas mesmas, que agora estão do lado do inferno, se encheriam de medo e, vendo a malícia demoníaca à qual se associaram, quereriam voltar atrás. O cristão deve rezar por essas pobres almas, não só por caridade, mas pela consciência de que os verdadeiros inimigos da Igreja não são os homens e suas instituições, mas os espíritos malignos espalhados pelos ares, dos quais vêm, por sugestão e tentação, as heresias, as infidelidades, os cismas e os outros pecados.

O próprio magistério eclesiástico referendou essa realidade quando o Papa Leão XIII, em 1886, introduziu no fim da Missa a oração de São Miguel Arcanjo: “São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede o nosso refúgio contra as maldades e as ciladas do demônio” etc. Qual foi a origem dessa oração? Documentos históricos indicam que Leão XIII teve uma visão: demônios sobrevoavam a cidade de Roma, sequiosos por tomar conta da Igreja. Vendo a urgência da batalha e a fúria dos espírito malignos, que ruíam com um ímpeto maior contra a Igreja, o Papa deu ordem para que no final da Missa os sacerdotes, de joelhos ao pé do altar, recitassem a oração de São Miguel Arcanjo, pedindo a Deus auxílio no combate contra as maldades e as ciladas do demônio: “Ordene-lhe Deus, instantemente o pedimos, e vós, príncipe da milícia celeste, pela virtude divina, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas”. 

Celebrar essa festa é dar graças a Deus pela ajuda dos santos anjos sob o comando de São Miguel, auxílio no combate contra as ciladas dos demônios, cada vez mais ardilosas e manifestas. Tenhamos os olhos fixos em Deus, sem nunca esquecer que não é contra a carne e o sangue que lutamos, mas contra as forças do inferno. Quanto aos homens que se opõem à Igreja, é nosso dever rezar pela conversão deles, aprisionados por Satanás no erro e no pecado. Temos nessa luta um grande auxílio celeste. Não, não estamos sozinhos! Peçamos à Virgem Maria e a São José, Terror dos demônios, que enviem os santos anjos, alinhados, sob o comando de São Miguel, em formação de batalha, a fim de nos proteger hoje e sempre. 

II. Comentário exegético

Filipe e Natanael (cf. Jo 1,43-51). — V. 43s. No dia seguinte àquele em que André trouxera-lhe o irmão, quis Jesus ir deliberadamente à Galileia. Logo ao partir ou já a meio caminho, segundo a maioria dos intérpretes, ou só depois de ter lá chegado, segundo outros, encontrou Filipe, que era de Betsaida, e disse-lhe: Segue-me, não só como companheiro de viagem, mas como discípulo (cf. Mt 8,22). — V. 45s. Assim como André comunicou-o ao irmão, também Filipe comunica ao amigo o tesouro que encontrara. Mas Natanael [1], ainda não iluminado pela graça, objeta-lhe: De Nazaré, lugarejo pequeno e insignificante, nunca mencionado nos livros do AT, pode porventura sair coisa que seja boa?

As palavras soam como um provérbio, o qual, embora não atestado em qualquer lugar, se entende perfeitamente, já que era persuasão comum entre os judeus que o Messias viria de um lugar nobre (cf. Mt 2,5s), e Natanael, sendo de Caná da Galileia (cf. Jo 21,2), expressaria sentimentos de rivalidade com Nazaré, cidade vizinha. É também provável que os nazarenos tivessem má fama entre os galileus; o Evangelho, com efeito, mostra-os como um povo duro, incrédulo e ingrato (cf. Mt 13,57s; Mc 6,6; Lc 4,29). Por isso, há quem atribua às palavras de Natanael um tom não de sarcasmo e desprezo, mas de sinceridade e franqueza, expressão do sentir comum dos galileus, o que parece ser confirmado pelo elogio do v. seguinte. 

— Filipe não prossegue com a discussão, mas responde simplesmente: Vem e vê, i.e. aproveita-se da dúvida para propor um desafio: “Vem e vê com teus próprios olhos se te disse a verdade ou não”, por estar convencido de que, se o amigo visse e ouvisse Jesus, prontamente o seguiria.

V. 47. Natanael, sem nenhuma obstinação ou apego às próprias ideias, prefere confrontá-las com a realidade para ver se eram verdadeiras; um belo exemplo de boa fé. Eis por que Jesus, vendo-o aproximar-se, lhe faz um elogio: Eis um verdadeiro israelita, i.e. verdadeiramente digno de tal nome, em quem não há dolo, i.e. um homem reto e simples, que exprime em sua própria vida o que significa o nome israelita: imitador de Jacó (Israel), modelo de probidade, simplicidade e, acima de tudo, sinceridade no culto a Deus. — V. 48. Natanael disse-lhe: Donde me conheces tu? São palavras de quem se admira ao ver-se conhecido por alguém com quem nunca teve contato. Jesus, no entanto, mostra que o conhece não só a ele, mas também a seus pensamentos e atos mais secretos: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira.

N.B. — É difícil, senão impossível e até ocioso conjecturar o que estaria fazendo ele. É certo, em todo o caso, que deve tratar-se de algo que só Deus ou alguém divinamente instruído poderia saber; do contrário, Natanael não o tomaria como sinal suficiente para confessar que Jesus é o Messias (cf. Santo Tomás de Aquino, super Ioann. i 16 325). O modo de Cristo falar é análogo ao que também nós adotamos quando, para significar a uma pessoa que sabemos o que ela fez em segredo, indicamos apenas o lugar, insinuando por ele, ao mesmo tempo, o que ali foi feito. A resposta do Senhor, portanto, equivale a: “Se queres saber de onde te conheço, saibas que eu, embora fisicamente ausente, te vi debaixo da figueira, e a Filipe quando foi te chamar”.

V. 49. Maravilhado com esta essa manifestação de ciência sobrenatural, Rabi, exclamou ele, tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel (gr. ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ, σὺ βασιλεὺς εἶ τοῦ Ἰσραήλ). Ora, como só mais tarde Pedro será louvado por reconhecer a divindade de Cristo (cf. Mt 16,18), não é verossímil que Natanael a tenha reconhecido desde o início. Sinal disso são, por um lado, o fato de Jesus não o elogiar e, por outro, o uso do aposto (explicativo) rei de Israel, de maneira que a expressão o filho de Deus designa aqui simplesmente o Messias [2]. Afinal, a própria Escritura chama a Cristo filho de Deus e rei de Israel. Além disso, dado que tanto o povo eleito quanto — e sobretudo — os reis teocráticos eram chamados filho de Deus (cf. e.g. Ex 4,22; Is 1,2; Jr 3,19; 31,20; 2Sm 7,14 etc.), é evidente que o rei Messias haveria de ser designado da mesma forma, e de modo singular e excelentíssimo, assim como haveria de ser rei de Israel de modo mais sublime e perfeito que todos os outros [3].

V. 50s. Jesus, a fim de confirmar a fé incipiente do discípulo, promete-lhe ver portentos maiores: Vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo (como na escada de Jacó, cf. Gn 28,10ss) sobre o Filho de homem [4]. Com essas palavras, Jesus delineia e resume para os discípulos, em termos um pouco figurados, o que será a sua vida pública. O que nunca fora dado a um homem algum, subir até Deus (cf. Jo 1,18), isso mesmo será dado a ele. Na verdade, tão patente será em sua vida a manifestação da claridade celeste, que com razão se poderá dizer que os anjos, como ministros perpétuos, subindo e descendo constantemente de um a outro extremo, apresentarão a Deus os desejos de Jesus, e trarão do Pai para Jesus os seus segredos e revelações, a sua glória e o poder de realizar milagres. Ao mesmo tempo, revela-se a peculiar natureza de Cristo: será homem na terra como os outros, mas unido a Deus com íntima familiaridade. Desta singular união serão testemunhas os próprios discípulos. O que Jacó vira em sonhos, verão eles despertos e à plena luz.

N.B. — Essa é a interpretação mais provável dos vv. 50-51 segundo boa parte dos autores modernos, embora no passado alguns os tenham referido ao juízo final, enquanto outros viram neles uma alusão ao papel dos anjos na vida de Cristo (aparição na ressurreição, na ascensão, na agonia etc.) ou os interpretaram em sentido místico (como se fora dito: “Vereis o céu aberto para de lá receberdes, pelo ministério dos anjos, os tesouros celestes”, i.e. graças e carismas). O texto deixa claro, não obstante, que as palavras do Senhor são dirigidas aos discípulos ali presentes, aos quais prometem algo no futuro para corroborar a fé deles. Ora, na ressurreição, os anjos apareceram apenas às mulheres, e na ascensão não apareceram sobre o Filho, mas depois que ele desapareceu entre as nuvens. Quanto ao juízo final, é evidente que, naquele dia, a fé dos discípulos não poderá mais crescer; de mais a mais, seria inadequado para este fim invocar um acontecimento tão distante no tempo. — “Segundo Agostinho, porém, Jesus manifesta belamente nestas palavras a sua divindade. Lê-se, com efeito, que Jacó viu uma escada, e os anjos subindo e descendo (cf. Gn 28,12). E Jacó, ao entender o que viu, levantou-se, ungiu uma pedra com óleo e em seguida disse: Na verdade, o Senhor está neste lugar (Gn 28,16). Ora, Cristo é esta pedra, que foi rejeitada pelos construtores (cf. Sl 118,22), e foi ungido pelo óleo invisível do Espírito Santo; mas foi erigido em pedra angular, porque havia de ser o fundamento da Igreja, como se diz em 1Cor 3,11: Porque ninguém pode pôr outro fundamento, senão o que foi posto. Os anjos sobem e descem, enquanto lhe estão presentes, obedecendo-lhe e servindo-o. Diz, portanto: Em verdade, em verdade vos digo, vereis o céu aberto etc., como se dissesse: ‘Porque és verdadeiramente israelita, atenta ao que Israel viu, para que creias que eu sou aquele que foi significado pela pedra ungida por Jacó, pois tu também verás os anjos subindo e descendo sobre ela’” (Santo Tomás de Aquino, super Ioann. i 16 326).

Comentário espiritual.a) Sentido literal: Respondeu Jesus e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira, quer dizer: “Embora estivesses sozinho sob a figueira e julgasses não ser visto por ninguém, eu te vi e sei o que em segredo ali fazias e pensavas. Vi também e ouvi tua conversa com Filipe, quando ele te chamou para me conheceres, mas tu lhe disseste: De Nazaré pode porventura sair coisa que seja boa? Disto podes concluir que sou mais do que um homem, i.e. o Messias, ou o Filho de Deus”. — b) Sentido místico: Quando estavas debaixo da figueira, i.e. à sombra da Lei, te vi eu para te trazer à luz do meu Evangelho (cf. São Gregório Magno, Moral. XVIII 20). — c) Sentido tropológico: Aprendemos a reconhecer e venerar a Deus Pai e Jesus Cristo presentes em todos os lugares. Quando estamos a sós no quarto, ou mesmo quando pensamos ou alimentamos secretamente algum desejo no coração, Cristo nos vê e penetra nossos mais íntimos pensamentos. Tenhamos, pois, o cuidado de nada pensar, desejar ou fazer que ofenda os olhos de sua majestade. Assim viu ele a Natanael e seus atos debaixo da figueira, assim viu Deus a Adão comer sob a árvore o fruto proibido.

Referências

  1. Bartolomeu (= filho de Tolma ou de Tolomeu) é provavelmente a mesma pessoa que Natanael (do qual fala Jo 1,45-50; 21,2). A identidade entre eles é ignorada pela tradição mais antiga, mas passou a ser admitida por muitos latinos a partir de Ruperto de Deutz († 1129) e por vários exegetas do séc. XVI; de fato, o evangelista João, que não fala de nenhum Bartolomeu, enumera duas vezes a Natanael entre os Apóstolos (cf. loc. cit.). Os sinóticos, embora não façam qualquer menção a Natanael, falam todavia de Bartolomeu. Também é digno de nota que, nos sinóticos, Filipe e Bartolomeu e, no evangelho de João, Filipe e Natanael aparecem lado a lado ou na mesma narração. É, portanto, ao menos verossímil que este Apóstolo, assim como Pedro, Mateus etc., tivesse um duplo nome, de modo que era conhecido como Natanael (nome próprio) e como Bartolomeu (cognome, ou nome do pai).
  2. Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Ioannem. Paris: P. Lethielleux (ed.), 1898, p. 112: “Muitos explicam que, neste lugar, filho de Deus não significa Filho natural, mas Messias, que por certa excelência é assim chamado mais do que os outros filhos; contudo, ainda não é reconhecido como Deus… Crisóstomo, com efeito, assim argumenta: ‘Por que Pedro, após tantos milagres, após receber tanta doutrina, confessou: Tu és o Filho de Deus, e foi declarado feliz porque o Pai lho tinha revelado, enquanto Natanael, que antes dos sinais e da doutrina dissera a mesma coisa, não ouviu nada parecido, mas foi enviado para ver coisas maiores, como se não tivesse dito nada além do necessário? Qual é, pois, a causa da diferença? É que os dois, de fato, pronunciaram as mesmas palavras, mas não com o mesmo sentido. Com efeito, Pedro confessou o Filho de Deus como verdadeiro Deus, Natanael porém como simples homem. Isso é evidente também pelo que segue, pois a Pedro não faz Cristo nenhum reparo, mas afirma, como se fosse já perfeita a sua fé, que haveria de edificar a Igreja sobre a sua confissão. Aqui, no entanto, vemos o contrário, e como se à confissão dele [de Natanael] faltasse a parte mais importante, acrescenta [Cristo] o restante’”.
  3. Para alguns autores (cf. id., ibid.), conquanto a divinidade do Messias seja declarada em Is 9,6, é provável que os judeus não a tenham compreendido. Por isso opinam que tampouco Natanael poderia tê-la confessado nessa passagem, ao que ajuntam outras duas razões: a) o fato de os discípulos a terem ignorado por muito tempo, b) e a afirmação explícita de que somente a Pedro ela foi divinamente revelada. Cornélio a Lapide propõe ainda uma terceira razão: a insuficiência do sinal dado por Cristo; com efeito, revelar os segredos dos corações, também os profetas o podem fazer por inspiração de Deus. Tal foi o caso e.g. de Eliseu, que revelou a Giezi os segredos de seu coração e o que tinha feito na ausência dele, e revelou as insídias secretas do rei da Síria (2Rs 5,26; 6,12).
  4. Lc 5,24 é o primeiro lugar nos sinóticos em que aparece a famosa expressão “Filho de homem”, utilizada 50 vezes (78, se se contam os lugares paralelos) por Cristo e 1 vez por Santo Estêvão (cf. At 7,55). — a) Forma gramatical. ‘O υιός τοῦ ανθρώπου é a versão literal do aram. bar’enasha, usado frequentemente sem determinativo para significar “homem”; com artigo significa algum “filho de homem”, i.e. algum homem determinado. (Considerando-se a índole do aramaico, a determinação do artigo não afeta “de homem”, mas apenas “filho”, de modo que a tradução correta é “o filho de homem”, e não “o filho do homem”.) — b) Origem. Esta designação de Cristo tem origem em Dn 7,13s: Eu estava, pois, observando estas coisas durante a visão noturna, e eis que vi um que parecia um Filho de homem, que veio sobre as nuvens do céu; chegou até o Ancião e foi apresentado diante dele. Foram-lhe dados império, honra e reino; e todos os povos, nações e línguas o serviram; o seu império é um império eterno, que não passará, e o seu reino não será jamais destruído. Aquele Filho de homem, para a maior parte dos judeus ortodoxos, é o próprio Messias. — c) Sentido teológico. Jesus usava essa expressão no singular, em parte porque era familiar aos hebreus referir-se a si mesmo na terceira pessoa, em parte porque, com essa inusitada denominação, desejava trazer à memória deles a profecia de Daniel acima referida e, desse modo, insinuar-lhes que era ele o Filho de homem, i.e. o Messias visto pelo profeta. De resto, este título é tão humilde e modesto para designar o Messias, que os Apóstolos e a subsequente tradição da Igreja se abstiveram de usá-lo.

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