São Charbel Makhluf foi um eremita libanês do século XIX, elevado à honra dos altares em 1965 e canonizado no ano de 1977, pelo Papa Paulo VI. O nome Charbel, de origem sírio-libanesa, significa “a história de Deus” e, em português, pela adaptação latina, também pode ser substituído por Sarbélio. Mesmo levando uma vida escondida, este santo monge ficou famoso por seu corpo incorrupto e por seus milagres extraordinários. Pouco depois de sua morte, em 1898, se cumpriria a profecia de seu superior, que, ao assinar a sua breve ata de sepultamento, previu que mais se escreveria a respeito dele depois de morto do que vivo.
De fato, sepultado em uma vala comum, como todos os maronitas, de seu túmulo começaram a sair luzes extraordinárias, que impressionaram quem vivia próximo ao cemitério. Aberta a sua cova, todos ficaram maravilhados com o seu corpo, que não só ficara intacto, como começara a transpirar sangue e água — à semelhança de Nosso Senhor, de cujo lado aberto na Cruz também jorraram sangue e água (cf. Jo 19, 34). Por 70 anos, o túmulo de São Charbel ficou completamente encharcado, exalando um odor muito agradável e confirmando a sua santidade.
Nascido Youssef Antoun Makhlouf, em 1828, São Charbel era o quinto de seus irmãos. Órfão desde criança — o pai morreu servindo aos soldados otomanos —, o pequeno José foi criado por um tio. Mandado para o campo, para cuidar do rebanho da família, o menino passava o tempo em uma gruta, na qual se recolhia para rezar. O lugar, chamado ironicamente por seus colegas de “a gruta do santo”, acabou por cumprir profeticamente o seu destino. Com 23 anos, José enfrenta a resistência da família — de sua mãe, que lhe era muito apegada, e de seu tio, que necessitava de braços para o campo — e sai escondido de casa, decidido e disposto a fazer-se monge.
No mosteiro, em seu primeiro ano de noviciado, o rapaz vê-se em uma situação difícil. À época, o Líbano trabalhava arduamente na exportação de seda e os monges do lugar em que ele estava tinham muito contato com os camponeses da região, pois os ajudavam na produção da fibra. Trabalhando em sua ocupação, o irmão Charbel atrai o olhar de uma moça, que o tenta seduzir, jogando nele alguns bichos-da-seda. Ignorando a jovem, ele se retira dali e, na mesma noite, foge do mosteiro, que estava sendo ocasião de perigo para a sua alma.
Já no mosteiro de São Maron de Annaya, o irmão Charbel começa o seu segundo ano de noviciado, quando sua mãe, Brígida, decide visitá-lo. Em uma atitude que pode parecer dura, Charbel escolhe não ver sua mãe, limitando-se a conversar com ela atrás da porta. Instado para mostrar-lhe o rosto, ele responde, resolutamente: “Nós nos veremos no Céu”. Para entender o ato de São Charbel, é preciso lembrar a sua opção radical pela vida monástica reclusa. Ele estava convencido de que um monge que mantinha contato com seus parentes depois da profissão de seus votos deveria recomeçar o noviciado.
Uma lição valiosa que esse acontecimento ensina é a do amor verdadeiro aos pais, que tem como finalidade a sua salvação eterna. São Máximo, o Confessor, ensina (cf. Centúrias sobre a caridade, II, 9) que existem cinco tipos de amor, sendo três “passionais”, um “indiferente” e outro “louvável”: os três primeiros são aquele buscado por puro prazer, outro baseado no “ter” e outro ainda, na vaidade; o amor neutro é aquele natural, “como os pais que amam os filhos e vice-versa”; o quinto, por fim, é o amor por Deus, que deve informar todas as virtudes e também afeições naturais (cf. STh II-II 23 8c.), inclusive aos pais e filhos. Porque, se é verdade que o amor “por natureza” é “indiferente”, pode também desembocar em um apego desordenado. O amor verdadeiro, ao contrário, deseja o Céu para o outro, assim como São Charbel desejou para sua mãe e assim como Santa Teresinha do Menino Jesus, que, tendo aprendido sobre as belezas do Céu, pediu para Deus que sua mãe morresse logo, para que ela se encontrasse com Ele.
De fato, o desapego dos pais e a promessa de recompensa de Charbel à sua mãe — “Nós nos veremos no Céu” — são realidades que ecoam do próprio Evangelho: “Quem ama pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt 10, 37); “Todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna” (Mt 19, 29).
Na vida em comunidade, Charbel tornou-se um notável modelo de submissão e abnegação da própria vontade. Quando o superior pedia a seus confrades uma obediência severa, os seus companheiros retrucavam, jocosamente: “Pensa o senhor, por acaso, que sou o irmão Charbel?”
Por decisão do superior e de seus confrades, foi admitido às sagradas Ordens e, após cumprir os estudos, recebeu a ordenação presbiteral em 1859.
Começa, então, um novo capítulo de sua vida: o agora padre Charbel que se preparava com piedade, devoção e muito zelo para a celebração da Santa Missa. Ele, que era um homem extremamente despojado, tinha peças de vestuário e sapatos que usava especificamente para se encontrar com Nosso Senhor no culto eucarístico:
Charbel celebrava o Santo Sacrifício com a máxima dignidade e com uma fé tão viva, que, com frequência, durante a Consagração, as lágrimas corriam-lhe dos olhos escuros e profundos, os quais eram como duas janelas abertas para o Céu. E, na contemplação, ficava de tal modo absorto que não prestava atenção alguma a eventuais ruídos ou rumores.
Certa vez, durante a sagrada Liturgia, um acólito viu que o santo chorava durante a consagração e que algumas lágrimas caíam no corporal. À hora da purificação dos objetos sagrados, aquele corporal molhado foi causa de grande inquietação para Charbel, que pensou que havia deixado cair o Preciosíssimo Sangue de Cristo. Preocupado, o padre apresentou o corporal ao seu superior, pedindo perdão por aquilo que pensara ser um ato de negligência sua.
Durante muitos anos, o padre Charbel permaneceu no seio da comunidade monástica, mas, em seu coração, não havia morrido o desejo de tornar-se eremita, vivendo completamente afastado do mundo e dedicando-se inteiramente a Deus. O seu anseio, no entanto, era sempre negado por seus superiores.
Até que, um dia, tendo voltado tarde de seu trabalho no campo, ele pediu ao irmão despenseiro — que guarda os mantimentos do mosteiro e os distribui aos confrades — que pusesse óleo em sua lamparina, a fim de rezar o Ofício em sua cela. O monge, reprovando Charbel por não chegar mais cedo, deixou-o, por penitência, sem óleo. O monge, então, retirou-se obedientemente para o seu quarto. Um confrade mais jovem se ofereceu para ajudar São Charbel, mas, por brincadeira, colocou água em sua lamparina, ao invés de óleo. Milagrosamente, todavia, a lamparina se acendeu e Charbel pôde rezar o seu Ofício.
Vendo esse milagre, o seu superior se convenceu de que o Senhor realmente o chamava para a vida eremítica. Permaneceu, então, recolhido no eremitério de São Pedro e São Paulo, até o fim de sua vida. Foi durante este período, nos intervalos em que trabalhava nas aldeias vizinhas, que se espalhou na região a sua fama de taumaturgo.
Impressionante era a sua concentração nos momentos de oração, que pode ser ilustrada com a história seguinte:
Num dia de tempestade, um raio derrubou parte da ala meridional da ermida, deitou por terra uma parede da vinha e queimou, na capela, as toalhas do altar, enquanto o santo monge ali se encontrava, em oração. Dois ermitães acorreram ao local, e o viram na mais apaziguante tranquilidade.
— Padre Charbel, por que não se moveu para apagar o fogo?
— Caro irmão, como poderia fazê-lo? Pois logo depois de atear-se, o fogo se extinguiu…
De fato, como o incêndio fora rapidíssimo, ele julgara mais importante continuar sua oração, sem se perturbar.
No dia 16 de dezembro, enquanto celebrava o santo Sacrifício da Missa, o padre Charbel começou a passar mal. Tendo agonizado por oito dias, este santo monge entregou a sua vida a Deus oito dias depois, exatamente na vigília de Natal.
A sua vida extraordinária nos incita, sobretudo, à renúncia do mundo e ao cultivo da vida espiritual, baseada principalmente na devoção à Santíssima Virgem e à Santíssima Eucaristia. A São Charbel Makhlouf se aplicam com perfeição as palavras do salmista: “Justus ut palma florebit, sicut cedrus Libani multiplicabitur — O justo crescerá como a palmeira, como o cedro do Líbano se elevará” (Sl 91, 13).
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