“Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração”, disse a Virgem SS., em Fátima, aos três pastorinhos. Por isso, entender o que significa essa devoção e por que ela é o meio escolhido por Nosso Senhor para a salvação das almas é um tema de suma urgência.
A linguagem bíblica atribui ao coração (hebr. לֵ֣ב, gr. καρδίᾳ) uma conotação mais profunda do que a simples biologia. Com essa expressão, quer-se falar tanto das realidades carnais do ser humano (suas paixões e apetites, por exemplo) como das espirituais (as faculdades da alma — inteligência e vontade — e a inabitação trinitária), por onde identificamos três tipos de “corações” em nós: um carnal, um espiritual e um divino. Este último é gerado pela graça batismal, no centro de nossa alma, ao passo que os dois primeiros têm a ver com o composto humano e estão em constante guerra um com o outro, por conta do pecado original.
Acontece que, “em atenção aos merecimentos de Jesus Cristo salvador do gênero humano”, o coração de sua Mãe SS. possui uma unidade inquebrantável, porque ela “foi preservada de toda a mancha do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção” (Ineffabilis Deus 41). Isso significa que, em Maria, não há conflito entre as suas paixões e a vontade de Deus: todos os sentidos e faculdades de Nossa Senhora estão em perfeita harmonia com a disposição divina. E ela não deseja outra coisa senão servir perfeitamente ao projeto salvífico de seu filho, Jesus, cooperando de modo singular para a edificação da Igreja.
A devoção ao Imaculado Coração de Maria é, portanto, perfeitamente razoável, na medida em que devemos sempre venerar o que está unido a Deus, como prevê o exercício reto da virtude da religião [1]. O fim de toda devoção não se encerra nela mesma, mas na união mística com Deus. Nós adoramos a humanidade de Nosso Senhor justamente porque a sua natureza humana está hipostaticamente unida à sua Pessoa divina. Depois disso, veneramos aqueles santos que, em maior ou menor grau, estão ligados à SS. Trindade. No caso da Virgem Maria, de modo especial, tributamos-lhe o culto de hiperdulia, porque a maternidade divina, cujo fim não está “precisamente na humanidade de Jesus, mas no próprio Jesus em pessoa” [2], a associou “à obra redentora de seu Filho, com a mais perfeita conformidade de vontade” [3].
Em virtude da maternidade divina, a Virgem Maria recebeu em seu Coração “uma plenitude de graça que lhe foi concedida para que ela fosse e permanecesse sempre à altura de sua excepcional missão” [4]. Essa plenitude de graça gerou nela uma amizade sobrenatural com Deus, pelo que “existe... a mais estreita conformidade entre a vontade de Maria e a oblação de seu Filho, que foi como a alma do sacrifício da cruz” [5]. O Coração de Maria, consequentemente, não palpita nunca fora da “frequência cardíaca” de Nosso Senhor Jesus, pois ambos são como que “um só coração” (At 4, 32).
Tal verdade foi, aos poucos, ganhando corpo na meditação da Igreja, tendo em S. João Eudes um dos seus maiores expoentes. Com a mensagem de Fátima, por fim, o culto ao Imaculado Coração de Maria estabeleceu-se de forma mais sólida tanto na liturgia da Igreja como na piedade dos fiéis. Hoje, no entanto, essa devoção precisa ser urgentemente redescoberta como um caminho de consagração e conversão, dada a agressiva secularização por que passam inúmeras sociedades. Unidos ao Coração de Maria, os fiéis terão condições de oferecer a Deus um reservatório para o derramamento do seu amor, que Ele não encontraria em nossos próprios corações, muitas vezes frios e indiferentes.
O Coração Imaculado de Maria é aquele inimigo radical da serpente maligna, como anunciado por Deus no livro do Gênesis (3, 15). Livre de toda mancha do pecado original, a Virgem Maria jamais foi tocada por Satanás, razão pela qual ela dispõe de uma liberdade plena contra as insídias dele. Em razão disso, é justo e necessário que nos refugiemos nesse Coração bendito, que não pára de sofrer pelos pecados e crimes da humanidade, a fim de repararmos as ofensas contra Deus e encontrarmos o caminho seguro da salvação, como fez o discípulo amado ao acolher a Mãe em seu íntimo (cf. Jo 19, 25).
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