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3. O Nascimento do Menino Jesus

Envolto em faixas, o Menino Deus foi colocado numa manjedoura, num simples cocho. Esse lugar, que todos os dias recebia o alimento dos animais, naquela noite santa recebeu o “Pão da Vida”, que se fez alimento para a nossa salvação.

Texto do episódio
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Preparando com alegria o nosso Natal, seguimos com as meditações a respeito dos mistérios gozosos do Santo Terço. Neste terceiro encontro, nos debruçamos sobre o mistério central do Natal: o Nascimento de Jesus.

Devemos, porém, notar algo importante: quando falamos do nascimento de Jesus, devemos compreender que o Verbo se fez carne nove meses antes, na Anunciação. Na ocasião do Natal celebramos aquele momento em que Jesus, Verbo Encarnado, nasce para nós. É quando Maria Santíssima dá à luz aquele que é a Luz do mundo. Devemos, então, acompanhar essa meditação na plena consciência de que o Filho de Deus já está no nosso meio.

O que se dá no Natal é uma manifestação. Por isso, os orientais chamam a Festa do Natal de Epifania: a Revelação de Deus Encarnado, a primeira manifestação de Jesus. Antes, Ele estava escondido no Sacrário, que era o ventre da Bem-Aventurada Virgem Maria.

Para começar, vamos nos colocar na presença de Deus. Precisamos recordar que a meditação consiste em olharmos detidamente para um mistério de amor pelo qual Deus se revela. Neste momento de oração, estamos na presença d’Ele, que nos ilumina com sua verdade. Devemos olhar para o Natal com esse olhar próprio de Deus, o olhar da fé.

O que os Evangelhos nos dizem a respeito do Natal? A primeira coisa que devemos estar cientes é que o momento do parto de Nossa Senhora está envolvido no segredo da noite. Os evangelistas são bem discretos quanto a isso, e assim também deve ser a nossa atitude. É interessante notarmos essa discrepância entre os Evangelhos apócrifos (aqueles que não são Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo), que procuram “encher” de detalhes o nascimento de Nosso Senhor; e os Evangelhos canônicos de Mateus e Lucas, que trazem a narrativa da infância, mas têm a delicadeza de manter o nascimento de Jesus envolto no segredo e no mistério.

Canonicamente, temos duas narrativas complementares. São Mateus segue mais o ponto de vista de São José: é possível que o apóstolo tenha feito sua investigação em Nazaré, onde havia familiares de São José que guardavam a narrativa por esse ponto de vista. O Evangelho de São Lucas, por sua vez, avisa logo no início que foi procurar as fontes primárias, as testemunhas fidedignas; ou seja, o nascimento é narrado sob a visão de Maria. Provavelmente, São Lucas esteve de fato com Nossa Senhora e ouviu dela essa narrativa.

Podemos notar que, no texto de São Mateus — que traz a visão josefina — o nascimento de Jesus “não existe”. Temos a impressão de que o autor “pula” esse capítulo. Por quê? Porque São José provavelmente não estava lá. A tradição nos conta que São José saiu para buscar parteiras e, quando voltou, Nossa Senhora já tinha dado à luz. Depois de narrar aquele drama de São José, homem justo, que queria deixar Maria porque não se achava digno, São Mateus então diz: “Ao despertar do sono, José fez como lhe tinha mandado o anjo do Senhor, e recebeu em sua casa (Maria), sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, deu à luz um filho, e pôs-lhe o nome de Jesus” (Mt 1, 34-25). E segue o texto: “Depois de Jesus ter nascido…”, ou seja, o autor não conta como foi o nascimento. Após o drama de São José, ele já narra o episódio dos Reis Magos.

Desse modo, é importante que, ao contemplarmos esse mistério, sejamos realmente discretos quanto a esses detalhes do parto. Tenhamos a consciência de que estavam lá apenas duas testemunhas humanas: Jesus e Maria; de modo que o que ocorreu no parto é um segredo deles: de Nosso Senhor e de sua Santíssima Mãe.

Por meio de Maria, plena testemunha de todos aqueles fatos, ficamos sabendo: “Ora, estando ali, aconteceu de completarem-se os dias em que devia dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito, e o enfaixou, e o reclinou numa manjedoura.” (Lc 2, 6-7). Então, simplesmente notifica-se: Cristo nasceu. E, quando Lucas começa a narrar detalhes, já são posteriores ao parto, como o “envolver em faixas”.

Diante disso, para contemplarmos o nascimento de Jesus, a melhor posição para nós é a dos humildes pastores naquela Noite Santa. Àqueles homens, os anjos fazem uma belíssima manifestação quando Jesus já havia nascido. Estamos no profundo da noite, uma santa e silenciosa noite. Sim, afinal, Deus vai pronunciar a sua Palavra e, por isso, o universo inteiro se cala. A tradição mística nos fala que no momento do nascimento de Jesus, o mundo inteiro estava em silêncio, não havia barulho algum. É por isso que temos aquela música que, em português, chamamos de Noite Feliz, mas que no original alemão é Stille Nacht, ou em inglês, Silent Night: “Noite Silenciosa”. No mistério profundo do silêncio de toda a criação, Deus pronuncia a sua Palavra eterna.

Deus vai pronunciar o seu Verbum, o seu Logos, a sua Palavra — Cristo Jesus. Essa quietude tem uma grande consequência em nossa vida espiritual. Afinal, como queremos que Deus nos fale e que Ele pronuncie a sua Palavra dentro de nós, se permanecemos imersos no barulho? Não estamos falando apenas de um barulho externo, daquele que se resolve ao se isolar acusticamente um cômodo. O principal barulho está dentro de nós, em nossas agitações interiores.

Na vida espiritual, Deus quer nos purificar desse barulho, quer fazer silêncio dentro de nós; é a noite escura dos sentidos de que falava São João da Cruz. As nossas paixões — as desordens interiores que gritam dentro de nós — precisam ser silenciadas. Precisamos passar por essa “máquina de moer carne”, pela qual vamos silenciando as paixões, umas mais veementes, outras menos. Isso deve acontecer para que Deus possa pronunciar sua Palavra dentro de nós.

Meditemos, portanto, naquela Stille nacht, no mistério do silêncio daquela noite santa. Como vamos nos aquietar para que Deus fale sua Palavra salvadora? Devemos repousar a alma como uma criança no regaço da Mãe. É a imagem do Menino Jesus junto de Nossa Senhora. A Palavra de Deus é pronunciada no recolhimento, na intimidade, no mistério de Jesus e Maria.

Mãe e Filho, sozinhos naquela noite, são o retrato do mistério da alma que se encontra com o seu Senhor no silêncio. É bem possível que aqueles pastores tenham notado o silêncio. Podemos imaginar que eles estavam no campo, guardando as ovelhas durante a noite. O Evangelho de São Lucas diz na expressão original que os pastores estavam “guardando guarda noturna”. De forma bem literal, a expressão diz: “καὶ φυλάσσοντες φυλακὰς τῆς νυκτὸς” (kai phylassontes phylakas tēs nyktos), “vigiavam a vigia noturna”, no sentido de que eles guardavam atentos as ovelhas durante a noite, para protegê-las de ladrões e de lobos.

Eis que, no meio da noite, aqueles pastores atentos devem ter estranhado o silêncio total e repentino. E passado aquele silêncio — tendo nascido Jesus, tendo sido pronunciado o Verbo no mistério daquela noite —, os pastores então receberam a visita dos anjos. Surgiu, primeiro, um único “anjo do Senhor”, provavelmente São Gabriel, que é aquele que havia aparecido até agora no Evangelho, para Zacarias e Nossa Senhora. E aqui acontece essa epifania angélica, em que a glória do Senhor, “δόξα Κυρίου” (doxa Kyriou), resplandeceu ao redor deles. De repente, os pastores se viram envoltos em luz.

O Natal é um mistério de luz. Uma “noite de luz”, uma festa de luz que vivemos durante a noite. Por que fazemos decorações luminosas neste tempo? Árvores com luzes, enfeites que piscam, guirlandas iluminadas nas ruas da cidade? Porque a glória do Senhor refulge! E diante daquela glória, os pastores foram tomados de grande medo. São Lucas é bem enfático quando diz: “ἐφοβήθησαν φόβον μέγαν” (ephobēthēsan phobon megan). Mais uma vez temos, ao pé da letra, a ênfase: “eles temeram com grande medo”. “Porém o anjo disse-lhes: não temais, porque eis que vos anuncio uma boa nova” (Lc 2,10), ou “vos evangelizo”, “euangelizomai” — “Angelizo” é de anjo, “Euangelizo” é um anjo que traz uma boa notícia. O anjo pediu, portanto, que não tivessem medo, pois lhes anunciava uma grande alegria. A substituição do grande medo pela grande alegria. “Nasceu-vos hoje na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. Eis que vos servirá de sinal: Encontrareis um menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura.” (v. 11-12).

É revelado aos pastores um sinal que eles iriam encontrar. Leve sua imaginação para aquela cena e veja o contraste. Os pastores estão diante de um anjo glorioso, com tanta glória que aquilo lhes dá um grande medo. Às vezes, imaginamos os anjos como aquela imagem barroca de criancinhas rechonchudas. Mas todas as vezes que os anjos aparecem na Bíblia, as pessoas ficam apavoradas, porque esses espíritos celestiais são tremendos! Ora, a glória de Deus causa esse grande pavor justamente porque os pastores enxergam a grandeza de Deus diante de sua pequenez. Mas esses anjos anunciavam uma grande alegria, e aqui temos o contraste, o sinal que é dado: uma criança indefesa, envolta em faixas, no cocho dos animais.

Maravilha das maravilhas! Os pastores foram envolvidos pela glória de Deus; mas o sinal é a pobreza da manjedoura. É ali, naquela simplicidade, que Deus vai nos falar. Quantas vezes, em nossa vida espiritual, ficamos procurando Deus nas grandes coisas, nos grandes sinais: em arrebatamentos místicos e luzes fulgurantes? Mas o anjo envolto em glória não é o sinal, tão somente aquele que anuncia a “grande alegria” , que está lá naquela gruta pobre e fria, provavelmente iluminada apenas com um candeeiro ou uma fogueirinha. Foi ali que Deus falou. Precisamos realmente enxergar isso, esse grande evangelho de Deus que nos fala nos pequenos sinais. Precisamos ter delicadeza de alma para meditar o mistério do nascimento de Cristo.

O que está sendo para nós o “Menino envolto em faixas”? Muitas vezes gostaríamos de grandes consolações, mas Deus nos dá apenas simples sinais. E por isso, podemos dizer nesses momentos: “Ele é o Deus conosco”, “Deus está na minha pobreza”. Enquanto César Augusto está em seu palácio em Roma, e Herodes, no seu palácio em Jerusalém; no silêncio da noite, em meio ao campo, pobres pastores recebem a grande notícia. Deus não fala com quem não é pobre! E isso não é uma questão de quanto se tem na conta bancária, mas de esvaziamento. Deus fala com quem é pobre, com quem se desapega, com quem é pastor. Existe maior sinal de pobreza do que um recém-nascido envolto em faixas, deitado num cocho cheio de palhas?

Hoje, estamos muito acostumados com a ideia de Jesus numa manjedoura, mas podemos imaginar a grande admiração que aquilo causou aos pastores — os primeiros que receberam a notícia de que nasceu o Salvador, Cristo Senhor, na cidade de Davi. Ora, eles devem ter imediatamente imaginado: “Em que palácio Ele está?” Mas então o anjo disse que o sinal era uma criança deitada num cocho, o lugar onde se põe pasto para os animais comerem. Desde o início, estava ali também outro sinal: Cristo nos mostra que Ele mesmo é alimento, “Pão da Vida”, mas não para vacas, e sim para nós, filhos adotivos de Deus.

Diante de tão grande notícia e de tão maravilhoso sinal, a reação dos pastores foi  imediata, como a de Maria após a Anunciação, e a de Isabel na Visitação: uma atitude de devoção, de quem se ergue prontamente para apresentar o seu amor a Deus. E imediatamente após aquele grande anúncio do anjo do Senhor, já que os pastores não estavam à altura de cantar a sinfonia daquela notícia, eis que “subitamente apareceu com o anjo uma multidão da milícia celeste, louvando a Deus, e dizendo: ‘Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens, objeto da boa vontade’.” (Lc 2, 13-14). Estamos diante de uma multidão — “πλῆθος” (plēthos) —, não somente dos anjos (hierarquicamente falando), mas de todos os Exércitos Celestes; de todos os servidores que louvam o Senhor Deus dos Exércitos, Dominus Deus Sabbaoth.

A multidão que veio do Céu estava ali para cantar e nos ajudar a expressar a gratidão devida àquela notícia tão grandiosa. Com eles, glorificamos essa indescritível grandeza e bondade de Deus. Você já agradeceu a Deus pelas visitas que Ele faz a você, não nas luzes dos anjos, mas naquela criança pobre e envolvida em faixas? Deus está querendo falar conosco a todo tempo, e como estamos agradecendo por isso? Quantas vezes já exultamos de alegria porque Deus falou conosco num detalhe, na pobreza, numa palavra simples… ou estamos esperando apenas os grandes êxtases?

Eis o grande mistério do Natal. Fiquemos atentos, nestes dias e em toda a nossa vida, para enxergar onde Deus vai nos falar. Muitas vezes, será de forma imprevisível! Aqueles pastores sabiam que viria o Messias na cidade de Davi, mas jamais iriam imaginar que Ele estaria deitado numa simples manjedoura. E se estamos procurando Deus somente nos palácios reais, talvez jamais iremos encontrá-lo. O Evangelho nos vem como alimento na pobreza. Uma refeição espiritual em meio ao nosso desprendimento, ao nosso nada.

Às vezes, esperamos um grande holofote e recebemos uma pequena vela, uma lamparina bruxuleante no meio da noite, mas que é o suficiente para que se ilumine a nossa alma. Por isso, Gloria in excelsis, glória nas alturas, exultemos! Essa deveria ser a nossa reação imediata, uma pequena palavra deveria nos encher de gratidão. Gratidão de ver que Deus nos fala, nos ilumina, nos alimenta e sustenta.

Uma vez que os anjos foram imediatamente glorificar a Deus, também os pastores se puseram a caminho e foram. A noite de Natal é marcada por essa belíssima canção:“Adeste fideles, laeti triumphantes, venite in Bethlehem, natum videte, regem angelorum, venite adoremus” — “Acorrei, fiéis, alegres e triunfantes”. É a imitação dos anjos. “Os pastores então diziam entre si: ‘Vamos até Belém, e vejamos o que é que lá sucedeu, e o que é que o Senhor nos manifestou’. Foram a toda pressa, e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura” (Lc 2,15-16).

Eles foram apressadamente. A Palavra de Deus não somente nos alimenta e surpreende, mas é também um mandato. Uma vez que somos amados, precisamos amar de volta. Uma vez que o Senhor nos fala, precisamos responder-lhe. A resposta daqueles pastores estava em seus pés, pois prontamente foram adorar o Menino Deus. A resposta também está em enxergar, no nascimento de Jesus, uma oportunidade de mudança de vida, um sair de onde nós estamos.

Vejamos os pontos dessa meditação de hoje. Primeiro, o grande mistério, o silêncio, Stille Nacht: no silêncio da noite, Deus pronuncia a sua Palavra, o seu Verbo. É um segredo entre Jesus e Maria. Ninguém estava lá, no grande mistério daquela noite. No meio da noite, aqueles pastores devem ter “ouvido” tão grande silêncio; ao qual se segue a epifania do anjo, que traz medo, mas também uma imensa alegria. E, para a surpresa daqueles pastores, era uma alegria escondida na pobreza. É a verdade de que Deus nos fala nos mais pequenos, escondidos e imprevisíveis acontecimentos.

Então, imediatamente — Glória! —, gratidão porque Deus nos falou, porque o Senhor rompeu o seu silêncio. Gratidão porque Ele nos deu uma Palavra brevíssima, que é Jesus, que resume tudo o que precisamos saber para a nossa salvação. É uma gratidão de louvor e glória, mas também de pés a caminho e de ação: “Vamos adiante!”, diziam os pastores que se animavam mutuamente —Adeste fideles, laeti triumphantes!

Eis a graça que Deus quer nos dar nessas verdades. Meditemos sobre elas a cada vez que rezarmos devotamente o terceiro mistério gozoso do Santo Rosário. Enquanto percorremos o espaço de singelas dez Ave-Marias, permitamos que aquilo que Deus fala em nosso coração fique dentro de nós. E, se durante esta meditação alguma coisa chamou sua atenção, recolha-se nessa verdade e deixe que através dela o Senhor alimente a sua alma.

Que o mistério do Natal ilumine a nossa vida, a nossa família, e que o Verbo de Deus venha nos falar no silêncio do coração e nos alimentar, para que possamos realizar a nossa missão de amar e servir a Deus.

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