O projeto de reforma do novo Código Penal, apresentado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT) ao Congresso, está recebendo as emendas dos parlamentares. Conta como uma grande vitória para a frente em defesa da vida o fato de o senador ter-se declarado favorável à vida e considerar, como doutor em Direito Constitucional, que o aborto é inconstitucional.
No entanto, mesmo com as modificações recentemente realizadas pelo senador matogrossense, o Código Penal continua padecendo de graves problemas. De modo sumário, é possível perceber no texto do projeto de lei três ideologias predominantes: a cultura da morte – que pretende tornar legais práticas como o aborto e a eutanásia –, a ideologia de gênero – que procura, com um jogo de linguagem sorrateiro, transformar a própria natureza humana – e o ecologismo – que é a construção de uma nova ética universal de “vida sustentável”, que dá mais valor à natureza e aos animais que ao ser humano.
O art. 128, que trata das situações excludentes de crime de aborto, tem a seguinte redação:
Art. 128. Não há crime de aborto praticado por médico:
I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante;
II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; ou
III – se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos.[1]
A primeira questão é a mudança da linguagem técnica no caput do art. 128. Se o Código Penal vigente diz que, em determinados casos, o aborto praticado por médico “não se pune”, o projeto do novo Código traz a expressão “não há crime”. Ora, nos casos atuais em que não se pune o crime do aborto, “a ausência de punição não retira o caráter delituoso do fato, tanto que, se um particular vier a fazer um abortamento para salvar a vida da gestante ou porque ela foi estuprada, crime haverá e, ainda, a aplicação de uma pena. [Assim,] crime é uma coisa e pena, outra”[2]. A nova expressão que consta no PLS 236 representaria não só um retrocesso no ordenamento jurídico brasileiro, como entraria em contradição com a própria Constituição Federal, que defende a inviolabilidade do direito à vida.
Antes da última revisão do senador Pedro Taques, havia, neste artigo, o inciso IV, que descriminalizava o aborto quando “a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”. Felizmente, esta previsão foi retirada do projeto. No entanto, continua de pé o inciso I, que diz não haver crime de aborto “se houver risco à vida ou à saúde da gestante” – diferentemente do atual Código Penal, que não pune a prática “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Ora, quem não enxerga que a gravidez – que não é uma doença – pode acarretar dificuldades para a saúde materna? Poderiam as crianças ter suas vidas ceifadas por qualquer risco à saúde da gestante? A expressão utilizada no texto do projeto é escorregadia, pois deixa uma porteira aberta para a realização do aborto de modo desenfreado. Sob a simples alegação de representar um risco à saúde da mulher, legitima-se o assassinato de uma criança inocente e indefesa no útero de sua mãe.
Não adianta retirar uma ameaça do projeto de lei se permanece outra ainda pior à vida do nascituro. Se há dez pistolas apontadas para a cabeça do feto e tiram-se nove, restará ainda uma e esta será suficiente para matar a criança. Na defesa da vida, não há espaço para uma luta “parcial” ou “até certo ponto”. Enquanto a integridade da vida humana estiver sendo vilipendiada, é preciso combater; enquanto estiverem sendo utilizadas expressões perigosas para manipulá-la, é preciso resistir. Foi com esta mesma linguagem perniciosa que a Inglaterra legalizou o aborto em seu território, com o Abortion Act (“Ato de Aborto”)[3], de 1967.
O texto proposto também acolhe aquela decisão desastrada do Supremo Tribunal Federal que, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, arbitrariamente “legalizou” o aborto de fetos anencefálicos no Brasil. É evidente que o órgão máximo do Poder Judiciário extrapolou de suas competências, como atesta o próprio voto do ministro Ricardo Lewandowski[4], durante o julgamento da questão. Então, é discutível a proposição do senador Mozarildo Cavalcanti que, com o PLS 50/2011, inclui “os casos de anencefalia fetal” no art. 128 do Código Penal.
Também é proposta, no relatório atual, a revogação da Lei das Contravenções Penais[5]. Esta lei pune, em seu art. 20, a conduta criminosa de “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto”. Percebe-se a conveniência em retirar esta lei do ordenamento jurídico: ela permite que as fundações internacionais, que já investem milhões de dólares na promoção da cultura da morte, contrabandeiem livremente substâncias abortivas, facilitando a disseminação da prática. Existe um forte lobby estrangeiro para que essas drogas sejam vendidas, embora, por outro lado, a população brasileira se manifeste cada vez mais contrária à prática do abortamento. Mas, afinal, urge que se questione de quem é a soberania neste país: os nossos parlamentares estão servindo ao povo brasileiro ou aos interesses das grandes organizações internacionais?
Outro problema que se vislumbra no texto apresentado ao exame do Parlamento está no art. 248, § 7º: “Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”. Sob a capa de estar-se militando “por propósitos sociais ou reivindicatórios”, o terrorismo deixa de ser penalizado, como se os fins aparentemente lícitos pudessem justificar os métodos pouco humanos empregados para sua consecução.
Ainda não se deplorou suficientemente o fato de o ultraje público ao pudor, tipificado no Código vigente nos arts. 233 e 234, não estar presente nesta reforma “despudorada” do diploma penal. Quais sanções caberiam à prática de “ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” ou à exposição pública de “escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno”?
Mais uma questão – e essa perpassa todo o texto do PLS 236 – é a introdução da perigosa expressão “identidade de gênero” no ordenamento jurídico brasileiro. No vocabulário corrente, “gênero” tem o mesmo significado que a palavra “sexo”: diz respeito à diferença biológica entre os indivíduos. No entanto, o sentido desta palavra tem sido radicalmente alterado. Para um grupo restrito de psicólogos da década de 1960, “sexo” era o dado biológico das pessoas e “gênero” não passava de um constructo social, que poderia ser livremente modificado pela vontade humana. O que não passava de uma teoria radical, há quarenta anos, hoje consta em documentos da Organização das Nações Unidas e está pronto para ser introduzido nas legislações nacionais de todo o mundo.
Não é de impressionar que os grupos feministas e gayzistas, na luta por suas reivindicações, recorram à manipulação da própria linguagem, já que “mudar o significado e o conteúdo das palavras é uma artimanha para que a reengenharia social seja aceita por todos sem protestos”[6]. De fato, essa ideologia expressa a vontade férrea de uma elite revolucionária de destruir família, tal como ela é concebida pela civilização ocidental.
Quais as provas da “veracidade” desta teoria? Nenhuma. Em sentido contrário, há muitos fatos que a desabonam. O mais impressionante deles aconteceu justamente com um dos defensores da “ideologia de gênero” em 1960: o psicólogo neozelandês John Money. Ele advogava abertamente que um menino poderia ser criado como menina – e vice-versa. Foi-lhe apresentada, um dia, uma criança que acabou tendo o seu órgão sexual amputado por um terrível erro cirúrgico. O médico recomendou que o menino fosse criado pelos pais como menina: David, então, foi criado com o nome de Brenda. John Money apresentou este caso como um sucesso, uma prova de que a “identidade de gênero” não é inata, mas aprendida. Na verdade, a história ainda tinha muitos capítulos para terminar. David Reimer nunca se identificou como uma menina e, na sua adolescência, começou a viver como homem, depois de descobrir o que havia acontecido com ele. Contaminado pelos experimentos macabros do dr. Money e frustrado, após várias tentativas de reconstituição de sexo, David Reimer suicidou-se, não sem antes ver seu irmão morrer após uma overdose de antidepressivos[7].
Mesmo após esta experiência repugnante, o Gender Establishment nunca foi tão forte e atuante no mundo. Uma de suas representantes máximas, a ativista Judith Butler, autora de Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity [“O problema do gênero: feminismo e a subversão da identidade”], encarna muito bem a rebeldia da agenda de gênero contra a própria natureza humana. Quem olha para ela, não consegue distinguir se se trata de uma mulher ou de um homem.
E é este projeto que os ideólogos de gênero pretendem impor à população mundial: eles querem abolir os “papéis sociais” de homem e mulher porque – dizem – são estes os primeiros papéis responsáveis pela opressão presente na sociedade. Recuperando a tese de Friedrich Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, o Gender Establishment transpõe a categoria marxista de “luta de classes” para a célula-mãe da humanidade e, para chegar a uma sociedade igualitária, seria preciso não mais abolir as classes econômicas, mas também as diferenças sexuais entre homens e mulheres.
Na luta contra a ideologia de gênero está em jogo o futuro da própria família. Por isso, é preciso que os termos “identidade de gênero”, “orientação sexual” e “preconceito de gênero” (cf. arts. 75, 121, 125, 474, 479 e 482) sejam retirados do texto de reforma do Código Penal brasileiro. Trata-se de expressões ideológicas e desnecessárias, sem contar que oferecem um grande potencial de risco para o futuro da nação brasileira.
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