Sem dúvida, o dia mais doloroso da santificação anual do tempo pela Igreja é a Sexta-feira Santa, dia em que ela comemora de maneira especial a Paixão e Morte de Nosso Senhor, dia que é o ponto culminante de quarenta dias de jejum e penitência, e o único dia do ano nos ritos latinos da Igreja em que seus altares são privados do santo sacrifício da Missa.

Entretanto, como discípulos cristãos que sofrem, mas sempre se alegram (cf. 2Cor 6, 10), a Sexta-feira Santa não é uma ocasião de derrota, mas de triunfo do amor. Hoje, vamos analisar cinco efeitos positivos deste dia [a um só tempo] solene e tenebroso.

Retábulo do Knappenaltar, em Hallstatt, na Áustria, retratando a Crucifixão de Nosso Senhor.

1. Música. — A observância litúrgica da Sexta-feira Santa inspirou não somente várias composições musicais belíssimas, mas também vários gêneros musicais. A celebração de Trevas (combinação [das orações] de Matinas e Laudes antes do amanhecer da Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santo) deu origem a um conjunto de músicas chamado Lamentações. As Matinas de Trevas incluem várias passagens do Livro das Lamentações, do Antigo Testamento. O doloroso lamento de Jeremias sobre a destruição de Jerusalém era tradicionalmente cantado, mas a partir do século XV tornou-se a inspiração para configurações polifônicas não litúrgicas de vários compositores famosos. Essas Lamentações são reconhecidas hoje como um dos melhores exemplos da música renascentista e elisabetana.

A Devoção das Três Horas, ou “Sete Últimas Palavras de Cristo”, é um ofício de Sexta-feira Santa iniciado pelo Padre Alphonso Messia, S.J., em 1732. De seu local de origem em Lima, Peru, rapidamente se espalhou para todos os outros países da América Central e do Sul e de lá para a Itália, Inglaterra e os Estados Unidos, onde tanto católicos quanto protestantes adotaram a devoção com entusiasmo. O serviço, que alterna entre homilias sobre as sete últimas declarações do Cristo crucificado e vários hinos e orações, também inspirou a composição de músicas memoráveis, incluindo “As Sete Últimas Palavras de Cristo”, de Franz Josef Haydn (1787), Les Sept Paroles de Notre Seigneur Jesus-Christ sur la Croix, de Charles Gounod (1855), e Les sept paroles du Christ, de Theodore Dubois (1867).

Por fim, as leituras do Evangelho no rito romano tradicional indiretamente levaram à criação da música da Paixão. No calendário romano, todas as quatro narrativas do Evangelho da Paixão do Senhor são lidas em algum momento durante a Semana Santa: a Paixão de São Mateus no Domingo de Ramos, a Paixão de São Marcos na terça-feira seguinte, a Paixão de São Lucas na Quarta-feira Santa e a Paixão de São João na Sexta-feira Santa. Durante uma Missa solene, essas narrativas eram cantadas por três clérigos: um tenor no papel do narrador, um tenor alto no papel da multidão e de vários indivíduos e uma voz de baixo no papel de Cristo.

A música para essas partes é um exemplo extraordinário do poder e da beleza do canto gregoriano; é compreensível, portanto, que tenha deixado uma profunda impressão na imaginação ocidental, mesmo depois que a Reforma Protestante eliminou, em grande parte, o ambiente litúrgico da Semana Santa. Como a natureza abomina o vácuo, os compositores protestantes logo começaram a escrever oratórios da Paixão para substituir a música da liturgia solene, sendo os mais famosos a “Paixão de São João” e a “Paixão de São Mateus”, de J. S. Bach [i].

2. Culinária. — A Sexta-feira Santa é conhecida principalmente como um dia de jejum. Na disciplina da Igreja contemporânea, é apenas um dos dois dias obrigatórios de jejum que restam no calendário (a Quarta-feira de Cinzas é o outro). Antigamente, era a ocasião de um jejum muito mais rigoroso. Os irlandeses e outros católicos mantinham o que era conhecido como jejum negro: nada era consumido, exceto talvez um pouco de água ou chá puro, até o pôr do sol. E, no século II, diz-se que a Igreja primitiva mantinha um jejum de quarenta horas, começando na hora em que Cristo morreu na Cruz (15h de sexta-feira) e terminando na hora em que Ele ressuscitou dos mortos (7h de domingo).

Mas, apesar de sua ligação com o jejum, a Sexta-feira Santa também está associada a vários alimentos. Na Grécia, é costume comer um prato com vinagre, em homenagem ao fel que Nosso Senhor bebeu na Cruz [ii]. Em algumas partes da Alemanha, comiam-se apenas bolinhos e frutas cozidas [iii]. Em outras áreas da Europa Central, comia-se sopa de legumes e pão ao meio-dia, e queijo com pão à noite. Em ambas as refeições, as pessoas comiam em pé e em silêncio.

O costume muito difundido nos países católicos de marcar cada novo pão de forma com o sinal da cruz [antes de fatiá-lo e consumi-lo] ganhou um significado especial na Sexta-feira Santa. Na Áustria, por exemplo, o Karfreitaglaib (um pão com uma cruz desenhada em cima) era consumido nesse dia.

Pães cruzados quentes, tradicionais na Sexta-feira da Paixão.

No entanto, o pão mais famoso da Sexta-feira Santa é o pão cruzado quente (hot cross bun). Diz a lenda que o Padre Rocliff, responsável pela distribuição de pães aos pobres na Abadia de Santo Albano, em Hertfordshire (Inglaterra), decidiu, na Sexta-feira Santa de 1361, decorar os pães com uma cruz em homenagem à Paixão de Nosso Senhor. O costume se espalhou por todo o país e perdurou até o século XIX, quando era vendido nas ruas da Inglaterra — como diz uma canção infantil — one a penny, two a penny, ou seja, “um por um centavo, dois por um centavo”. Hoje em dia, os pães cruzados quentes podem ser consumidos durante toda a Quaresma.

Várias superstições piedosas também surgiram em torno desses pães, como a crença de que ele nunca mofaria, e de que dois inimigos se reconciliariam se dividissem um deles. Os pães cruzados da Sexta-feira Santa eram guardados durante todo o ano por suas propriedades medicinais; se alguém “adoecesse, um pouco do pão era ralado em água e dado à pessoa doente para ajudar em sua recuperação”. Algumas pessoas acreditavam que comê-los na Sexta-feira Santa protegeria sua casa de incêndios, e outras os usavam “como amuletos contra doenças, raios e naufrágios”!

3. Costumes. — Além da tradição em torno dos pãezinhos, a Sexta-feira Santa passou a atrair uma variedade de costumes não litúrgicos e crenças populares. No México e em outros países, faziam-se piñatas com a imagem de Judas Iscariotes, que eram incessantemente espancadas [daí a expressão popular também no Brasil: “malhar o Judas”]. Na Europa, as pessoas se abstinham de todas as formas de diversão: nada de brincadeiras nem risadas, nada de tarefas barulhentas, nada de apresentações teatrais (exceto as peças da Paixão), nada de dança e, como veremos, nada de caça. Até mesmo as crianças “se abstinham de suas brincadeiras habituais”. 

Na Idade Média, era comum que a população se vestisse de preto, como sinal de luto, durante toda a Semana Santa (e especialmente na Sexta-feira da Paixão); era lei da Igreja até 1642 abster-se de qualquer trabalho servil durante o Tríduo Pascal. Escolas, empresas, tribunais e repartições públicas fechavam durante a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira Santa e o Sábado de Aleluia. Nos países católicos, era comum a concessão de indultos aos prisioneiros durante a Semana Santa e, muitas vezes, acusações eram rejeitadas nos tribunais em honra do sacrifício de Nosso Senhor.

“A Crucifixão”, por Anatoly Shumkin.

A lista do que podia e não podia ser feito era frequentemente inspirada pelos eventos da Paixão. Era propício plantar e jardinar na Sexta-feira Santa, pois “Cristo abençoou e santificou o solo com seu sepultamento”, mas ai do homem que batesse um martelo ou cravasse um prego no dia em que esses objetos foram instrumentos de tortura para Nosso Senhor! Lavar roupa também era proibido, pois as roupas de Cristo foram manchadas de sangue durante sua Paixão. De acordo com uma superstição, qualquer mulher que lavasse a roupa na Sexta-feira Santa encontraria as roupas manchadas de sangue e teria azar pelo resto do ano. Todavia, era um bom sinal morrer na Sexta-feira Santa, pois a alma do falecido, como a do bom ladrão, teria acesso rápido ao Céu.

Entre os costumes não supersticiosos, um dos mais impressionantes se encontra nos ritos orientais dos cristãos sírios e caldeus. Sua saudação habitual (Schlama, ou: “A paz esteja contigo”) não é dada na Sexta-feira Santa e no Sábado de Aleluia, pois é o cumprimento típico de Cristo após a Ressurreição (cf. Lc 24, 36; Jo 20, 21; 20, 26) e faz lembrar a pérfida saudação de Judas. Em vez disso, eles dizem: “Que a luz de Deus esteja com teus entes queridos”.

E, é claro, os ritos ocidentais e orientais da Igreja desenvolveram belas tradições litúrgicas e paralitúrgicas para essa data única. No rito romano tradicional, os ministros litúrgicos vestem-se de preto, como em uma Missa de Defuntos. O rito é composto: 

  1. pela Missa dos Catecúmenos, em que são proclamadas várias leituras, inclusive a Paixão segundo São João; 
  2. pela Oratio Fidelium ou “Oração dos Fiéis”, em que a Igreja reza solenemente pelo mundo em uma série de pedidos comoventes; 
  3. pela Adoração da Cruz, quando o sacerdote desvela um crucifixo em três etapas e o povo venera a Cruz com um beijo; e, por fim, 
  4. pela Missa dos Pressantificados, um rito de comunhão com hóstias consagradas no dia anterior.
Um sacerdote apresenta a Santa Cruz, no ato litúrgico romano da Sexta-feira da Paixão.

Antes do século XIX, o serviço da Sexta-feira Santa era complementado nas ruas de toda a Europa por grandes procissões, com imagens do Cristo sofredor e da Virgem dolorosa carregadas em andores ornamentados. Esse costume é mantido até hoje nos países latinos do Novo e do Velho Mundo. Outras devoções populares, ou que já foram populares, incluem a Devoção das Quarenta Horas, a Devoção das Três Horas (já mencionada) e a Via Sacra, sendo esta última frequentemente dramatizada ao ar livre (nas comunidades hispânicas).

Por outro lado, no rito bizantino, o traço mais marcante do ofício da Sexta-feira Santa é a “cerimônia de sepultamento” de Nosso Senhor, em que os fiéis choram a morte de seu Salvador em uma espécie de procissão fúnebre. Uma mortalha grande, e em geral ornamentada, de nome epitaphios (“epitáfio”), carrega a imagem de Cristo e é conduzida ao redor do perímetro da igreja, antes de ser colocada em um sepulcro. Além da procissão, cantam-se doze Evangelhos, rezam-se várias ladainhas e faz-se uma vigília diante do sepulcro.

4. Santas Mortes. — A tradição hagiográfica católica também honra a memória de vários santos cujo nascimento para a bem-aventurança eterna ocorreu no aniversário da morte de Nosso Senhor. Muitas vezes, seus dias de festa são transferidos para outra data; ainda assim, o dia em que morreram constitui parte significativa da história de suas vidas [iv].

Santo Ustazades, Santa Tárbula e milhares de outros mártires persas foram mortos em uma perseguição brutal que começou ao meio-dia da Sexta-feira Santa, em 341 d.C., e terminou na Oitava de Páscoa do mesmo ano. Ustazades era um eunuco favorecido pelo rei; quando foi martirizado, o tirano ressentido limitou a perseguição a bispos, padres, monges e religiosas. Tárbula, por outro lado, era uma bela virgem consagrada que preferiu ser serrada ao meio [que ceder] aos avanços lascivos de seus juízes. Seu dia de festa [no rito antigo] é 22 de abril. [No rito novo, tais mártires são lembrados a 17 de abril.]

Santo Ambrósio, por Claude Vignon.

Santo Ambrósio de Milão (falecido em 397) é um dos grandes Doutores latinos da Igreja e o bispo que facilitou a conversão de Santo Agostinho de Hipona à fé católica. Numa Sexta-feira Santa, Ambrósio rezou durante suas últimas horas com os braços estendidos, imitando seu Mestre crucificado, e faleceu logo depois de receber o viático. Sua festa é celebrada em 7 de dezembro, aniversário de sua ordenação episcopal.

São Protério, um dos Patriarcas de Alexandria, foi morto a facadas no ano 454 por cismáticos eutiquianos [monofisitas], em um batistério onde ele havia se refugiado. Depois de matá-lo, os cismáticos “arrastaram seu corpo morto por toda a cidade, cortaram-no em pedaços, queimaram-no e espalharam as cinzas no ar”. Seu dia de festa é 28 de fevereiro [no calendário antigo e 28 de março no rito novo].

São Gualtério de Pontoise foi abade na Abadia de São Martinho, perto de Pontoise, na França. Ele temia tanto ficar vaidoso por governar um mosteiro que frequentemente fugia dele. Por fim, o Papa teve de ordenar que ele permanecesse em sua abadia. São Gualtério foi espancado e aprisionado por seus companheiros beneditinos por sua oposição à simonia dentro da Ordem, mas suportou a perseguição com paciência e até mesmo com alegria. Faleceu em 8 de abril de 1099, e sua festa continua sendo neste dia.

São Francisco de Paula, fundador da Ordem dos Mínimos, sentiu, aos 91 anos de idade, que sua morte estava se aproximando. Reunindo seus discípulos e deixando-lhes suas últimas instruções, ele morreu na Sexta-feira Santa de 1507, enquanto ouvia a leitura da Paixão segundo São João. Sua festa é celebrada em 2 de abril, dia em que ele faleceu. Cinquenta e cinco anos depois, quando seu túmulo foi profanado por [calvinistas] huguenotes, descobriu-se que o corpo do santo estava incorrupto. Mesmo assim, os hereges arrastaram para fora seu cadáver e queimaram-no.

Santa Margarida Clitherow, também conhecida como a “Pérola de Iorque”, é uma das quarenta grandes mártires inglesas, vítimas da perseguição anglicana, canonizadas pelo Papa Paulo VI em 1970. Presa por abrigar em casa padres católicos perseguidos, ela se recusou a defender a própria causa no tribunal, alegando que seus filhos pequenos poderiam ser torturados e forçados a dar testemunho. Como consequência, Margarida recebeu a punição padrão para os “recusantes”: foi despida e esmagada até a morte por um peso imenso. Os dois oficiais encarregados de sua execução não tiveram coragem de cumprir a ordem e, em vez disso, contrataram quatro mendigos. Após sua execução, até mesmo a implacável Rainha Elizabeth I escreveu aos cidadãos de Iorque para expressar seu horror com a morte de Santa Margarida, que, por ser mulher, não deveria ter recebido a pena capital. Seu dia de festa é 30 de agosto [mas seu dies natalis é 25 de março].

São João Batista de la Salle.

São João Batista de la Salle fundou os Irmãos das Escolas Cristãs e é o santo padroeiro dos professores; devido às vastas reformas educacionais que instituiu, ele também é considerado o pai da pedagogia moderna. Para atender às terríveis necessidades educacionais e sociais de sua época, esse santo sacerdote propôs a ideia radical de escolas populares gratuitas. Entre suas reformas estavam o foco na leitura e o ensino de crianças do ensino fundamental em língua vernácula no lugar do latim. Durante a Semana Santa de 1719, São João Batista sentiu que sua vida estava chegando ao fim. Na Quinta-feira Santa, abençoou os irmãos que se reuniram em torno de seu leito e, na Sexta-feira Santa, “entregou a alma nas mãos de seu Criador”. Sua festa é celebrada em 15 de maio [no rito antigo; e na data de sua morte, 7 de abril, no novo calendário].

Depois de décadas ensinando crianças pequenas e cuidando de doentes e idosos, a Serva de Deus Maria Luísa Godeau Leal fundou as Agostinianas de Nossa Senhora d’Ajuda e assumiu o nome religioso de Irmã Maria da Eucaristia e do Espírito Santo. Maria, natural da Cidade do México, morreu na Sexta-feira Santa, em 31 de março de 1956. Atualmente, sua causa está sendo apresentada para canonização.

Por fim, deve-se mencionar Santa Verônica Giuliani que, embora não tenha falecido na Sexta-feira Santa, teve uma vida marcada por esse dia santo. Verônica foi mística, abadessa clarissa e recebeu os estigmas de Jesus. Com apenas um ano e meio de idade, pronunciou suas primeiras palavras, em resposta a um comerciante que distribuía uma medida falsa de óleo: “Sê justo, Deus te vê”. Ela teve o privilégio de receber comunicações divinas desde os três anos de idade. Amava tanto os pobres que muitas vezes lhes dava as roupas que vestia. Quando ela tinha quatro anos, “sua mãe moribunda confiou cada um de seus cinco filhos a uma das santas chagas de Cristo”: a Verônica foi atribuída a ferida do lado de Cristo [v].

Depois de entrar para as clarissas, ela desejava unir-se a Cristo em seus sofrimentos. Por fim, foi agraciada com os estigmas na forma da coroa de espinhos, que deixou nela feridas dolorosas e permanentes. E, na Sexta-feira Santa de 1697, Verônica recebeu a impressão das chagas de Cristo em suas mãos, pés e lado. Após sua morte, foi realizada uma autópsia e descobriu-se que em seu coração havia símbolos visíveis da Paixão de Cristo. Seu corpo, sepultado em seu monastério, em Città di Castello (na Itália), permaneceu incorrupto até ser destruído por uma enchente do rio Tibre.

Vitral na Basílica de São Patrício, em Ottawa, retratando a conversão de Santo Huberto.

5. Conversões. — A Sexta-feira Santa é auspiciosa tanto para os vivos quanto para os mortos. Vários pecadores se tornaram santos ou, pelo menos, embarcaram no caminho da santificação por causa dessa data litúrgica. 

Dois santos tiveram uma experiência de conversão enquanto caçavam. 

Conta-se que Santo Eustáquio (mártir romano) e Santo Huberto (confessor medieval e bispo alemão) aproveitavam com irreverência o dia em que o Sangue de Nosso Senhor fora derramado por nós tentando derramar, por esporte, o sangue de um animal. Então, encontraram um veado com uma cruz brilhante entre seus grandes chifres. No caso de Huberto, o caçador atordoado caiu de joelhos e ouviu uma voz que lhe disse: “Huberto, a menos que te voltes para o Senhor e leves uma vida santa, descerás rapidamente para o Inferno”. O homem atendeu ao alerta e acabou se tornando o sábio e santo bispo de Maastricht [e depois o primeiro bispo de Liège]. Hoje, o rótulo de um forte licor chamado Jägermeister (alemão para “caçador mestre”) exibe a imagem de um veado com uma cruz entre os chifres [em clara alusão a esse episódio].

Mas talvez a história mais forte de conversão envolvendo a Sexta-feira Santa seja a vida de São João Gualberto († 1073). 

O perdão de São João Gualberto ao assassino de seu irmão. Obra de Niccolò di Pietro Gerini.

São João era um nobre italiano cujo único irmão fora assassinado por um suposto amigo. Depois de jurar vingança, acabou ficando frente a frente com o homicida, numa passagem estreita, em dia de Sexta-feira Santa. Ao desembainhar a espada para matar o assassino, este desceu do cavalo, ajoelhou-se [diante dele] e “rogou-lhe que poupasse a sua vida, pela Paixão de Jesus Cristo, que sofreu naquele dia”. A lembrança de Cristo, que rezou por seus algozes na Cruz, exerceu grande comoção sobre o santo. Levantando do chão o assassino, então, ele lhe disse: “Não posso recusar nada que me é pedido por causa de Jesus Cristo. [Por isso] não só te dou a vida, mas também a minha amizade para sempre. Roga por mim, para que Deus se digne perdoar o meu pecado”.

Depois, João foi a um mosteiro próximo para rezar e, enquanto se ajoelhava diante do crucifixo pedindo perdão por seus pecados, Cristo na Cruz inclinou-lhe a cabeça três vezes, indicando (na interpretação do santo) estar satisfeito com o seu arrependimento. Imediatamente, João pediu ao abade para ser admitido como monge. O abade [de início] ficou apreensivo pelo pai do rapaz, cuja decisão o deixou em choque, mas João Gualberto acabou por tornar-se um religioso exemplar, chegando mesmo a fundar a sua própria comunidade religiosa, em Vallombrosa, na Itália.

Conclusão. — Como podemos ver, não é à toa que chamamos de “santa” a Sexta-feira da Paixão de Nosso Senhor, bem como toda a semana em que ela está inserida. O dia em que o Santo dos Santos se entregou misericordiosamente por nós, e a comemoração que a Igreja faz todos os anos dessa entrega, criaram uma abundância de coisas “santas”, pequenas e grandes [vi].

Notas

  1. Nestas três primeiras seções, o autor cita várias vezes o livro Handbook of Christian Feasts and Customs, do Pe. Francis X. Weiser, S.J. As referências todas podem ser consultadas no texto original. (N.T.)
  2. Evelyn Vitz, A Continual Feast (Ignatius Press, 1985), p. 190.
  3. Katherine Burton e Helmut Ripperger, Feast Day Cookbook (Catholic Authors Press, 2005), p. 53.
  4. Maior parte dos relatos aqui foram extraídos das famosas Lives of the Saints, do Pe. Alban Butler, que pode ser consultado na internet. (N.T.)
  5. Joan Carroll Cruz, The Incorruptibles (TAN Books, 1977), p. 252.
  6. Tomamos a liberdade de adaptar este último parágrafo, considerando o modo diferente como os anglófonos se referem à Sexta-feira Santa: Good Friday — literalmente, “Sexta-feira Boa”. Aqui, no texto original, o autor se interroga sobre as origens desse termo: “É como o termo holandês Goede Vrijdag, que significa a mesma coisa, ou é, como outros especularam, uma corruptela de God’s Friday [‘Sexta-feira de Deus’]? Seja como for, podemos ver como a sexta-feira da misericordiosa doação de Deus, e a memória anual que a Igreja faz dela, criaram uma abundância de coisas boas, tanto pequenas como grandes”. (N.T.)

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