No início da pregação evangélica a Igreja de Corinto teve de enfrentar sérias polêmicas entre os membros da comunidade. A briga tinha por motivo a mentalidade sectarista de certos grupos que adotavam uma linguagem dúbia em relação à fé: "Eu sou discípulo de Paulo; eu, de Apolo; eu, de Cefas; eu, de Cristo. (Cf. 1 Cor 1, 12)". Preocupado com o iminente cisma da Igreja de Corinto, São Paulo a aconselhou a viver em "em pleno acordo", ordenada "no mesmo espírito e no mesmo sentimento".
Circula em vários ambientes católicos, sobretudo naqueles influenciados por uma teologia que há muito perdeu o bonde da história, um tal sentimento de cisma que faz recordar exatamente a situação dos coríntios. Mas agora, com novos personagens: Bento XVI e Francisco. Desde que assumiu a Cátedra de Pedro, Bergoglio vem sendo instrumentalizado, quer por gente de fora, quer por gente de dentro da Igreja, para contrapor seu estilo pastoral ao de seus predecessores, como se o Espírito Santo estivesse dormindo durante todo esse tempo e só agora acordado para prestar assistência à sua Divina Esposa.
Esse raciocínio não é somente absurdo, mas também nocivo. E é nocivo porque denota o espírito pagão de quem, erroneamente, se confessa católico. Não existe nada mais mundano que medir a Igreja pela régua da "luta de classes", da separação entre "direita e esquerda". O Corpo de Cristo é cristológico, não funciona como uma câmara de deputados. As colunatas de Bernini na Praça de São Pedro indicam justamente o abraço acolhedor da Igreja Mãe. Um abraço que acolhe a todos, sem distinção, porquanto já "não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus" (Cf. Gl 3, 28). Quem separa os filhos de Deus em categorias terrenas serve a outro espírito, cujo nome faz jus aos seus seguidores: Satanás, o divisor!
O sujeito que assume a identidade cristã, assume não por "uma decisão ética" ou por "uma grande ideia", mas por causa do encontro "com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo"[1]. Das próprias ideias, gostos e opções ideológicas surgem os clubes, os partidos políticos, os círculos de debate, nunca a Igreja, pois em sua origem está outro princípio: o da obediência ao chamado do Senhor. Lembra o Cardeal Ratzinger, "a essência da conversão consiste em que eu já não procure meu partido, com meus interesses e meus gostos, mas me entregue às mãos do Cristo e me torne seu, me torne membro de seu corpo, que é a Igreja"[2].
Francisco é "filho da Igreja", não líder de uma facção de militantes aloprados. Sabe que "a fé é uma só" e que se deve confessá-la "em toda a sua pureza e integridade". Professa o ensinamento de Pedro, aquele professado semper, ubique et ab omnibus (sempre, por todos e em todos os lugares), com cada um de seus artigos "unitariamente ligados". Exorta para que "se transmita todo o depósito da fé (cf. 1Tm 6, 20) e para que se insista oportunamente sobre todos os aspectos da confissão de fé." Certo de que a unidade do credo apostólico é a unidade da própria Igreja, alerta que "tirar algo à fé é fazê-lo à verdade da comunhão."[3]
Não é preciso muito esforço para perceber o quão distante de Francisco estão os títeres que o contrapõem a Bento XVI. Enquanto estes o ultrajam e o ridicularizam prazerosamente, aquele o reconhece como alguém de grande "humildade e sabedoria", sendo uma loucura recusar um conselho seu[4]. As vedetes da (falsa) libertação não amam Francisco, amam o espantalho que criaram dele, assim como fizeram os sectários da comunidade de Corinto com São Pedro e São Paulo. Qualquer elucubração que proceda dessa parte não vai passar disto: cizânia no meio do trigo. Os católicos verdadeiros, porém, estão com Francisco como estiveram com Bento XVI e com todos os outros papas da história, uma vez que a fé de Pedro é a fé da Igreja Católica Apostólica Romana, "coluna e sustentáculo da verdade" (Cf. 1Tm 3, 15) e sobre a qual "as portas do inferno não prevalecerão" (Cf. Mt 16, 18).
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