De tantos discípulos que Jesus reuniu em torno de Si, apenas doze tiveram o privilégio de se sentar à mesa com Ele e participar de Sua intimidade. Eles eram chamados de "amigos", pois o Senhor deu-lhes a conhecer tudo quanto ouviu de Seu Pai (cf. Jo 15, 15). A eleição dos doze "apóstolos" – como ficaram conhecidos – era a demonstração clara de que Jesus queria uma Igreja hierárquica.

Um personagem especial, no entanto, mesmo não tendo convivido dia a dia com o Senhor, recebeu a dignidade de ser chamado de "apóstolo". Ao assinar suas cartas às primeiras comunidades cristãs, era assim que São Paulo se intitulava: "Paulo, servo de Jesus Cristo, escolhido para ser apóstolo, reservado para anunciar o Evangelho de Deus" (Rm 1, 1); "Paulo apóstolo – não da parte de homens, nem por meio de algum homem, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai que o ressuscitou dos mortos" (Gl 1, 1); "Paulo, apóstolo de Jesus Cristo por ordem de Deus, nosso Salvador, e de Jesus Cristo, nossa esperança" (1 Tm 1, 1). Como ousava denominar-se "apóstolo" este homem que sequer tinha andado com o Cristo, mas, ao contrário, como se sabe, perseguia e matava os primeiros cristãos?

Viajando a Damasco, Saulo – como se chamava antes de adotar definitivamente o nome de Paulo – estava prestes a "levar presos a Jerusalém todos os homens e mulheres que achasse" seguindo a doutrina cristã (At 9, 2). Um encontro inesperado, porém, o impede. "Subitamente o cercou uma luz resplandecente vinda do céu", narra São Lucas (v. 3). Desenrolou-se, então, o famoso diálogo entre aquele homem e o próprio Salvador (cf. v. 4-6). Ali, Saulo deparava-se com o mistério de Cristo – e, ao mesmo tempo, com o mistério da Igreja.

A vocação deste homem foi de uma importância extraordinária para a Igreja primitiva. Se não é exato dizer que a expansão do Evangelho "precisava" de São Paulo, sua contribuição, no entanto, foi de uma valia que ninguém ousa menosprezar ou contrariar. Em revelação a Ananias – o discípulo que fez Saulo recobrar a visão, que tinha perdido na estrada para Damasco –, o Senhor disse: "Este homem [Paulo] é para mim um instrumento escolhido, que levará o meu nome diante das nações, dos reis e dos filhos de Israel" (At 9, 15).

A pregação de São Paulo não se limitou, todavia, a atingir os filhos de Israel. As inúmeras viagens que empreendeu, fundando igrejas por todos os cantos do mundo de então, reservaram-lhe o título de "apóstolo dos gentios". Por seu nome grego, por sua descendência e educação hebraicas e por sua cidadania romana, Paulo era o modelo ideal da confluência entre as três grandes civilizações de seu tempo, estando apto, por isso, a estabelecer um diálogo frutuoso com inúmeras culturas, mostrando-lhes a beleza do Evangelho e conduzindo-as a Cristo.

De fato, após o encontro com Jesus na estrada para Damasco, ensina Bento XVI, "Paulo não podia continuar a viver como antes, agora sentia-se investido pelo Senhor do encargo de anunciar o seu Evangelho como apóstolo" [1]. Este deveria ser um exame diário de todo batizado. Estar face a face com Cristo significa ser cercado por uma luz resplandecente que, de tão forte, cega a própria visão, impede que se tenha olhos para outras coisas que não seja Deus. É deste deslumbrar-se que nasce a consciência da missão. Só contemplando Paulo imerso na face de Jesus que é possível entender sua exclamação: "Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!" (At 9, 16).

Eis a chave para compreender o ardor missionário de Paulo. "Todo este esforço e toda esta aplicação com vistas à eficácia estavam profundamente ligados, na alma do Apóstolo, a uma participação ininterrupta na vida divina", sublinha Daniel-Rops. "Não há, nos grandes místicos, nenhuma separação entre a ação prática e a contemplação de Deus. Desde a hora em que Saulo, o fariseu, se tinha voltado para a luz, tudo nele se tinha dado a Deus, tudo se tinha perdido em Deus; como diria mais tarde, já não era ele que vivia, mas Cristo que vivia nele" [2].

O Apóstolo só era capaz de viajar e anunciar a Palavra às outras pessoas porque ele mesmo bebia profundamente da água viva de Cristo, através da oração contínua e perseverante. É da pena do viajante de Tarso que se tem o primeiro relato de êxtase de toda a literatura cristã: "Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi arrebatado até o terceiro céu. Se foi no corpo, não sei. Se fora do corpo, também não sei, Deus o sabe. E sei que esse homem – se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe – foi arrebatado ao Paraíso e lá ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a um homem repetir" (2 Cor 12, 2-4).

Foi em união íntima com Jesus – como viveram os Doze – que morreu São Paulo, decapitado, na via Óstia, em Roma. "Combati o bom combate, concluí a minha carreira, guardei a fé" (2 Tm 4, 5). O homem que tantos quilômetros percorrera para anunciar a Cristo fazia sua última e definitiva viagem.

Referências

  1. Papa Bento XVI, Audiência Geral (10 de setembro de 2008).
  2. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires. Quadrante: São Paulo, 1988.

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