No mesmo século em que Nossa Senhora do Bom Sucesso profetizara: “Quase não haverá almas virgens no mundo”, o Brasil viu algumas mulheres resistirem até o derramamento do próprio sangue para conservar intacta a sua pureza e virgindade. 

Quatro delas foram beatificadas pela Igreja em tempos recentes (2007 e 2022), confirmando a imemorial teologia católica do martírio, segundo a qual é melhor perder tudo, inclusive a própria vida, que ofender a Deus com um único pecado mortal

Para que a vida dessas virgens e mártires possa inspirar a nossa infância e juventude, repassemos rapidamente as suas biografias.

Beata Albertina Berkenbrock († 1931)

A “Maria Goretti do Brasil” nasceu a 11 de abril de 1919, na zona rural de Imaruí, Santa Catarina, numa família de origem alemã, simples e profundamente cristã. Desde muito cedo, todos notavam sua particular bondade e mansidão, advinda da boa educação religiosa que recebera dos pais. A pequena Albertina ajudava-os no trabalho dos campos e especialmente em casa, sempre com docilidade, obediência e prontidão. Também chamava a atenção sua paciência: até quando os irmãos batiam nela, a menina sofria em silêncio, unindo-se aos sofrimentos de Jesus, a quem amava de todo o coração.

Pintura da Beata Albertina Berkenbrock.

Graças a iniciativa do Papa São Pio X, Albertina pôde receber a Sagrada Comunhão desde a mais tenra idade — mais especificamente, aos 9 anos. Era notável sua piedade e recolhimento quando recebia Jesus sacramentado, e foi esse, sem dúvida, o grande segredo de sua força no fatídico evento que culminou em sua morte, a 15 de junho de 1931.

Nesse dia, Albertina estava apascentando os animais da família, quando o pai lhe disse para sair à procura de um boi que havia se distanciado do terreno. A menina obedeceu e, no campo vizinho, encontrou Idanlício Cipriano Martins, a quem perguntou se vira o animal passar por ali. (Idanlício atendia pelo nome de Manuel, ou Maneco, tinha 33 anos e vivia com a esposa perto da casa dos Berkenbrock. Embora já tivesse matado uma pessoa, era considerado por todos um homem honesto e trabalhador. Seus filhos, aliás, brincavam com Albertina, e a menina ia às vezes levar comida à casa dele.) 

Nesta oportunidade, porém, para disfarçar o projeto mau que já trazia no coração, Maneco se ofereceu para ajudar a menina, levou-a até um bosque próximo e convidou-a para se deitar com ele. A menina disse que não e, por isso, Maneco puxou-a pelos cabelos e jogou-a no chão. Como continuasse a resistir, ele pegou então um canivete e cortou-lhe o pescoço. A menina morreu imediatamente. 

Enquanto o corpo da menina era velado, Maneco procurou ficar perto da casa, para demonstrar sua “inocência”. Mas, toda vez que se aproximava do cadáver de Albertina, a grande ferida no pescoço dela começava a sangrar de novo. Depois que foi descoberto e preso, o assassino revelou aos companheiros de prisão: Albertina não consentiu em deitar-se com ele dizendo que isso era “pecado”.

A menina foi beatificada em 20 de outubro de 2007, pelo Papa Bento XVI.

Beata Benigna Cardoso da Silva († 1941)

Enquanto Albertina recebia no Sul a Primeira Comunhão, nascia em Santana do Cariri (Ceará), Benigna Cardoso da Silva, a 15 de outubro de 1928.

A Bem-aventurada Benigna Cardoso da Silva, martirizada aos 13.

Mais nova de quatro irmãos, Benigna ficou órfã muito cedo, perdendo o pai antes mesmo de nascer e a mãe com apenas um ano de idade. Ela e os irmãos foram adotados, então, pelas senhoras Rosa e Honorina Sisnando Leite, proprietárias do sítio em que viviam, e por elas foram cuidadosamente bem educados, frequentando tanto a escola quanto a igreja. Benigna cresceu como aluna devota e fiel, participando com assiduidade da Santa Missa e das atividades da paróquia Sant’Ana. Também fazia trabalhos domésticos, auxiliando as duas senhoras idosas que a haviam adotado.

Aos doze anos, foi abordada por um rapaz prepotente, que começou a importuná-la. Benigna, que não tinha interesse em começar um relacionamento em tão tenra idade, rejeitou-o. Procurou a orientação de seu pároco, e este a aconselhou a resistir. 

Todavia, o jovem continuou a pressioná-la cada vez mais, chegando mesmo a ficar violento. Depois de várias tentativas infrutíferas, na tarde de 24 de outubro de 1941, quando soube que Benigna ia tirar água de um poço, decidiu ocultar-se em meio à vegetação e esperar por ela. Surpreendeu-a, então, e tentou agarrá-la à força, mas Benigna mostrou uma resistência notável. Tomado pela fúria, enfim, o jovem pegou um facão que trazia consigo e desferiu-lhe quatro golpes: o primeiro cortou três dedos da mão direita da menina, que tinha feito um gesto automático de defesa; o segundo atingiu-lhe a testa; o terceiro, os rins; e o quarto e fatal, no pescoço, praticamente cortou a sua garganta. Quando se deu conta do que havia feito, o assassino fugiu.

O corpo da pequena Benigna, de treze anos, foi encontrado pelo irmão, que tinha saído à sua procura. Alguns dias mais tarde, seu assassino foi apanhado e preso. Cinquenta anos depois, o homem regressou ao local do crime, que tinha se tornado um centro de peregrinação, e expressou publicamente o seu arrependimento.

Benigna Cardoso da Silva foi beatificada no mesmo dia em que morreu, em 2022.

Bem-aventurada Isabel Cristina († 1982)

Isabel Cristina Mrad Campos nasceu a 29 de julho de 1962, em Barbacena, Minas Gerais, no seio de uma família de condição econômica modesta.

Frequentou desde muito cedo sua igreja paroquial, fazendo parte do grupo de jovens da Sociedade de São Vicente de Paulo. Também ia sempre ao Mosteiro da Visitação, rezava em família e confessava-se regularmente.

Seu sonho era ser médica pediatra. Por isso, assim que concluiu o antigo “colegial” (atual ensino médio), mudou-se para Juiz de Fora, a fim de fazer um curso pré-vestibular para medicina. Aí passou a viver, com o irmão, numa casa comprada pela família. 

Aconteceu porém que, para mobiliar a casa, a família tinha contratado uma empresa, e esta enviou à sua residência um homem chamado Maurílio Almeida Oliveira. No primeiro dia em que fora montar os móveis, a jovem Isabel Cristina, já perturbada com a sua atitude invasiva, permaneceu em oração o tempo todo — como ela mesma contou aos amigos e familiares. 

Dois dias depois, porém, em 1.º de setembro de 1982, o montador de móveis, sabendo que ela estava sozinha, voltou já disposto a violentá-la. Chegou ao apartamento por volta das 15h, conseguiu que ela abrisse a porta, ligou a TV no volume máximo e, por fim, atacou-a. 

De acordo com a investigação, o assassino bateu na cabeça de Isabel, amarrou-lhe as mãos, pôs-lhe uma mordaça, arrancou-lhe as roupas íntimas, arranhou-lhe os membros inferiores e, depois, esfaqueou-o treze vezes nas costas e no abdômen, desferindo ainda mais duas facadas na região da pelve. A autópsia revelou que, apesar da ferocidade do ataque, a jovem tinha conseguido preservar intacta a sua virgindade — uma consequência da virtude da castidade, que ela já trazia como hábito em sua vida.

A Igreja beatificou Isabel Cristina no dia 10 de dezembro de 2022.

Beata Lindalva Justo de Oliveira († 1993)

Nascida na região rural de Assú (Rio Grande do Norte), em 20 de outubro de 1953, Lindalva era a sexta de treze irmãos. No seio da família aprendeu as primeiras orações e rudimentos da fé. Seu pai lia a Bíblia com frequência para todos os filhos e levava-os à Santa Missa. Com a mãe, aprendeu a cuidar dos mais pobres e ajudá-los em suas necessidades — ofício que viria a se tornar a sua vocação pelo resto da vida.

Já na idade adulta, mudou-se para Natal, época em que passou a frequentar a casa das Filhas da Caridade e o asilo de idosos em que elas trabalhavam. Depois de assistir amorosamente o pai, vítima de um câncer, nos últimos meses de sua vida, Lindalva começou a refletir mais seriamente sobre a vocação e o sentido da própria vida. Aos 33 anos, então, pediu a admissão ao postulantado das Filhas da Caridade, e efetivamente o começou a 11 de fevereiro de 1988, na casa provincial de Recife.

Durante esse período, edificou bastante todas as suas companheiras, refulgindo por sua especial alegria e prontidão no cuidado para com os pobres. Comprometeu-se a servir os mais necessitados de uma favela, chegando inclusive a transportar tijolos para a construção de casas no bairro — tudo isso acompanhado de uma intensa vida de oração.

Em 1991, já como noviça, Lindalva foi transferida para Salvador, Bahia, a fim de prestar seus serviços num asilo de idosos. Era notável a cordialidade com que a irmã tratava todas as pessoas, realizando os trabalhos mais humildes e fomentando nos idosos de que cuidava a oração e recepção contínua dos sacramentos.

Todavia, em janeiro de 1993, chegou ao asilo um homem chamado Augusto da Silva Peixoto, o qual, embora não tivesse direito a entrar devido à sua idade (46 anos), obtivera uma recomendação para ser acolhido. A Irmã Lindalva procurou tratá-lo com a mesma cortesia que dispensava aos outros hóspedes, mas este senhor, de caráter difícil, apaixonou-se pela jovem religiosa. 

Começou para ela, então, um período muito difícil de provações. Compreendendo as intenções de Augusto, primeiro Lindalva tentou fazê-lo compreender que era totalmente consagrada a Deus. Mesmo com medo do homem, não queria deixar o asilo, pois amava as obras de caridade que fazia. “Prefiro que meu sangue seja derramado do que afastar-me daqui”, confessou a uma das irmãs.

Ante o comportamento de Augusto, Lindalva advertiu o diretor de serviço social do asilo, o qual chamou a atenção do senhor — e este prometeu corrigir-se. Mas, nos dias anteriores à Semana Santa, cresceram nele a raiva e o ódio, bem como o desejo de vingar-se. 

Na Sexta-feira Santa, então, dia 9 de abril, com uma peixeira que havia comprado dias antes, Augusto dirigiu-se até o pavilhão onde Irmã Lindalva servia aos idosos o café da manhã e esfaqueou-a pelas costas, acima da clavícula. A faca atravessou-lhe a jugular e penetrou profundamente em seu pulmão. Tomado por um frenesi diabólico, então, o homem continuou a feri-la em vários lugares. (Os médicos legistas identificaram nada menos que 44 perfurações em todo o seu corpo.) As pessoas que estavam ao redor tentaram intervir, mas o assassino ameaçou matar quem quer que se aproximasse. No tribunal, Augusto declarou que tinha assassinado a religiosa precisamente por causa da rejeição que sofrera.

Já no dia seguinte, Sábado Santo, ao celebrar as exéquias de Lindalva, o Cardeal Lucas Moreira Neves, então arcebispo de Salvador, não pôde deixar de relacionar o martírio da religiosa com a Paixão de Cristo. 

No dia 2 de dezembro de 2007, o Papa Bento XVI beatificou-a, e a data de sua comemoração — ainda não inscrita no calendário litúrgico do Brasil — ficou sendo 7 de janeiro, aniversário de seu batismo.

* * *

A história dessas mulheres, que tiveram seu sangue derramado em nosso solo por amor a Cristo, devem lembrar-nos o tesouro que são a pureza e a fidelidade aos mandamentos de Deus. 

Sim, porque, ao contrário do que nos poderia fazer crer uma perspectiva naturalista dessas biografias, não foi a mera brutalidade que elas sofreram a razão de seu martírio e beatificação por parte da Igreja. (Se assim fosse, todas as vítimas de crimes bárbaros deveriam ser alçadas à posição de heroínas.) 

Não, o que faz brilharem essas mulheres é a sua fé sobrenatural e grande amor a Deus. Num raciocínio puramente natural, bastaria colocar na balança, de um lado, a sua vida biológica, e, de outro, a sua integridade física. — E é óbvio que a primeira é mais importante que a segunda! Mas não foi isso o que pensaram essas nobres cidadãs do Céu! Sua motivação foi sobrenatural: a vida da graça é mais importante que a do corpo; portanto, é melhor perder esta que aquela

Quando tantos, dentro da própria Igreja, advogam a mutilação da doutrina moral católica, relativizam o pecado e falam dos mandamentos e da santidade como “ideais” praticamente impossíveis de ser seguidos, que as vidas (e mortes) da Beata Albertina, Beata Benigna, Beata Isabel Cristina e Beata Lindalva sirvam-nos de modelo e incentivo para a virtude. E que, do Céu, elas também roguem por nós junto a Deus.

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