É assombroso, mas estamos anestesiados e, por isso, talvez nem nos assustemos mais com a gravidade do que Nossa Senhora do Bom Sucesso profetizou a respeito de nossa época. Deveria impressionar-nos não só o fato de essa revelação ter-se dado a uma monja no longínquo século XVI, mas também a força das palavras usadas pela Virgem Santíssima na ocasião. “Quase não haverá almas virgens no mundo”, ela disse. “Nesses tempos estará a atmosfera saturada do espírito de impureza, que, à maneira de um mar imundo, correrá pelas ruas, praças e logradouros públicos com uma liberdade assombrosa.”
Detenhamo-nos sobretudo na expressão “almas virgens”, que indicam muito mais do que pode parecer a um primeiro olhar.
Lembremo-nos primeiro que o cristianismo é uma religião essencialmente interior, desde o seu princípio. As inúmeras condenações de Cristo aos “ritualismos” a que estavam presos os fariseus são suficientes para fazer-nos ver que não basta, na religião fundada por Nosso Senhor, praticar um ou outro ato externo de devoção para ser justo. Esta fórmula pode estar desgastada — principalmente em nosso tempo, tão pouco dado às práticas religiosas —, mas continua sendo verdadeira: Deus olha o coração. O lamento de Deus colocado na boca do profeta Isaías, e que o próprio Jesus repete dirigindo-se aos mesmos fariseus, é simples: “Este povo me honra somente com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim” (Is 29, 13).
Esta necessidade de uma conversão radical, que envolva os afetos mais íntimos do ser humano, Nosso Senhor a procurou inculcar nos seus discípulos desde o início de sua pregação: leiam-se, por exemplo, no Sermão da Montanha, os versículos com os quais Jesus “reforma” o quinto (cf. Mt 5, 21-26) e o sexto mandamentos do Decálogo (cf. Mt 5, 27-32). Agora, já não basta “não matar”, é preciso amar o próximo e viver fraternalmente com ele, sem iras e contendas de nenhum tipo; já não basta “não cometer adultério”, é preciso vigiar os próprios pensamentos para evitar todo tipo de impureza. Em suma, não basta evitar determinados atos externos, é preciso ter o coração limpo em primeiro lugar.
Com isso, podemos entender melhor o termo “almas virgens”, a cuja ausência Nossa Senhora se referiu falando de nosso tempo.
Primeiro, a Mãe de Deus não está falando aqui da virgindade em sentido estrito, em sua acepção meramente física (que é o sentido em que hoje comumente entendemos essa expressão). O mal de nossa época não é que as pessoas tenham relações sexuais porque o sexo seria algo “impuro” em si mesmo, nem poderia ser este o problema, porque, afinal de contas, é do relacionamento conjugal que vêm os filhos, e Cristo, em sua vida terrestre, fez questão de elevar o casamento à dignidade sacramental (ou seja, o relacionamento entre um homem e uma mulher, com o auxílio da graça de Deus, é destinado a santificá-los, a eles e a seus filhos).
Mas, segundo, também não parece que, com a expressão “almas virgens”, a Mãe de Deus esteja falando simplesmente do menor número de pessoas que se entregariam a Deus, em nosso tempo, por meio da vida religiosa. Não que esse dado não seja verdadeiro (porque tragicamente o é), mas a referência direta de Nossa Senhora à “atmosfera saturada de espírito de impureza” faz pensar mais nas “ruas, praças e logradouros públicos” que nos claustros, mais no ambiente secular que nas casas religiosas.
Portanto, ao falar da escassez de “almas virgens”, a que mais a Virgem do Bom Sucesso queria aludir, senão à perda da pureza nos corações? Que os jovens se entreguem ao sexo desregrado cada vez mais cedo, é sem dúvida uma grande tragédia; mas como eles chegaram a esse ponto, senão perdendo primeiro a inocência de alma, por meio da TV, das telas de smartphones e das músicas mundanas? Que cada vez menos almas queiram se dedicar à vida consagrada, é sem dúvida uma grande lástima; mas como os homens e mulheres de nosso século quererão dar tudo a Deus, se não estão dispostos nem a lhe dar o mínimo, que é a observância dos Mandamentos?
Por isso, precisamos redescobrir e reviver, com urgência, a “virgindade de alma”, que nada mais é do que a velha virtude cristã da castidade. Não que fosse fácil vivê-la em outras épocas (afinal, esse ensinamento de Cristo sempre foi “pedra de tropeço” para o mundo), mas o nosso século, devido em grande medida ao bombardeio pornográfico dos últimos anos, tornou-se particularmente insensível a esse apelo do Evangelho, de modo que muitos de nós sequer acreditamos que a pureza de alma seja possível!
Deus, no entanto, não nos manda o impossível — creiamo-lo! — e no Evangelho Ele diz mui claramente: “Todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração” (Mt 5, 28); “Se teu olho direito — Ele continua — é para ti causa de queda, arranca-o”, “Se tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a e lança-a longe de ti” (Mt 5, 29-30). Sendo ainda mais claro: Se teu olho é para ti ocasião de desejares sexualmente as outras pessoas, seja na pornografia, seja na vida real, “arranca” de tua vida esse mau hábito! Se tua mão direita é para ti ocasião de pecares pela masturbação, ou pelos toques e abraços indecentes com outra pessoa, “corta” de tua vida este relacionamento! E se alguém ainda duvida de qual seja a gravidade deste pecado, Nosso Senhor conclui: “(...) é preferível perder-se um só dos teus membros a que o teu corpo inteiro seja atirado no inferno” (Mt 5, 30).
Muitos dizem que “os tempos mudaram”, e é verdade. Nossa Senhora do Bom Sucesso o havia profetizado. Mas se os tempos mudam, a palavra de Cristo não muda (cf. Mt 24, 35); se os tempos realmente mudaram, então mudaram para pior.
Por isso, se quisermos preservar nossas almas e nossas famílias da “atmosfera saturada” de sensualidade em que nos encontramos, não há outro remédio: precisamos ser extremamente cuidadosos com as imagens que avistamos, com os nossos relacionamentos, e até mesmo — tristes tempos os nossos! — com os lixos musicais que andam na moda. São Josemaría Escrivá dizia que “é necessária uma cruzada de virilidade e de pureza que enfrente e anule o trabalho selvagem daqueles que pensam que o homem é uma besta” (Caminho, 121), e ele tinha toda a razão. Essa cruzada é obra nossa!
Mas não venceremos — desiludamo-nos desde já — sem o auxílio da graça de Deus. É no nosso coração que mora o problema? O inimigo já está morando dentro de casa, como se diz? Então é contra nós mesmos a primeira luta que devemos travar, e — isso deveria ser óbvio para todos — não nos venceremos com nossas próprias forças. Precisamos recorrer a uma arma maior, ao auxílio de corações superiores, nos quais esta batalha da pureza tenha sido vencida e já reine a paz que tanto procuramos: por isso… Sagrado Coração de Jesus, Imaculado Coração de Maria e Coração castíssimo de São José, sede a nossa salvação! Restaurai-nos a pureza de alma e, se não somos mais “almas virgens”, fazei de nós ao menos almas penitentes!
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