Miguel de Cervantes, autor do grandioso Dom Quixote, nasceu na Espanha em 1547. A sorte da família, influente na sociedade no passado, já era outra quando Cervantes nasceu. O pai, empobrecido, tinha de viajar com frequência à procura de trabalho. Educado por jesuítas em Sevilha, Cervantes tornou-se soldado, o que lhe valeu uma participação em uma das mais importantes batalhas militares cristãs de todos os tempos: a Batalha de Lepanto.
Por volta de 1500, a frota naval do Império Otomano tornara-se muito poderosa, controlando a maior parte do Mediterrâneo, atacando com frequência partes das costas espanhola e italiana e forçando cristãos ao trabalho escravo no norte da África.
No dia 7 de outubro de 1571, um grupo de forças navais da Espanha, Nápoles, Veneza e Gênova lideradas por Dom João da Áustria se encontraram com forças otomanas no Golfo de Lepanto (atualmente Golfo de Corinto), na Grécia. O navio de Cervantes, o Marquesa, era parte da frota cristã. No início da luta, Cervantes achava-se muito doente; mas quando o capitão insistiu que ele ficasse para trás, ele respondeu: “Tenho sido até então um bom soldado. Não devo fraquejar agora, mesmo debilitado e com febre. É melhor lutar a serviço de Deus e do rei e morrer por eles do que me esconder” [i].
Ao cair da noite, as forças cristãs derrotaram a frota otomana, impedindo o inimigo não só de controlar todo o Mediterrâneo, mas também de invadir a Europa. Segundo o historiador Paul K. Davis, este sucesso encheu a Europa ocidental de confiança: a força otomana, antes invencível, poderia afinal ser derrotada.
Essa vitória decisiva foi atribuída à intercessão de Nossa Senhora por meio do Rosário. Sabendo que a Liga Santa não era páreo para a invencível força otomana, São Pio V convidou toda a Europa a rezar o Rosário a fim de alcançar de Deus a vitória cristã em Lepanto. O aniversário da batalha (7 de outubro), celebrada a princípio como festa de Nossa Senhora das Vitórias, passou a chamar-se mais tarde “festa de Nossa Senhora do Rosário”.
Em 1575, Cervantes foi capturado por forças turcas e escravizado em Argel por quatro anos. Mesmo cativo, foi elogiado por sua caridade para com os outros prisioneiros. Ele era conhecido por partilhar sua comida com os outros e por trazer de volta à fé outros cristãos encarcerados. O resgate se deu em 1580 graças aos frades trinitários e à sua própria família, e Cervantes pôde enfim retornar para a Espanha [ii].
Os vinte anos seguintes foram repletos de dificuldades para o autor, entre elas a falência e a prisão. Apesar da popularidade imediata alcançada por Dom Quixote, publicado em 1605, Cervantes sempre viveu na pobreza. Durante os últimos anos de vida, esteve acometido por um edema, e ele e a esposa eram tão pobres, que tiveram de viver na casa de um padre franciscano. Em 2 de abril de 1616, Cervantes professou votos na Ordem Terceira de São Francisco; duas semanas depois, recebeu a Extrema-Unção.
Quatro dias antes de morrer, escreveu: “Adeus, doces graças da vida; adeus, fantasia mais agradável; adeus, meus felizes amigos, pois sinto que estou morrendo, e o desejo do meu coração é que logo eu os veja todos na outra vida. Já com um pé no estribo, e na angústia da morte, meu Senhor, eu escrevo a ti”.
Cervantes morreu num sábado, 23 de abril de 1616, legando-nos um romance que, para Fiódor Dostoiévski, constitui “o irrevogável e mais sublime trabalho do pensamento humano”. Mais importante ainda, porém, foi a vida de fé, caridade e heroísmo militar que ele nos deixou como exemplo. Nas palavras de H. Ellis, “antes de escrever sobre a vida, ele passara seus melhores anos aprendendo as lições da vida”.
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