Em sua Carta às Famílias Gratissimam Sane, de 1994, o Papa João Paulo II escreveu:
Conhecendo bem a ampla e profunda incidência dos meios de comunicação social, a Igreja não se cansa de acautelar os operadores da comunicação para os perigos de manipulação da verdade. De fato, que verdade poderá haver em filmes, espetáculos, programas rádio-televisivos onde prevalecem a pornografia e a violência? Será este um bom serviço à verdade do homem?
Essa é uma questão muito importante. As nossas atividades recreativas não nos deveriam restaurar, nossos lazeres não nos deveriam conduzir para a verdade mais profunda das coisas? Seria um mal se a mídia à qual damos a nossa atenção nos desviasse, de modos óbvios ou sutis, da virtude moral e intelectual, do amor à beleza e da verdade última para a qual fomos criados.
O Pe. Dominic Legge, dominicano, explica o porquê:
Quando nós assistimos a atos de luxúria ou crueldade, nós tendemos a nos tornar mais luxuriosos e cruéis. O que você vê com os olhos, você acolhe na sua alma. Quanto do material de nossa época dito de “entretenimento” se enquadra nessa categoria?
Com essa consideração, esse sacerdote está simplesmente seguindo os passos do Doutor Angélico, o qual escreve na Suma (STh II-II 167, 2 ad 2):
O que torna perniciosa a assistência aos espetáculos é que, nas suas apresentações, eles inclinam o homem ao vício da lascívia ou da crueldade. Por isso, diz Crisóstomo, “esses espetáculos fazem os adúlteros e os impudicos”.
Outra consequência de se assistir a luxúria e crueldade exibidas explicitamente é que quem o faz torna-se indiferente ou até mesmo insensível a essas coisas, ficando entorpecido para o mal moral objetivo, e preguiçoso em reagir com o devido desgosto e arrependimento. Se eu assisto a estrelas de cinema fornicando ou assassinando, terei uma das três seguintes reações: ou sentirei simpatia pelo que elas estão fazendo — o que é algo pecaminoso para mim —, ou serei indiferente — o que também é pecaminoso —, ou sentirei repugnância. Este último sentimento é correto, mas nós não deveríamos sair por aí voluntariamente procurando por coisas repugnantes.
Além disso, já existe uma razão para se ter cautela e autocontrole com o quanto nós assistimos a essas coisas, e ela diz respeito à natureza dos meios de comunicação modernos. Os filmes, em particular, exercem um tipo de “mágica poderosa” porque preenchem nossa alma com imagens em alta definição, excessivamente atraentes (a que Aristóteles e S. Tomás chamavam “fantasmas”). A alma é incapaz de resistir a esse influxo e é modelada por sua influência.
As telas de TV e cinema tendem a um estímulo excessivo das faculdades de um animal racional: vão muito para o animal e pouco para o racional. Elas apelam primeiramente aos sentidos da carne, induzindo assim a uma primazia prática da matéria sobre a mente. Nossa memória e imaginação tornam-se saturados com aquilo que vemos e ouvimos.
O Pe. A.-G. Sertillanges, em A vida intelectual, nota com precisão que a nós cabe prezar e proteger a pureza e a quietude interiores. É difícil para criaturas decaídas como nós permanecer sem mácula no meio de uma geração corrompida e manter nossas mentes fixas nas coisas do alto, como nos manda fazer a Escritura. Mais difícil ainda é adquirir o silêncio interior e o recolhimento necessários à oração.
Imagine só, então, o que os grandes místicos diriam a respeito da televisão e dos filmes que nelas são exibidos. Pense em uma Santa Teresa de Jesus, em um São João da Cruz, em uma Santa Teresinha do Menino Jesus, ou em uma Santa Elisabete da Trindade: esses homens e mulheres não considerariam muito daquilo a que assistimos hoje, na melhor das hipóteses, uma colossal perda de tempo e, na pior delas, uma poluição da alma?
“Formando esse plano, terei usado de leviandade? Ou são puramente humanas as resoluções que tomo, de modo que haja em mim o ‘sim’ e depois o ‘não’? Deus é testemunha de que, quando vos dirijo a palavra, não existe um ‘sim’ e depois um ‘não’” (2Cor 1, 17-18).
“Quanto à fornicação, à impureza, sob qualquer forma, ou à avareza, que disto nem se faça menção entre vós, como convém a santos. Nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas, porque tais coisas não convêm; em vez disso, ação de graças” (Ef 5, 3-4).
Se nós precisamos de argumentos sofisticados e oblíquos para justificar algo que estamos vendo ou ouvindo (ou, nesta matéria, lendo), nós muito provavelmente somos culpados de tentar dizer “sim” e “não” a Cristo. Como um cristão leva sua vida, como ele gasta o seu tempo, onde ele coloca a sua mente e o seu coração, devem ser coisas completamente consistentes com a fé que ele professa.
A mais forte das exortações nesse sentido encontra-se na Carta aos Filipenses (4, 8): “Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar vossos pensamentos”. Aqui está implícito um alerta: não penseis, muito menos vos demoreis e mergulheis, no contrário dessas coisas, pois isso tornará vossas almas menos cristãs e menos plenamente humanas. Aqui se combate a falsa ideia de que o modo de se tornar “mais plenamente” alguém é ser “exposto” a um punhado de mal, ao menos indiretamente, a fim de que ele seja melhor entendido e combatido — o argumento fraco ao qual os defensores da mídia moderna recorrem com tanta frequência.
Esse argumento tem uma certa força quando usado para retratos literários do mal, se eles forem de bom gosto, porque a potência de seu conteúdo é filtrada por meio do intelecto do leitor, o qual deve primeiro entender as palavras e os conceitos antes de poder, em alguma medida, recriar a cena em sua imaginação. O meio permite que o impacto visceral do mal seja mediado por um processo espiritual. Com um filme, no entanto, a imagem é captada diretamente pelos olhos, assim como os diálogos e a trilha sonora o são pelos ouvidos; há uma imediação que não filtra nem interpreta o conteúdo no ato de recebê-lo.
Tampouco as consequências se limitam à esfera moral; elas se estendem também à esfera intelectual. Uma pessoa assiste a um filme “sem esforço” — e é exatamente esse o problema. Quantas pessoas hoje sabem entreter-se através do uso de suas próprias inteligências e imaginações? Por que somos tão passivos, dependentes de uma indústria gigante de fazer dinheiro que domina a cultura, ao invés de produzirmos, nós mesmos, belas coisas a nível local, ou ao menos assimilarmos ativamente uma obra de arte?
Os filmes fazem o que é irreal parecer real — com o efeito gradual, talvez, de fazer o que é real parecer irreal. Os filmes e a vida terminam se misturando em uma fantasmagoria bruxuleante sem quaisquer consequências morais ou eternas.
Nos cinemas, dezenas, centenas, milhares de pessoas ficam entorpecidas diante das telas bem à nossa frente: a vida é barata, e a violência é um bom entretenimento. Deveria nos surpreender que os homens de nossa época estejam preparados para descartar as vidas dos não-nascidos ou dos mais velhos?
Conteúdo sexual explícito é uma excitação inegociável, e, em geral, o mal é tratado como um tempero da receita. Deveriam nos surpreender a promiscuidade, a baixeza e a excentricidade do comportamento sexual moderno, quando imagens disso são regularmente impressas nas imaginações de milhões de pessoas? Com nosso entretenimento, nós estamos descendo a um barbarismo pior que aquele dos antigos pagãos, porque eles, pelo menos, não tinham o benefício do cristianismo para os curar e elevar.
O que dizer diante disso? “Nunca assista a filmes ou à TV”? Não. Existem algumas excelentes produções artísticas, de fato, que não cedem ao mal gratuito. Mas a Palavra de Deus nos exorta à vigilância, ao discernimento cuidadoso, e uma santa intransigência com nossa própria tendência a sermos mesquinhos, arranjarmos desculpas e relaxarmos nossa conduta. Devemos adotar para todos os meios de comunicação a sábia atitude de São Basílio Magno para com os autores pagãos. Ele diz:
Quando eles contam as palavras e os atos dos bons homens, vós deveis ao mesmo tempo amá-los e imitá-los, emulando fervorosamente tais condutas. Mas quando eles exibem condutas vis, deveis apartar-vos deles e tampar vossos ouvidos, como Ulisses fugiu do canto das sereias, pois a familiaridade com os maus escritos pavimenta o caminho para as más ações. A alma deve ser preservada, portanto, com grande cuidado, a fim de que pelo amor às letras não termine recebendo uma contaminação inconsciente, como o homem que toma veneno misturado com mel.
Se isso é verdade a respeito das letras — isto é, da literatura —, não é mil vezes mais verdade com relação aos filmes, à TV e a muitas outras modalidades do entretenimento popular de hoje em dia?
Como cristãos, nós precisamos nos esforçar para juntar nossas energias e faculdades dispersas, focando-as na Santíssima Trindade que habita em nossa alma e que se mostra externamente na beleza da Criação. A modernidade em geral, e o entretenimento popular de modo particular, trava uma guerra contra a ordem criada e contra nossa interioridade, nosso “castelo interior”. A agitação constante das imagens e dos ruídos mundanos distraem-nos da busca do unum necessarium, a única coisa que realmente importa.
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