No calendário romano antigo, 4 de agosto é a festa de São Domingos; no novo calendário, é 8 de agosto. Seja qual for o calendário que seguimos, no início de agosto devemos voltar nossas mentes para um de nossos maiores santos, pregadores e fundadores religiosos, não só para lhe pedir a intercessão, mas também para perguntar o que ele pode nos mostrar hoje, em nossa própria situação.

Na fundação de sua Ordem, São Domingos viu que era melhor que seus poucos irmãos se dispersassem, continuassem caminhando, permanecessem em movimento, desde que sua vida interior não fosse dispersa, mas firmemente enraizada, no repouso em Deus. Quando ele propôs dividir o pequeno grupo e o enviar aos quatro cantos da Europa, disseram-lhe que estava dividindo um organismo delicado. Sua resposta é clássica: O grão que fica guardado em um cesto apodrece, mas quando é espalhado pelo chão, brota e se espalha. Ele sabia que o sucesso espiritual deles dependia de manter a bolsa vazia, o coração cheio e os pés inquietos, prontos a levar o Evangelho a todos os lugares.

“A Virgem com São Francisco e São Domingos”, de Vicente López y Portaña.

Uma “nova evangelização” foi posta em marcha no século XIII pelos mendicantes itinerantes (isto é, os mendigos errantes), ou seja, os dominicanos e os franciscanos, e ela foi um enorme sucesso, cujos efeitos estão conosco ainda hoje. Mas nós raramente paramos para perguntar por que eles foram tão bem-sucedidos e por que seu sucesso aumentou e diminuiu ao longo dos séculos. Ora, isso tem tudo a ver com a radicalidade dessa visão original compartilhada por Domingos e Francisco — seguir na pobreza ao Cristo pobre — e o grau de fidelidade a essa radicalidade.

Quando as comunidades nada temiam e a nada se apegavam, confiando na divina Providência, centradas em Cristo crucificado, elas floresciam. Assim que seus priorados se tornavam ricos e confortáveis, eles perdiam sua influência evangélica sobre a sociedade e se tornavam mais um porta-voz da satisfação mundana. É mais ou menos como a música sacra barroca que começou como uma forma de louvor retórico e, depois, guinou para uma imitação da ópera; emocionalmente, ela passou a evocar mais o herói castrato e seu falso caso de amor com o contralto, do que o Santo Sacrifício que une a terra ao Céu.

Reforma na Igreja sempre significou uma certa simplificação, lembrança da pureza passada, arrependimento por autoindulgência; um firme compromisso de nudum Christum nudus sequere, “seguir nu a Cristo nu”, como Santo Tomás de Aquino descrevia seu objetivo, citando esta frase de Jerônimo três vezes (cf. Contra Retrahentes 15; Contra Impugnantes 6; STh II-II 186 3 ad 3). Os grandes fundadores religiosos nos ajudam a entender o que é simplificação — e o que não é. Nenhum desses fundadores tentou “baratear” a religião. Quando se tratava de igrejas, eles as construíam bem, com beleza, solidez e até imponência. Nada inferior poderia ser dado a Deus, especialmente na sagrada liturgia. Quanto a si mesmos, porém, eles despojavam suas vidas de posses, dependências, distrações, lugares fixos, esforçando-se por ser os mais simples possíveis na adesão ao sumo Bem. Seu objetivo era permanecer naquele que permanece sempre.

Em seu livro Staying Tender: Contemplation, Pathway to Compassion (Angelico Press, 2020) [sem tradução portuguesa], Pe. Luke Bell, OSB, escreveu algumas belas linhas sobre os dois tipos de permanência, que na superfície parecem contrárias, mas apontam para uma unidade mais profunda. São Bento ilustra e inculca perfeitamente o primeiro tipo, São Domingos e São Francisco o segundo. Primeiro, o ideal do Patriarca do monaquismo ocidental:

A tradição contemplativa consiste em permanecer neste Absoluto e encontrar vida nele, uma vida que está em comunhão de coração aberto com os outros nas profundezas de seu ser. [...] Sua prática é caracterizada pela permanência. Um dos votos que um monge beneditino faz é o de estabilidade: ele permanecerá na vida monástica, e normalmente só em um lugar, por toda a sua vida. É a perseverança nisso, não o aprendizado ou habilidades práticas, que determina se alguém pode se tornar um beneditino. […] Uma vez feito monge, ele deve permanecer normalmente na clausura do mosteiro e as coisas devem ser organizadas de modo que, na medida do possível, tudo o que for necessário esteja dentro dessa clausura. [...] Tudo isso é expressão prática de uma verdade espiritual: Deus permanece e, permanecendo nele, nós encontramos vida e amor. Como o mosteiro é um lugar de culto a Deus e de oração — tanto pela forma como ele é ordenado quanto por quem está aí —, ele representa a Nova Jerusalém, onde Deus é tudo em todos. Permanecer aí com o espírito reto (que é basicamente o espírito de não murmurar) é um meio de permanecer em Deus.

Então, o Pe. Bell se volta para o caso mais paradoxal dos frades mendicantes, filhos de Domingos e Francisco, cujo modo de vida parece contradizer o sublime relato acima, da vida religiosa:

A verdade espiritual, que tem sua expressão na perseverança no mosteiro, também pode ser expressa pela não-permanência em lugar algum deste mundo. Os frades mendicantes estão sempre se mudando para um novo lugar, sempre em peregrinação, porque nada neste mundo permanece como Deus permanece. Enquanto para um monge a permanência num lugar indica a permanência em Deus para além de si mesmo, para um frade, a permanência só em Deus ensina que “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está por vir” (Hb 13, 14). Espiritualmente, eles são idênticos em seu enraizamento em Deus, um significando isso por estar em um lugar, o outro por não estar em lugar algum. O mundo criado tanto mostra como oculta o divino e, assim, pode falar dele tanto positiva quanto negativamente: em um lugar de residência fixo, ele mostra a permanência em Deus; nos que levam um estilo de vida itinerante, como era o de seu Senhor, ele mostra que não pode oferecer a morada absoluta, que é Deus somente (pp. 13-14).

Os fiéis leigos podem aprender muito com os dois modos de permanência, que são vividos ao máximo por aqueles que consagraram tudo a Cristo. Por um lado, há uma atitude interior de perseverança, que corresponde à estabilidade beneditina. Nós permanecemos enraizados em nosso chamado, nosso cônjuge e filhos, nossas responsabilidades familiares, nosso trabalho, nossas boas obras, aconteça o que acontecer, e apesar dos obstáculos, que nunca estarão ausentes.

Por outro lado, há um colocar-se à disposição da vontade de Deus, que corresponde ao desprendimento e mobilidade dos mendicantes. Os leigos, com certeza, não devem estar sempre “em fluxo”, sempre “em movimento”, pois isso seria prejudicial para a maioria das famílias (para dizer o mínimo). Mas podemos viver neste mundo como se não estivéssemos imersos nele; podemos passar por ele como se não lhe estivéssemos unidos; podemos ordenar nossos dias, que duram cada vez menos [ever-shorter], para o Dia do Senhor, que durará para sempre [everlasting]. Assim, o que somos, o que fazemos, o que sofremos, não apodrecerá por egoísmo, mas brotará e se espalhará na fecundidade do amor.

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