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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
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O objetivo desta aula é abordar uma inquietação de muitos daqueles que nos acompanham. Não poucas pessoas nos escrevem para dizer que são acusadas de quererem criar uma Igreja paralela, ou inclusive uma seita, ao apresentar o ensino tradicional da Igreja em suas respectivas paróquias, por exemplo.

Vamos então distinguir dois pontos para esclarecer e entender as razões da dificuldade. 

1. O primeiro deles (e o mais fácil de resolver) é o significado da comunhão com a Igreja Católica, a qual pressupõe o reconhecimento da universalidade (catolicidade) do credo e de seu caráter sincrônico e diacrônico, ou seja, sua existência no espaço e no tempo.

Na obra Comonitório, São Vicente de Lérins apresenta critérios claros para nos ajudar a identificar a verdadeira fé, e lá ele diz que dois deles são o semper (sempre — relacionado ao tempo) e o ubique (em todos os lugares — relacionado ao espaço). Quando esses dois critérios são atendidos, ou seja, quando há adesão àquilo em que os católicos acreditaram sempre e em todo lugar, aí temos a verdadeira Igreja. 

Recentemente, surgiu uma tendência de usar expressões como “a Igreja da América Latina hoje”, dando a entender que poderia haver uma diferença essencial em relação à “Igreja da América latina ontem” ou à “Igreja da África hoje”. Ora, a “Igreja da América Latina hoje” só pode ser reconhecida como verdadeira Igreja se estiver em comunhão com a Igreja de todos os lugares e de sempre. A fé professada pelos americanos, asiáticos, europeus etc. deve ser essencialmente a mesma. Do contrário, não poderia ser considerada verdadeira fé católica.

Para ajudar os fiéis a se orientarem corretamente depois do Concílio Vaticano II, São João Paulo II, em conjunto com diversos bispos de todo o mundo, elaborou o Catecismo da Igreja Católica. Assim, todos poderiam saber qual é a fé da Igreja sempre e em todos os lugares. Com a publicação desse catecismo, o Papa pretendeu pôr um fim à ideia de Igreja “pré e pós-conciliar”, uma noção errônea que se difundiu em muitos lugares. Essa expressão sugere uma diferença essencial entre a Igreja antes e depois do Vaticano II. Mas Nosso Senhor, os Apóstolos e os Evangelhos são “pré-conciliares”. Teriam de ser descartados por causa disso? Essa não passa, portanto, de uma ruptura fictícia. O que existe é uma única Igreja de dois mil anos, pensada desde toda a eternidade por Deus, que permanecerá até o fim dos tempos e por toda a eternidade no céu.

Temos então um critério claríssimo de reconhecimento da verdadeira Igreja e daquilo em que devemos crer. É preciso mencionar também o Magistério eclesiástico autêntico, que se dá quando os bispos ensinam em comunhão com o Papa reinante e com todos os bispos e Papas anteriores. 

Uma atitude que se tornou relativamente comum no atual pontificado é o uso do Papa Francisco como elemento de ruptura por meio da contraposição entre o pontificado dele e os anteriores. Não devemos aceitar isso, nem fazê-lo, pois o que existe é um único Magistério com dois mil anos de duração. Essa postura é semelhante, infelizmente, à dos anos imediatamente posteriores ao Concílio Vaticano II, e não deve ser repetida.

2. Dito isso, passemos ao segundo problema, que diz respeito à postura e às manifestações de pessoas mais conservadoras e tradicionais, principalmente na internet. Precisamos fazer um exame de consciência e reconhecer que, às vezes, somos tão inconvenientes com rixas e provocações, que levamos as pessoas a terem uma espécie de reação alérgica à Tradição. 

Para evitar tais conflitos desnecessários, precisamos fazer uma distinção entre aquilo que é inquestionável na fé da Igreja (por exemplo, a indissolubilidade matrimonial, a inviolabilidade da vida desde a concepção até a morte natural, a sacralidade da Eucaristia etc.) e aquilo que, embora seja legítimo, pode não ser aplicado em determinados contextos por diversas razões. Uma dessas coisas é o uso do véu: como já explicado aqui, trata-se de um hábito multissecular e com um rico significado teológico e espiritual, mas que deixou de ser obrigatório a partir da promulgação do Código de Direito Canônico de 1983. Muitas pessoas, no entanto, numa ânsia de resgatar a qualquer custo essa piedosa tradição, terminam por se envolver em discussões pouco caridosas no dia a dia de suas paróquias, numa pretensão de transformar em obrigatório o que não mais o é. Há quem chegue a acusar de heterodoxos, e até de “hereges”, os padres e bispos que, de uma forma ou de outra, se incomodam com o uso do véu.

Algo semelhante ocorre com o uso do clergyman e da batina. Não é raro encontrar comentários bastante duros — até injustos — em relação a sacerdotes que, por diversas razões, preferem usar o clergyman ou mesmo nenhum traje eclesiástico. Chamá-los de “hereges”, por exemplo, é algo muito temerário, pois heresia significa a negação de uma verdade de fé, ao passo que tanto o hábito eclesiástico quanto o véu são questões de matéria disciplinar da Igreja — que têm o seu peso, sim, mas não deveriam ser transformadas em cavalos de batalha, como muitas vezes se faz. 

É justamente essa postura acusatória dos católicos mais tradicionais que dá origem a reações severas da hierarquia ou das comunidades em que estão inseridos. Chamar de “igreja paralela” aqueles que defendem o uso do véu, da batina etc. é algo injusto em si mesmo. Porém, é possível entender a motivação psicológica por trás desse tipo de rótulo quando católicos se portam de forma agressiva e levantam suspeitas sobre membros da Igreja que, no mais das vezes, não tiveram ocasião de refletir com profundidade sobre esses temas. Precisamos tomar cuidado para não coarmos mosquitos ao mesmo tempo que engolimos camelos, isto é, por querermos obedecer a uma regra pequena, terminarmos nos esquecendo de um preceito maior: o da caridade.

Numa situação como a nossa, precisamos aprender a negociar o que é negociável, como os casais têm de aprender a fazer na vida matrimonial, e as autoridades civis em seu ofício público. Nisto consiste, afinal, a nobre arte da política, a mais elevada forma de caridade: renunciar a direitos legítimos em prol do bem comum. 

Como isso se daria no contexto eclesial? 

É certo que existe na Igreja um núcleo de valores inegociáveis. Não estão em jogo, portanto, o direito à vida da concepção até a morte natural, o matrimônio indissolúvel entre homem e mulher, a primazia dos pais na educação dos filhos ou a santidade da Eucaristia. O que se pode (e até se deve) negociar sempre que possível, em nome de um bem maior, são justamente os temas que pertencem ao campo do negociável. Reconhecer isso não significa ignorar que existam pessoas de má intenção, cujo objetivo é realmente subverter a doutrina da Igreja. Mas é provável que essas pessoas façam parte de uma minoria; muitas outras, na verdade, talvez não tenham tido a oportunidade de estudar certas coisas mais a fundo e, por isso, terminaram não compreendendo que há fundamento naquilo que tantas vezes elas consideram inadequado (por exemplo, o uso da batina, de cantos mais tradicionais na liturgia e assim por diante).

Temos de nos lembrar constantemente que não existem apenas dois grupos de pessoas na Igreja: as que reconhecem e aceitam a verdade, e as que promovem deliberadamente o erro e a heresia. No meio desses dois grupos há um número enorme de pessoas que não receberam formação suficiente e não tiveram a oportunidade de conhecer a verdade, e talvez esse grupo possa ser mais atraído por nós se formos um pouco mais gentis e amigáveis. 

Resumamos o quadro geral dessa reflexão para fins de conclusão: é inegável que existe uma ideologia — e uma grande injustiça — no discurso dos que rotulam de “igreja paralela” aqueles que defendem a Tradição da Igreja, particularmente em seus princípios inegociáveis. Quem diz isso está sem dúvida alguma equivocado. Por outro lado, existe um grande número de pessoas que podem ser esclarecidas sem maiores dificuldades, se mudarmos nossa postura e procurarmos atraí-las com uma gota de mel, ao invés de descarregarmos sobre elas um barril de azeite. As pessoas de quem muitas vezes nos tornamos adversários também possuem alma. Elas precisam ser salvas, como qualquer outra, mas uma postura arrogante ou agressiva de nossa parte pode colocar tudo a perder. Portanto, sejamos mais cuidadosos quando tivermos ocasião de participar de situações que envolvam esses temas.

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