Veni, veni, Emmánuel, captívum solve Israel, qui gemit in exsílio, privátus Dei Filio. Gaude! Gaude! Emmánuel nascétur pro te, Israel! — “Oh, vem, oh, vem, Emanuel, liberta o povo cativo de Israel, que geme no exílio, privado do Filho de Deus. Alegra-te! Alegra-te! O Emanuel nascerá por ti, ó Israel!”
Esta popular canção de Natal, na verdade, não é uma canção de Natal [i].
Trata-se de um hino para o tempo do Advento — o tempo litúrgico que é muito mais do que uma simples preparação para o Natal. Durante estas quatro breves semanas, a Igreja se concentra historicamente em Nosso Senhor Jesus Cristo como o cumprimento de todas as profecias e anseios humanos, tendo em vista não só celebrar a sua Encarnação no Natal, mas também fomentar a esperança de seu glorioso retorno no fim dos tempos.
Os versos do Veni, veni, Emmanuel (“Oh, vem, oh, vem, Emanuel”) são extraídos de sete antífonas antigas que a Igreja utiliza na sua oração da tarde desde muito antes do século IX. Todos os anos, de 17 a 23 de dezembro, a liturgia entra numa preparação mais intensa e próxima para a vinda de Cristo no Natal. Esta mudança é visível nas leituras da Missa durante estes dias, mas também na Liturgia das Horas, especificamente na oração das Vésperas. Todas as tardes desta semana, antes de recitar o Magnificat, que é o cântico de Nossa Senhora, a Igreja reza uma das que ficaram conhecidas como as grandes “Antífonas do Ó”.
As Antífonas do Ó invocam Nosso Senhor com imagens tomadas do Antigo Testamento: “Ó Sabedoria”; “Ó Senhor” (O Adonai); “Ó Raiz de Jessé”; “Ó Chave de Davi”; “Ó Sol nascente” (O Oriens); “Ó Rei das nações”; e “Ó Emanuel”. A essas imagens bíblicas são acrescentados vários apelos, tais como: “Vem ensinar-nos o caminho da prudência” (dia 17), “Vem libertar-nos, não tardes” (dia 19); e “Vem e tira do cárcere o agrilhoado” (dia 20).
Cada uma dessas antífonas é uma bela oração considerada em si mesma, mas também demonstra exatamente como a Igreja compreende a relação de Cristo com as promessas e imagens de Deus tão comuns no Antigo Testamento.
[Por exemplo:] Isaías profetizou que um rebento brotaria do tronco de Jessé. Um dos descendentes de Jessé tornar-se-ia uma figura messiânica e redentora para Israel.
“Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento” (Is 11, 2). Como as profecias de Isaías se voltam com grande expectativa para a redenção de Israel e do mundo inteiro, segundo as maravilhosas promessas de Deus, ele é o profeta do Advento por excelência.
Cristo, porém, é mais do que o Ungido [que fora prometido]. São Paulo disse à Igreja de Corinto que Ele é “virtude de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1, 24). É Ele a Sabedoria que o Livro dos Provérbios chama de artesã e deleite de Deus (cf. Pr 8). O Filho eternamente gerado é sempre o deleite do Pai e o Artesão pelo qual todas as coisas foram feitas.
Talvez um exemplo mais pungente de imagem poderosa de Deus no Antigo Testamento seja a antífona do dia 18 de dezembro: “Ó Senhor (Adonai), Chefe da casa de Israel, que apareceste a Moisés na sarça em fogo e deste-lhe no Sinai a lei”. Os acontecimentos narrados no Livro do Êxodo são tremendamente magníficos, desde a sarça ardente, passando pela abertura do Mar Vermelho, até à entrega da Lei a Moisés no Monte Sinai, em meio a relâmpagos e trovões.
Os Padres da Igreja notavam habitualmente a presença de Cristo nas várias manifestações de Deus aos israelitas. No dizer de São Justino Mártir: “Aquele que é a um só tempo anjo e Deus, homem e Senhor, e que apareceu em forma humana a Abraão e Isaac, [também] apareceu numa sarça flamejante e conversou com Moisés”.
São Gregório de Nissa comenta [assim] os acontecimentos do deserto — as nuvens, os trovões e o tabernáculo da presença de Deus: “Visto que Paulo nos revela em parte o mistério contido nestas coisas, [...] dizemos agora que Moisés foi previamente instruído, em figura, sobre o mistério do tabernáculo que abrange o universo”. Este tabernáculo, [que é] Cristo, Filho de Deus — ele continua —, “é de certa forma incriado e criado: incriado em sua preexistência; criado, ao receber esta existência material” (Vida de Moisés II 17, n. 174) [ii].
O Filho eterno de Deus, preexistente, que é a imagem perfeita de Deus, é a presença de Deus também na sarça ardente, no Monte Sinai e, de modo perfeito, em sua Encarnação.
Não surpreende, pois, que a versão latina desta antífona comece com O Adonai, tomando emprestada a palavra hebraica que os judeus tementes a Deus usam na leitura da Torá, para evitar pronunciar o nome próprio de Deus. Adonai é sinônimo de Senhor, o nome com que Cristo é honrado por não ter se apegado à sua condição de igualdade com Deus, esvaziando-se a si mesmo até a morte, como diz São Paulo (cf. Fl 2, 6-11). Jesus Cristo é Adonai. Ele é Kyrios. Ele é o Senhor.
Outras Antífonas do Ó, por fim, identificam Cristo como o cumprimento da grandeza de Israel e do anseio humano. Ele é o Oriens, a aurora que Isaías prometeu que surgiria sobre o povo escolhido de Deus (cf. Is 60, 1-2). Ele é também a Raiz de Jessé; portanto, não é só o cumprimento, mas o início da linhagem israelita.
Ele é o Criador e aquele através de quem passou a existir a linhagem de Davi. Assim, Cristo é tanto o princípio quanto o fim da promessa [feita] a Davi. Ele é o Alfa e o Ômega. Ele é aquele que o Antigo Testamento prediz que governará como Rei de todas as nações.
As Antífonas do Ó são muito mais que simples refrões para ser entoados antes do Magnificat de Nossa Senhora, ou para servir como estrofes em um hino de Advento. Elas revelam os mistérios de Cristo que, no Antigo Testamento, já estavam sendo desvelados no poder e na glória de Deus.
Santo Tomás de Aquino tinha razão em insistir que muitos dos grandes profetas de Israel tinham um conhecimento profético real e explícito de Jesus e dos seus mistérios, apesar de terem vivido centenas de anos antes da Encarnação. O próprio Jesus declarou: “Abraão, vosso pai, regozijou-se com a esperança de ver o meu dia; [ele] viu-o (por meio da revelação), e ficou cheio de gozo” (Jo 8, 56). Cristo age com poder em Israel. Ele está presente no Antigo Testamento.
Estas grandes antífonas nos recordam que o Advento é muito mais do que preparar-se para o Natal. Elas nos lembram que Cristo é o ponto central da história da salvação e, na verdade, de toda a história do mundo, porque Ele é o Emanuel — “Deus conosco”.
Eis a sabedoria de Deus: o Senhor nos cria para estarmos em uma relação com Ele, a fim de trazermos luz não só às nossas vidas, mas ao mundo. Todo ano a Igreja nos dá essas quatro semanas [do Advento] para que possamos recordar de forma intensa aquilo que deveríamos viver todos os dias: a preparação, a antecipação e a alegre esperança de que o Senhor virá ao nosso encontro e nos salvará.
O Emmánuel, Rex et légifer noster…: veni ad salvándum nos, Dómine, Deus noster — “Ó Emanuel, nosso Rei e Legislador [...]: vem salvar-nos, Senhor, nosso Deus!”
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