As basílicas onde se encontram os túmulos de São Pedro e São Paulo figuram entre as seis que o Imperador Constantino construiu em Roma nos primeiros anos de paz da Igreja. Já no final do século IV, um hino de Santo Ambrósio fala de uma procissão para visitar os dois no dia da festa dos Apóstolos, 29 de junho. No entanto, os livros litúrgicos mais antigos do rito romano não atestam uma celebração do aniversário de sua dedicação, nem mesmo de qualquer aniversário. A comemoração anual da dedicação de uma igreja é uma das muitas felizes invenções com que os carolíngios enriqueceram o rito romano. É razoável supor que, uma vez enraizado este costume, a celebração conjunta da dedicação das duas basílicas tenha sido inspirada na celebração conjunta dos dois Apóstolos a quem são dedicadas, que é um dos costumes universais e mais antigos de toda a liturgia cristã. Pelo que pude apurar, este é o único exemplo pré-tridentino em que a dedicação de duas igrejas separadas é mantida como uma única festa.
Antes da reforma tridentina, porém, essa festa e a da Dedicação da Basílica de Latrão, a 9 de novembro, não eram observadas em quase nenhum lugar fora da própria cidade de Roma. Mesmo os franciscanos, que adotaram a liturgia da Cúria Romana desde o início, não celebravam nenhuma delas. A maior parte da Europa celebrava no dia 9 de novembro a festa do mártir Teodoro, que ainda hoje é comemorado nesse dia [N.T.: no rito tridentino], e no dia 18 a oitava de São Martinho.
O breviário de São Pio V, editado em 1568, e o missal que se lhe seguiu em 1570, foram os primeiros livros litúrgicos do seu gênero deliberadamente concebidos para ser usados fora de seu lugar de origem, uma vez que vinham com a permissão do Papa (não com a exigência) para ser adotados em todos os lugares onde se usasse o rito romano, em lugar do uso litúrgico local prevalecente até aquele momento. No entanto, a liturgia de 18 de novembro contém uma anomalia interessante que não se encontra em nenhuma outra ocasião: embora a festa comemore a dedicação de duas igrejas diferentes, a Coleta da Missa, que também é dita seis vezes no Ofício, permanece no singular:
Deus, qui nobis per síngulos annos hujus sancti templi tui consecratiónis réparas diem… præsta, ut quisquis hoc templum beneficia petitúrus ingréditur, cuncta se impetrasse laetétur. — Ó Deus, que todos os anos renovais o dia em que este santo templo vos foi consagrado… fazei que todos os que entrarem aqui a pedir os vossos benefícios, se vão alegres de os ter alcançado [i].
Da mesma forma, nenhuma das outras referências a “igreja” no singular é alterada nem no Ofício nem na Missa. Como a maior parte dos lugares da Europa só começaram a celebrar essas festas quando (e se) adotaram os livros litúrgicos romanos, teriam encontrado esta anomalia pela primeira vez na celebração desta festa.
Para alguns, pode ser tentador descartar este fato como sendo apenas um exemplo do conservadorismo litúrgico habitual — e alguns poderiam dizer preguiçoso — da Igreja romana. Não creio que seja esse o caso, uma vez que os livros tridentinos são, em muitos aspectos, uma resposta pensada com muito cuidado às novidades da Reforma Protestante.
É bem conhecido o fato de a Reforma, a começar pelo próprio Lutero, ter procurado justificar as suas novidades por meio de algumas cartas de São Paulo, que se tornaram para os reformadores “o cânon dentro do cânon”, o critério a partir do qual tudo o mais na Escritura, na tradição e na história deveria ser medido. Isto inclui não apenas tudo o que é ensinado pelo papado e pela Igreja em comunhão com ele, mas o próprio papado, e assim os chamados reformadores colocaram Pedro e Paulo um contra o outro. Portanto, a liturgia romana (mais precisamente, a repetição especificamente romana que depois se espalhou por outras partes do mundo) trata as igrejas e os túmulos dos dois Apóstolos como se fossem um só, para enfatizar a sua antiga e real unidade real, sempre fielmente mantida e fomentada pela Igreja de Roma.
Tal como já foi dito, a festa conjunta de São Pedro e São Paulo é extremamente antiga, ao passo que a da dedicação de suas basílicas é um produto do início da Idade Média. Os reformadores protestantes acreditavam que podiam restaurar a antiga fé cristã original, libertando-a dos supostos acréscimos do período medieval, embora frequentemente discordassem entre si, e muitas vezes de forma bastante violenta, sobre o que eram exatamente esses acréscimos. A reforma tridentina foi essencialmente a resposta da Igreja Católica à indagação: o que fazer com tudo o que fora herdado da Idade Média, face ao repúdio protestante dessa herança? Portanto, a liturgia tridentina reafirma a unidade entre Pedro e Paulo com duas festas, uma antiga e outra medieval, nas quais eles são comemorados conjuntamente, como uma afirmação de continuidade entre a antiguidade cristã e a Idade Média [ii].
Além disso, era comum os protestantes acusarem a Igreja Católica de dar tanto destaque aos santos a ponto de eclipsar o próprio Cristo. Muitos deles acreditavam, e ainda acreditam, que a devoção aos santos não passava de uma cristianização superficial do antigo politeísmo. Mas esta ideia é refutada especificamente por Santo Agostinho, o mesmo autor a quem eles recorreram para provar a sua doutrina da graça. Em A Cidade de Deus (VIII, 27), ele escreve:
Mas quem dos fiéis já ouviu que um sacerdote, de pé ante o altar — erguido sobre o corpo sagrado de um mártir, para a honra e o culto de Deus — dissesse nas orações: “Eu te ofereço um sacrifício, Pedro, ou Paulo, ou Cipriano”? Na verdade, é a Deus que este sacrifício é ofertado sobre os monumentos deles — o Deus que os fez homens e mártires, e que os associou aos santos anjos em honra celestial —, a fim de que, por tal celebração, agradeçamos ao Deus verdadeiro as vitórias que eles obtiveram e, ao mesmo tempo, exortemo-nos a imitar tais coroas e palmas, invocando pela renovação de sua memória a invocação desse mesmo Deus. Portanto, sejam quais forem os obséquios feitos pelos fiéis ante os monumentos dos mártires, trata-se de honras prestadas à sua memória, não de ritos ou sacrifícios oferecidos a homens mortos como se fossem deuses [iii].
A escolha das leituras das Matinas para [o comum de] uma dedicação e a sua oitava reforça este fato. Na própria festa e nos cinco dias seguintes, as leituras do segundo noturno são tiradas de Agostinho. No sétimo dia, São João Crisóstomo é evocado como testemunha de que as Igrejas orientais sempre defenderam a mesma fé antiga que o Ocidente; na oitava, a leitura é de um Papa do início da Idade Média, São Félix IV, citado numa coleção medieval de direito canônico. (O direito canônico era particularmente odiado pelos primeiros protestantes como uma das piores “corrupções” medievais.) Do mesmo modo, no terceiro noturno, as leituras começam com Santo Ambrósio, passam em seguida para São Gregório Magno e, finalmente, para Beda, o Venerável, símbolo da doutrina da Igreja fielmente transmitida de geração em geração [iv].
A primeira dessas leituras (no segundo dia da festa) mostra o cuidado com que tudo foi pensado: uma passagem do comentário de Santo Agostinho ao Salmo 121, que cita tanto Pedro como Paulo.
Jerúsalem, quæ edificátur ut cívitas — “Jerusalém, que se edifica como cidade” (v. 3). Irmãos, quando Davi dizia essas coisas, aquela cidade já estava concluída; não estava em construção. Ele fala, portanto, de alguma cidade, que eu desconheço e que está sendo construída agora, à qual acorrem com fé as pedras vivas, das quais Pedro diz: Et vos tamquam lápides vivi coædificámini in domum spiritálem — “E vós também, como pedras vivas, prestai-vos a entrar na edificação de uma casa espiritual” (1Pd 2, 5), isto é, de um templo santo de Deus. [Mas] o que significa [ser] “pedras vivas… a entrar na edificação”? [Ora], vós estais vivos, se credes; e, se crerdes, sereis transformados em templo de Deus; pois o Apóstolo Paulo diz: Templum enim Dei sanctum est, quod estis vos — “Com efeito, é santo o templo de Deus, que sois vós” (1Cor 3, 17).
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