O mundo secular “se prepara” para o Natal — se é que podemos usar esse verbo — meses antes, com decorações extravagantes, comilanças para as festas e muitos gastos; mas, quando chega o dia 26 de dezembro, todos agem como se o Natal tivesse “acabado”. No máximo, permitirá um ou dois dias para se recuperar dos excessos das festividades e depois voltará ao trabalho. Na melhor das hipóteses, as decorações são mantidas até 1.º de janeiro ou um pouco mais tarde, para “adentrar” o novo ano. Depois disso, o período de comemorações termina.
Os católicos, porém, deveriam ter uma concepção totalmente diferente do Natal. O certo seria, antes do nascimento do Senhor, observar o tempo penitencial do Advento, preparando-nos, sem extravagâncias, para a grande festa da sua vinda. Tradicionalmente, as famílias decoravam a árvore de Natal nos dias 23 ou 24, pouco antes do grande dia. Na Missa da vigília, inicia-se, de fato, o Natal do Senhor, que é intensamente celebrado por uma oitava (oito dias, de 25 de dezembro a 1.º de janeiro, quando se recorda sua circuncisão, ou também a conhecida Solenidade de Maria, Mãe de Deus).
Contudo, o tempo do Natal estende-se até a Epifania do Senhor, em 6 de janeiro (o famoso “décimo segundo dia”) e inaugura quarenta dias de festas natalinas, que se encerram em 2 de fevereiro, com a festa de Nossa Senhora das Candeias, ou da Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria, também conhecida, por seu título grego, como festa da Apresentação do Senhor. Em outras palavras, há quatro círculos concêntricos de celebração: o Natal, sua Oitava, os doze dias e, por fim, os quarenta dias que se lhe seguem.
Não podemos nos render à abordagem secular que, de certa forma, “celebra” o Natal antes do Natal e não depois, como deveria ser. Precisamos realmente nos esforçar — na maneira como decoramos nossas casas, no modo como guardamos o domingo e os dias de preceito, nas histórias que lemos e nas outras atividades que fazemos em casa — para manter vivo o espírito do Natal, mesmo nesse período de 26 de dezembro a 2 de fevereiro, que, numa visão secular, é uma “baixa temporada” para os negócios. Para nós, o grande “negócio” que podemos fazer, ou o grande “presente” que podemos receber, é celebrar o belíssimo tempo do Natal de maneira digna e festiva! A observância desse tempo litúrgico em nossas vidas torna-se uma contundente catequese contracultural sobre um dos mistérios fundamentais da fé cristã: a Encarnação do Filho de Deus. Esse é o ponto primordial de toda a história universal e da história particular de cada homem, mulher e criança.
Infelizmente, as reformas litúrgicas na Igreja não necessariamente ajudaram as famílias a viver o tempo do Natal tão bem como deveriam.
O primeiro problema foi a abolição total das “comemorações”. Por muitos séculos, a Igreja fez uma observância adequada de vários eventos que eram celebrados ao mesmo tempo, usando um conjunto adicional de preces ou orações durante a Missa (na coleta, nas orações que o sacerdote faz em segredo e na oração pós-comunhão). Assim, como 26 de dezembro é a festa de Santo Estêvão, 27 de dezembro é a de São João e 28 de dezembro é a dos Santos Inocentes, sempre havia — além das orações próprias desses dias — as orações adicionais do Natal, para que os católicos recordassem continuamente que o Natal é uma festa que se estende por oito dias. Hoje, muitas vezes pode parecer que seja uma festa de um dia só.
O segundo problema é a “perda”, para todos os efeitos, da festa da Epifania do Senhor, que, em vez de ser mantida em 6 de janeiro — como fora por milênios no Oriente e no Ocidente —, agora é “colocada” de forma conveniente no domingo mais próximo, a fim de não causar nenhum contratempo ou surpresa em nossa rotina de trabalho. Isso, porém, acaba por neutralizar a celebração da Epifania enquanto um acontecimento especial, igualando-a às demais celebrações dominicais, em vez de reconhecê-la como uma festa de luz que irrompe no mundo “de surpresa”, assim como irrompe em nossas vidas na segunda-feira ou na quinta-feira ou em qualquer que seja o dia, jogando por terra nossa rotina e nos ajustando ao senhorio de Deus sobre o tempo. Através de um dia específico, é como se o Senhor, de fato, estivesse nos “convocando” para sua festa, porque sabe que seremos preguiçosos ou preocupados demais para dela participar.
Nesse sentido, a leitura do texto The Epiphany of Our Lord — “A Epifania de Nosso Senhor” —, do grande liturgista Dom Prosper Guéranger [1], ajuda-nos a apreciar a tremenda magnitude dessa festa, que, por tantas razões, é estupenda e gloriosa. Na verdade, a Epifania compartilha com as festas do Natal, da Páscoa, da Ascensão e de Pentecostes a honra de ser chamada, no Cânon Romano da Missa, de “um dia santíssimo”. É uma festa que devemos comemorar de todo o coração, esperando que um dia as autoridades da Igreja a devolvam ao seu status anterior como um dia sagrado de preceito, a ser observado em 6 de janeiro.
O terceiro problema é a abolição do “tempo da Epifania”, um período de várias semanas após o dia da Epifania do Senhor, que conduzia para o tempo da Septuagésima [2].
Felizmente, todos esses três elementos — as comemorações, o dia da Epifania e o tempo da Epifania — ainda são observados onde quer que a liturgia latina tradicional tenha sido preservada ou retomada. O número de igrejas que seguem o Summorum Pontificum e o número de famílias que moldam suas devoções de acordo com essa liturgia continuam a aumentar.
Devemos manter vivo o espírito natalino, conservando a decoração da casa e as devoções até a festa da Purificação (ou, se o domingo da Septuagésima cair antes de 2 de fevereiro, até o sábado daquele final de semana) [3] ou, pelo menos, até o Batismo do Senhor, tradicionalmente comemorado em 13 de janeiro, o dia da oitava da Epifania. O mesmo se aplica às igrejas católicas: elas não devem ceder à pressão secular, mas conservar suas árvores, grinaldas, luzes e outros sinais de Natal até o dia do Batismo do Senhor, ou até a festa da Purificação. Somos chamados a ser magnânimos, e não medíocres, a fim de seguirmos a exortação de S. Paulo que ouvimos no Domingo Gaudete: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!” (Fl 4, 4).
O mesmo se aplica à Páscoa e à sua Oitava, bem como à solenidade de Pentecostes e à sua Oitava (nos lugares em que os católicos mantêm sua tradição). De qualquer forma, temos muitas razões para dar o passo extra de tornar essas festas visíveis, alegres e memoráveis. Não precisamos ficar envergonhados se for necessário nos afastarmos dos costumes familiares ancestrais, a fim de “redescobrir” e, até certo ponto, “reinventar” as férias; essa é, em maior ou menor grau, a condição da maioria dos católicos ocidentais que zelam por manter viva a própria fé.
Devemos, pois, aceitar humildemente que temos muito trabalho a fazer e, então, começar a agir, dando um passo de cada vez. Nas devoções e costumes familiares, busquemos introduzir, a cada ano, um desses tempos litúrgicos ou dias festivos dos quais nunca participamos antes e, se tudo correr bem, continuemos no próximo ano. Pensemos em como organizar isso, mobilizando também as crianças mais velhas para ajudar. Certamente, depois de algum tempo, viveremos em nossas famílias os costumes de Natal, Páscoa e Pentecostes com os quais gostaríamos de ter crescido.
Atualização [14 de fevereiro de 2022]: O que mudou após o documento Traditionis Custodes, do Papa Francisco? Na prática, a celebração do chamado rito tridentino, ou de São Pio V, diminuirá a olhos vistos, devido às novas restrições que lhe foram impostas. O usus antiquior, no entanto, não foi extinto e, ainda que novas medidas restritivas sejam tomadas agora ou no futuro, permanece o valor espiritual e cultural da Missa que por tanto tempo a Igreja celebrou — como um farol a iluminar o nosso caminho ainda hoje. Para mais conteúdo sobre este assunto, consultar a homilia “Em que, afinal, devemos acreditar?” e a aula “Sacerdócio e vida de oração”.
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