A Missa católica foi o grande berço da música ocidental. Através da polifonia e do tradicional cantochão - o gregoriano -, a Igreja pôde transmitir a Palavra de Deus aos quatro cantos da terra, atingindo tanto os incautos quanto as almas mais elevadas. Foi precisamente por isso que, ao longo de sua história, o Magistério procurou distinguir, repetidas vezes, a música litúrgica ou sacra dos cantos seculares.

Com o advento da revolta protestante e o surgimento de expressões musicais das mais variadas, começaram a proliferar práticas fundamentalmente alheias ao autêntico espírito litúrgico. Foi então que o Concílio de Trento interveio no conflito cultural da época - lembra Monsenhor Guido Marini - "restabelecendo a norma pela qual era prioritário na música aderir à palavra, limitando o uso dos instrumentos e indicando clara diferença entre música profana e música sacra". A contrarreforma do Concílio simplesmente pôs abaixo o castelo de cartas do protestantismo. A liturgia romana foi "um dos instrumentos mais poderosos da propaganda jesuítica", derriçando as heresias das seitas ao mesmo tempo em que revigorava a tradição musical daquele período.[1]

Nos anos seguintes à reforma tridentina, a Igreja continuou sustentando o canto gregoriano como a legítima música litúrgica. E ainda hoje o ensinamento permanece o mesmo. Dando vitalidade aos trabalhos de São Pio X, diz o Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium, que a "Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar."[2] Todavia, apesar das claras admoestações dos padres conciliares - e, obviamente, do magistério posterior -, abriu-se espaço na Missa para expressões bruscamente opostas ao "sentire cum Ecclesia", chegando-se a tachar a música louvada pelo Sacrossanto Concílio como "velharia", "coisa ultrapassada" e outros pejorativos.

A argumentação contra o tradicional canto litúrgico - bem como a outras áreas da Tradição - redunda na ideologia do pauperismo. A Igreja não deveria, nas suas celebrações, assumir uma posição rígida, mas simplista, adotando a criatividade popular de forma totalmente subjetivista e aleatória, como se a liturgia fosse um canteiro de obras, sempre aberto a modificações. O protagonista da ação litúrgica passa a ser o povo, qual ocorre nos regimes democráticos da teologia calvinista: sem espaço para distinções, o culto deve ser de todos.

Com efeito, assim como o simplismo de Calvino acabou com a música na França de sua época, o mesmo raciocínio está destruindo as celebrações católicas de agora, pois no centro da ação não está Deus e a reverência devida a Ele, mas o gosto pessoal de um grupo que prevalece, de paróquia em paróquia, sobre o de outros[3]. E "uma Igreja que se baseia nas decisões da maioria" - recorda o Cardeal Joseph Ratzinger - "torna-se uma Igreja meramente humana", uma vez que o que se faz a si mesmo "tem sabor do 'si mesmo' que desagrada a outros 'si mesmos' e bem cedo revela a sua insignificância[4]

No seu livro sobre a liturgia, Monsenhor Guido Marini procura lembrar que "a música sacra não pode ser entendida como expressão da pura subjetividade" já que "essas formas musicais", ou seja, o gregoriano e a polifonia - "na sua santidade, bondade e universalidade - são precisamente as que traduzem o autêntico espírito litúrgico em notas, melodia e canto: encaminhando para a adoração do mistério celebrado; tornando-se musicada exegese da palavra de Deus". Do mesmo modo, concorda Bento XVI quando diz que "nem sequer a grande música o gregoriano, ou Bach, ou Mozart é algo do passado, mas vive da vitalidade da liturgia e da nossa fé. Se a fé for viva, a cultura cristã não se tornará algo do "passado", mas permanecerá viva e presente."[5]

Recentemente, a escritora brasileira Adélia Prado fez uma ótima colocação acerca da dessacralização da liturgia. A teologia da libertação, comentava, na ânsia de atingir o pobre acabou por torná-lo mais pobre, pois retirou-lhe a única riqueza que ainda lhe restava: a beleza da liturgia.[6] No lugar do órgão colocou-se a sanfona, no lugar das antífonas, os gritos de guerra, e a isso somados os pés de bananeiras, cocos, os berrantes e bandeirolas de festa junina. Ora, é evidente que assim a missa se torna um passatempo, um entretenimento tacanho e brega que, mais cedo ou mais tarde, deixará de ser interessante como qualquer programa de auditório.

O rigor da Igreja com o canto e com as demais partes da missa tem um nome: amor. É por amor a seu Divino Esposo, Jesus, que a Igreja adorna o templo com as mais belas peças e objetos. E assim também com a música. Ela deve se unir ao louvor dos anjos do céu, sendo uma verdadeira expressão de adoração a Deus, que motive sempre e mais e mais o seu rebanho a responder o imperativo das Sagradas Escrituras: "Cantai ao Senhor um cântico novo" (Cf. Sl 96, 1)

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