A liturgia da Quarta-feira de Cinzas nos chama à verdadeira conversão: “Rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 2, 13). 

A conversão do coração é a dimensão fundamental deste tempo singular de graça que nos preparamos para viver na Quaresma. Além disso, as palavras do profeta Joel sugerem-nos a motivação profunda que nos torna capazes de voltar a percorrer o caminho rumo a Deus, que é “a consciência de que o Senhor é misericordioso e que cada homem é seu filho muito amado, chamado à conversão” [1]. Pela Palavra, somos motivados a uma verdadeira transformação de vida, a morrer para o pecado e a viver para Deus por meio de Jesus Cristo (cf. Rm 6, 11).

Na antiga praxe da Igreja Católica, o sacramento da Penitência era público e o rito de imposição das cinzas dava início ao caminho penitencial dos fiéis que seriam absolvidos de seus pecados na celebração da manhã da Quinta-feira Santa. Por volta do século IX, o gesto da imposição das cinzas — obtidas com a queima dos ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior — associado ao sacramento da Penitência caiu em desuso. Porém, a imposição das cinzas estendeu-se a todos os fiéis e foi inserida na celebração da Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas, depois da homilia. A fórmula que acompanhava a imposição foi alterada com o tempo. No início, usava-se somente a fórmula: “Recorda-te que tu és pó, e ao pó voltarás” (Gn 3, 19). Mais tarde, acrescentou-se a fórmula opcional: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15).

Perceba-se portanto como, desde o Antigo Testamento, as cinzas já simbolizavam a brevidade da vida (cf. Gn 18, 27; 30, 19; Sb 2, 2s), a penitência e a conversão (cf. Est 4,1.3; Jr 6, 26; Jn 3, 6). No centro da celebração litúrgica da Quarta-feira de Cinzas, há justamente esse gesto simbólico, oportunamente explicado pelas palavras das Escrituras que o acompanham. A imposição das cinzas — cujo significado, fortemente evocativo da condição humana, é salientado pela primeira fórmula contemplada pelo rito penitencial: “Recorda-te que tu és pó, e ao pó voltarás” (Gn 3, 19) — lembra a caducidade da nossa existência e convida-nos a considerar a vaidade de nossos projetos, quando não fundamentamos a nossa esperança no Senhor. 

A segunda fórmula prevista pelo rito: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15), ressalta, por sua vez, quais são as condições indispensáveis para percorrermos o caminho da vida em Cristo: “São necessárias uma concreta transformação interior e adesão à palavra de Cristo” [2].

Segundo o Papa S. João Paulo II, a liturgia da Quarta-feira de Cinzas pode ser considerada, de certa forma, como uma “liturgia de morte”, pois remete para as funções da Sexta-Feira da Paixão. Nesta celebração, o rito litúrgico da Quarta-feira de Cinzas encontra o seu pleno cumprimento. “Com efeito, é naquele que ‘se humilhou a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz’ (Fl 2, 8), que também nós devemos morrer para nós mesmos, a fim de renascermos para a vida eterna” [3].

Desde os seus primórdios, a Igreja indica alguns meios úteis para seguir este caminho de morte, de renúncia de nós mesmos. Em primeiro lugar, neste caminho, é necessária a adesão humilde e dócil à vontade de Deus, acompanhada pela oração incessante (cf. 2Ts 5, 17). Também são muito apropriadas as formas penitenciais típicas da tradição cristã, como a abstinência, o jejum, a mortificação e a renúncia mesmo aos bens que nos são legítimos. De modo particular, são importantíssimos os gestos concretos de solidariedade e de ajuda ao próximo, que o Evangelho segundo Mateus nos recorda com a palavra “esmola” (6, 2ss). 

Tudo isto, que deveria fazer parte da vida de todo cristão, “é reproposto com maior intensidade durante o período quaresmal, que representa, a este propósito, um ‘tempo forte’ de treinamento espiritual e de generoso serviço aos irmãos” [4].

Seguindo, pois, o caminho tradicional da Igreja, comecemos o tempo da Quaresma com verdadeiros propósitos de penitência e de ascese, para que, mortos para este mundo, vivamos uma vida nova e ressuscitemos com Nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna (cf. Rm 6, 4s). Que Nossa Senhora das Dores, imagem da compaixão divina pela humanidade, nos ajude a viver bem esse tempo de morte para nós mesmos.

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