A Igreja recorda no dia 21 de março o dies natalis, isto é, o dia do nascimento para o céu, de São Bento de Núrsia, o grande pai do monasticismo ocidental e copadroeiro da Europa (n.d.t.: no novo calendário litúrgico, sua memória litúrgica é celebrada em 11 de julho). Mas pode um monge que viveu 1500 anos atrás ter algo de relevante a nos ensinar hoje?

Não só tem ele muito a nos ensinar, como o próprio fato de ter vivido há tanto tempo lhe dá uma vantagem especial nessa matéria. Pois, como diz C. S. Lewis em seu prefácio ao livro de Santo Atanásio sobre a Encarnação, as pessoas modernas — ou seja, nossas contemporâneas — tendem a ficar aprisionadas em todo um conjunto de suposições sobre como as coisas são ou deveriam ser, tomando-as por certas sem sequer terem ciência de outras alternativas, ao passo que os antigos, trabalhando a partir de um conjunto de pressupostos completamente diferentes dos nossos, estão em condições de confrontar, questionar, enfraquecer e até mesmo reduzir a pó as nossas suposições.

O autor anglicano conclui que, quanto mais entrarmos em contato com livros antigos, tanto maior será a possibilidade de nos conhecermos, criticarmos e aperfeiçoarmos. A ironia é que só as coisas antigas podem nos tornar “novos”, enquanto as completas novidades só o que farão é envelhecer-nos em nossas tolices.

Um exemplo admirável desse fenômeno é a campanha moderna contra o silêncio. O Cardeal Sarah, como sabemos, tem falado com eloquência — e (o que é bem mais difícil de encontrar) a partir de uma fé e um espírito de adoração profundos — sobre a ditadura do ruído na vida secular e também, cada vez mais, no domínio do sagrado.

Está se tornando cada vez mais difícil encontrar um único lugar tranquilo que seja no mundo: bares e restaurantes tocam música tão alto que mal se pode ouvir a pessoa do outro lado da mesa; lojas, escritórios e instalações de todos os tipos parecem estar agindo sob uma lei cósmica para evitar o silêncio a todo custo; se o ruído ambiente for inadequado, os onipresentes fones de ouvido garantirão um fluxo ininterrupto; até mesmo muitos parques e áreas de recreação têm sua doce paz perturbada pelo som do tráfego de automóveis e aviões cruzando o céu.

Não fosse tudo isso desafiador o bastante para a saúde mental, raramente se pode encontrar uma igreja ou uma liturgia católica que respeite a profunda necessidade humana de recolher-se em silêncio na presença do Deus vivo, que fala com ternura aos corações que lhe são dóceis.

Um amigo e eu discutíamos certa vez o que era melhor na Missa, se o silêncio ou a meditação, e ele escreveu-me o seguinte:

O silêncio pode assumir várias formas. Há um silêncio de desespero; há o silêncio repentino em um belo pôr do sol; há um silêncio de admiração; há um silêncio de confusão e de perplexidade; há um silêncio de intimidade e de proximidade. Das muitas formas de silêncio, algumas são adequadas à Missa e outras não.

O que define um silêncio são os ruídos em torno dele, assim como um batente delimita uma porta. O silêncio que se ouve logo depois de um estrondo e pouco antes de um grito é definido pelo estrondo e pelo grito. Da mesma forma, o silêncio que vem depois do canto gregoriano e antes da proclamação do Santo Evangelho é definido pela música que lhe antecede e pelas palavras que lhe seguem. Portanto, no fim das contas, não se pode escolher entre a música e o silêncio, porque é a música o que define o silêncio como este tipo de silêncio, ao invés de outro. É como se alguém perguntasse se deveríamos preferir o papel ao contorno que o define.

Quando estou em uma Missa show com guitarras e performances musicais, o silêncio entre os sons têm uma característica clara e definida: trata-se de um tempo morto. É o silêncio que ouvimos entre os atos. A música propriamente sacra na Missa — o canto gregoriano, a polifonia, os hinos clássicos e o órgão — atua como uma moldura em torno do silêncio e define-o como um silêncio sagrado, densamente significativo, pronto para ser preenchido pela oração. O silêncio na Missa, por sua vez, age como uma direção ou um peso interno para a música, mantendo-a ancorada na quietude eterna, a “Palavra sem palavras”.

S. Bento entendeu muito bem todas essas coisas, como podemos deduzir de sua Santa Regra, na qual ele fala em muitos lugares da necessidade e importância do silêncio. São particularmente dignas de nota suas palavras sobre o oratório ou a capela: “Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência para com Deus, de modo que, se acaso um irmão quiser rezar em particular, não seja impedido pela imoderação de outro” (Regra, 52). S. Bento entende que a liturgia existe para criar dentro de nós um espaço para Deus e um espaço para o silêncio, que façam florescer a nossa oração, como uma conversa de amigos que se amam.

O patriarca dos monges também nos diz: “Os monges devem, em todo tempo, esforçar-se por guardar o silêncio” (Regra, 42). Isso pode parecer, inicialmente, um exagero, se consideramos quantas horas por dia os monges dedicam a cantar em conjunto os louvores divinos na Missa e no Ofício Divino, e o quanto a recreação ou a hospitalidade deles podem chamá-los a falar com os outros. Como os monges podem manter silêncio “em todos os momentos”? Após uma reflexão mais profunda, a Regra nos inclina a ver a oração vocal e o diálogo de caridade, feitos no espírito correto, como se originando de e sendo preenchidos pelo silêncio de um coração recolhido na presença de Deus e que aspira a servi-lo. Eles são, noutras palavras, uma tradução em cânticos e palavras desse silêncio interior; eles compartilham a paz de Deus e aumentam-na ao redor.

S. Bento insiste, contudo, no silêncio literal durante toda a noite e, sempre que possível, durante o dia. Para tanto, no riquíssimo capítulo 4 da Regra, relativo aos “instrumentos das boas obras” (que podem servir de base para um excelente exame de consciência), ele nos fornece uma razão negativa baseada na natureza humana decaída e uma razão positiva, com base no objetivo elevado da vida cristã.

S. Bento reconhece que, pecadores como somos, com frequência somos “entregues a murmúrios”, detrações, “fala maligna ou depravada”, conversa excessiva — e que essas coisas tornam difícil para nós “ouvir com boa vontade a leitura sagrada” e “estar frequentemente ocupado em oração”. Embora ele não mencione isso, a mesma dificuldade surge de qualquer ruído inútil, frívolo ou perturbador em nosso ambiente.

Mas por que deveríamos “ouvir a leitura sagrada” e “estar ocupados em oração”? O mesmo capítulo estabelece o objetivo: para que nos possamos “tornar estranhos às coisas mundanas”, colocar nossa esperança em Deus e “nada antepor ao amor de Cristo” (Christo nihil praeponere).

Para muitos dos que vivemos no mundo, essas frases estabelecem um ideal brilhante, sempre realizado de modo imperfeito. Ainda assim, não se pode chegar a um destino distante sem dar passos, pequenos ou grandes, para alcançá-lo. Um coração tranquilo e recolhido, cheio de amor silencioso, bebendo o cálice do Senhor e provando a doçura da sua vitória na amargura do sofrimento — é aqui que queremos terminar. Se queremos chegar a este termo, devemos começar aqui, agora, hoje, com mais tempo, mais espaço para o silêncio em nossas vidas.

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