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Episódio exclusivo para alunos
A purificação da imaginação

Se você está sempre no "mundo da lua" e nunca consegue se concentrar no que está fazendo, talvez seja o momento de pôr em ordem a sua imaginação.

Nesta Direção Espiritual, Padre Paulo Ricardo explica por que essa faculdade de nossa alma é comumente chamada de "a louca da casa".

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Em nossa busca pela santidade, temos de estar atentos à urgência de purificar não apenas o corpo, mas também a alma, porque, se não nos conformamos inteiramente a Cristo, tornamo-nos semelhantes a um reino dividido contra si mesmo; por isso, se desejamos nos oferecer a Deus como sacrifício vivo (cf. Rm 12, 1), devemos combater com particular empenho a raiz dos males que nos prendem o passo na vida espiritual. Tendo em vista, pois, a importância da mortificação interior para a vida cristã, abordaremos na direção espiritual de hoje um problema não menos atual quanto delicado: a purificação da imaginação. Ora, como a prática de certas mortificações externas facilita em muito a educação de nossas potências interiores, daremos algumas sugestões que, de um modo geral, possam ajudar-nos a domar essa que é, como se costuma dizer, "a louca da casa".

A imaginação, com efeito, impõe não poucas dificuldades ao nosso crescimento interior, sobretudo se levarmos em conta que ela é, para a grande maioria dos cristãos, fonte de inúmeras distrações durante a oração. Esse é talvez o mais corriqueiro problema que o fiel sinceramente dedicado a levar uma vida santa tenha de enfrentar. St.ª Teresa d'Ávila, com seu realista bom humor, chamava-lhe "taramela do moinho" [1], peça de madeira cuja função é fazer cair da tremonha o grão de trigo, enquanto, batendo na mó, emite constantemente um barulho incômodo. Essa comparação ilustra bem como, com seus ruídos, a imaginação parece escarnecer de nossa alma, ocupada a todo custo em moer o trigo da prece: é desta inquietação interior que "provêm as aflições de muitas pessoas voltadas para a oração" [2].

Purificar a imaginação, nesse sentido, é uma tarefa essencial a quem deseja crescer espiritualmente e se torna ainda mais necessária devido à facilidade com que hoje temos acesso a toda sorte de imagens que se fixam à alma para nos recordar, de modo às vezes incansável, as imundícies que vimos, inadvertidos ou não, ao longo da vida. É muito difícil pensar, aliás, como se poderiam vencer as tentações que o mundo nos oferece aos olhos se não tivéssemos o cuidado de mortificar a vista, à qual se insinuam, por exemplo, a imodéstia e a imoralidade dos trajes atuais [3]. Mas afinal: que podemos fazer no dia a dia para que a imaginação não seja para nós nem causa de distração nem ocasião de pecado?

Antes de responder a essa pergunta, convém termos bem claro o que é e para que serve a imaginação, sem exaltá-la para além de sua função própria nem desprezá-la como adventícia ou nociva à vida de oração. Vejamos, pois, em linhas gerais qual o lugar por ela ocupado na constituição psicológica do homem.

A imaginação é uma faculdade sensitiva, comum tanto a nós quanto aos animais dotados de sensibilidade [4], pela qual representamos mentalmente a imagem de um objeto atingido pelos sentidos exteriores; de modo eminente, mas não exclusivo, pela visão [5]. Ora, diversamente dos demais sentidos, cuja atividade se produz pela presença real de seu objeto (por exemplo, o som que chega aos órgãos auditivos, a luz que excita o nervo óptico etc.), a imaginação funciona independentemente de a coisa por ela representada estar ou não presente ao sujeito [6]. Deste modo, à imaginação cabe o encargo de receber as percepções sensoriais, que, unificadas, podem ser retidas e posteriormente reproduzidas segundo uma representação mental [7]; podemos dizer, por isso, que não há nada em nossa imaginação que não tenha passado antes pelos sentidos externos. Ora, se esses mesmos sentidos, por um lado, referem-se a seus objetos próprios de modo meramente receptivo (ou seja, não conhecem senão que lhes está presente de forma imediata), a imaginação, por outro, é uma faculdade produtiva, já que as imagens por ela formadas são o material de que a inteligência precisa para trabalhar e elaborar as noções abstratas "às quais se aplica nossa reflexão." [8]

Assim sendo, a imaginação é parte integrante do nosso processo cognitivo e não é possível, sem desvirtuar o modo humano de conhecer [9], prescindir dela. Trata-se, na verdade, de discipliná-la e subordinar seu uso ao fim que lhe compete. O pecado original, porém, levando muitas vezes ao excesso o apetite natural de nossa faculdade imaginativa por servir ao intelecto, fá-la perder-se em lembranças e divagações, dissipa-lhe as forças em pensamentos inúteis. A realidade destes extravios não necessita de demonstração: bastar recordar as tantas vezes em que, durante a oração, pegamo-nos a resolver os problemas do presente, a elaborar projetos para o futuro, a gabar da própria "piedade". E deixamos Deus a falar sozinho! Por ser uma potência muito ligada às sensações físicas, não é de estranhar que a imaginação queira recorrentemente sobrepor-se aos ditames da razão e da vontade.

Ora, se a imaginação é, em si mesma, algo bom e útil à alma, ela pode converter-se em grande auxílio para o nosso crescimento espiritual, desde que retamente educada. O próprio Cristo, perfeito homem e, portanto, muito imaginativo, ensinou por meio de parábolas as turbas que O seguiam, a fim de as elevar, mediante imagens tiradas da vida ordinária do povo hebreu, a realidades espirituais inexprimíveis em termos exclusivamente terrenos. Nosso Senhor ofereceu-nos, assim, o alimento de que a imaginação humana precisa: imagens que, ruminadas, saboreadas, conduzem nosso espírito a estados contemplativos cada vez mais elevados.

Mas antes de chegar a este nível, é preciso pôr rédeas à fantasia. Vejamos agora quais os meios gerais que a ascese cristã dispõe aos que desejam purificar a imaginação [10] e viver, deste modo, como Jesus viveu (cf. 1Jo 2, 6).

  1. Guardar os sentidos exteriores. — A imaginação é alimentada pelos sentidos exteriores, especialmente pela vista; por isso, as impressões neles causadas repercutem também nela. Deve-se evitar, portanto, tudo o que de alguma maneira pode fazer com que a imaginação, reproduzindo e combinando de mil e um modos imagens vãs e torpes, nos incite a desejar algo mal e pecaminoso. Nós não precisamos ver e ouvir tudo; não somos lixeira. Se, por exemplo, nos percebemos a repousar a vista em algo que nos desvia do propósito de nossa existência, servir e amar a Deus, então é hora de fechar os olhos: "Tudo o que não leva a Deus é um estorvo. Arranca-o e joga-o para longe." [11]
  2. Selecionar as leituras com cuidado. — É preciso ser criterioso na hora de escolher o que se ler. É prudente evitar, sempre que possível, aquelas leituras que, além de não nos servirem para nada (nem mesmo para o descanso), podem ser perigosas, seja pelos erros contrários à fé por elas divulgados, seja pelo conteúdo obsceno e escandaloso com que prestam um grande desserviço à formação sobretudo dos jovens. São Josemaria Escrivá já advertira: "Livros. Não os compres sem te aconselhares com pessoas cristãs, doutas e prudentes. – Poderias comprar uma coisa inútil ou prejudicial. Quantas vezes julgam levar debaixo do braço um livro... e levam um montão de lixo." [12]
  3. Combater a ociosidade. — Nossa alma, estando unida ao corpo, não pode pensar sem imagens. Por causa disso, a imaginação, sempre inquieta, tem de ocupar-se em atividades úteis e proveitosas, se não queremos que ela, inclinada como está para a satisfação de nossos apetites mais baixos, nos envolva em perigosas tentações. Como diz o provérbio latino, omnium vitiorum origo otium, a origem de todos os vícios é o ócio.
  4. Oferecer objetos bons à imaginação. — Além de evitar tudo o que seja prejudicial à imaginação, é também necessário proporcionar-lhe matérias belas e santas. A imaginação está sempre em busca de alimento, e nada melhor do que lhe oferecer um sustento que não venha, no futuro, tirar-nos o sossego do espírito com lembranças inoportunas. A leitura de livros piedosos, a frequência à arte sacra etc. são boas maneiras de formar a imaginação e colocá-la a serviço da razão e da vontade.
  5. Proceder sempre com atenção ao que se está fazendo. — O hábito salutar de dar atenção ao que estamos fazendo tem a grande vantagem de impedir que a imaginação vagueie livremente pela nossa mente, indo de um a outro objeto, impedindo-nos, ao fim, de cumprir nossos deveres com o capricho e amor devidos. Temos de aplicar-nos a cada trabalho como se fora o único ou o mais importante de nossas vidas: "faz o que deves e está no que fazes." [13]
  6. Não conceder demasiada importância a nossas distrações. — Pode suceder que, apesar de todos os esforços dispendidos, a imaginação continue a espezinhar-nos com sua petulância. Nestes momentos, é importante mantermos a serenidade e, reconhecendo perante Deus nossa pequenez e indigência, ignorarmos os assaltos da fantasia. Ainda que não possamos discernir com toda clareza se se trata de uma investida demoníaca ou de nossa própria natureza rebelde, ressentida muita vez das manchas de um passado pecaminoso, o importante é não fazer caso destas imagens e repudiar com toda energia qualquer forma de consentimento: "Não te preocupes, aconteça o que acontecer, desde que não consintas. – Porque só a vontade pode abrir a porta do coração e introduzir nele essas coisas execráveis." [14]

Referências

  1. Cf. Teresa d'Ávila, Castelo Interior, Moradas IV, c. 1, n. 13, in: Obras Completas de Teresa d'Ávila. Trad. port. de Adail U. Sobral et al. 4.ª ed., São Paulo: Loyola, 2009, p. 476.
  2. Id., Moradas IV, c. 1, n. 9.
  3. Cf. A. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Trad. port. de João F. Fontes. 6.ª ed., Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1961, n. 770, 4, p. 371.
  4. Cf. Tomás de Aquino, Sentencia libri De anima, III, l. 6, n. 3.
  5. Cf. J. Gredt, Elementa Philosophiæ Aristotelico-Thomisticæ. 13.ª ed., Friburgi Brisgorviæ: Herder, vol. 1, n. 497, pp. 418-9.
  6. Cf. Tomás de Aquino, Sentencia libri De anima, III, l. 6, n. 15; Sentencia libri De sensu et sensato, t. II, l. 3, n. 2.
  7. Cf. J. Gredt, De Cognitione Sensuum Externorum. Romæ: Desclée et socii, 1913, n. 7, p. 5.
  8. R. Jolivet, "Psicologia", in: Tratado de Filosofia, vol. 2. Trad. port. de Gerardo D. Barreto. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 1967, n. 170, 2, p. 195; cf. A Tanquerey, op. cit., n. 780, 1, p. 375.
  9. Cf. Tomás de Aquino, Sum. Th. I, q. 78, a. 4; q. 84, a. 7.
  10. Cf. A. Royo Marín, Teologia de la Perfección Cristiana. 4.ª ed., Madrid: BAC, 1962, vol. 1, pp. 365-6.
  11. Josemaria Escrivá, Caminho. Trad. port. de Alípio M. de Castro. 9.ª ed., São Paulo: Quadrante, n. 189, p. 75.
  12. Id., n. 339, p. 117.
  13. Id., n. 815, p. 249.
  14. Id., n. 140, p. 63.

Recomendações

  • Luiz F. Cintra, "Purificação ativa da imaginação", in: Por que mortificar-se? São Paulo: Quadrante, 2009, pp. 69-73.
  • R. Garrigou-Lagrange, Las Tres Edades de la Vida Interior. Trad. esp. de Leandro de Sesma, O. F. M. Cap. Madrid: Palabra, 2007, vol. 1, pp. 398-400. Uma edição mais antiga, com a mesma paginação, encontra-se aqui.
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