A história da salvação é antiga. Começa antes mesmo da Criação, como lemos no Gênesis. Antes que o tempo e o espaço existissem, Deus já estava preparando tudo o que ia desenrolar-se. Aonde vai dar essa história no fim das contas, é coisa que ainda não sabemos, ainda que uma parte já nos tenha sido revelada. Nossa própria participação na história da salvação está se desenrolando a cada momento. E, enquanto Deus tudo compreende estando fora do tempo, nossas próprias ações e escolhas cooperam (ou não) com o plano traçado por Ele desde antes da fundação do mundo.
Nós, seres humanos, não somos eternos; temos um começo. Se nossos corpos são mortais, nossas almas não: jamais findaremos. Diferente de Deus, somos passíveis de mudança — mutáveis, na linguagem dos teólogos e filósofos — tanto em nossos corpos perecíveis quanto em nossas almas imorredouras.
A física nos ensina, a respeito da conservação de massa e de energia, que já existe tudo quanto sempre houve ou ainda haverá. Carl Sagan ficou célebre por dizer que somos star dust, “poeira estelar” — o que, em certo sentido, é verdadeiro. Mas a origem sideral de nossa existência enquanto matéria é só uma parte da história. Nós somos mais que resíduos reciclados a partir dos resquícios do Big Bang. Muito mais.
Com a criação de cada nova alma, algo inteiramente novo passa a existir. A composição do cosmos muda em espécie, não apenas em grau. Quando uma nova pessoa é trazida à existência, a realidade mesma se altera para sempre. As almas não são pó das estrelas, nem tampouco podem varrer-se do mapa.
Assim, há coisas novas — verdadeiramente novas — que passam a existir todos os dias. Mudanças, mudanças irrevogáveis e eternas, acontecem em todo o nosso redor. Novas almas começam a existir. Almas são marcadas indelevelmente pelo Batismo ou pelas Ordens sacras. Almas se separam (por um tempo) de seus corpos mortais. Almas são julgadas. E, ou se salvam ou se condenam.
A história da salvação, contada em toda a sua plenitude, trata não só da Criação, mas da intervenção contínua de Deus. Ele visita o seu povo; faz aliança com ele; chama-o para si; castiga-o e mostra-lhe misericórdia; livra-o do cativeiro. Deus cumpre as suas promessas.
Obviamente, o evento central nessa longa narrativa é a maior Nova em toda a Criação. Um anjo aparece a Maria, e ela concebe pelo poder do Espírito Santo: o Verbo feito carne. Um menino nasce em Belém. Ele cresce em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens. É tentado, Ele que nem pecado tem. Anuncia a vinda do Reino e a boa-nova aos pobres. Realiza grandes milagres. É traído, padece, morre, desce à mansão dos mortos, ressuscita e ascende à direita do Pai. Ele envia o Espírito Santo. Ele alimenta o seu povo com seu próprio Corpo e Sangue. Ele cumpre as suas promessas.

É tão vasto o alcance deste glorioso mistério que pode parecer difícil, senão impossível, contemplá-lo todo de uma só vez. Em sua sabedoria, a Igreja o recorda através das estações do ano litúrgico. Saboreamos um momento de cada vez por meio de festas que se sucedem umas às outras. O todo está sempre lá, mas costumamos encontrá-lo em alguma faceta particular: a vida de algum grande santo, a comemoração de grandes acontecimentos da vida de Nosso Senhor e da bem-aventurada Virgem Maria, tempos inteiros de penitência e de júbilo.
É na Páscoa, e particularmente na Vigília Pascal, que a Igreja atrai os nossos olhos para o horizonte mais amplo. Ouvimos a história inteira da salvação ser proclamada e, tanto quanto são capazes a nossa liturgia e o nosso louvor, esclarece-se em nossas mentes mortais toda a glória e importância da Ressurreição. A alegria pascal é cósmica, triunfante, exultante. Toda ela é feita de sons de trombetas e luzes ofuscantes. Ela é a apocalíptica no sentido mais antigo: uma revelação do que antes estava escondido na mente de Deus.
A alegria deste tempo, a alegria do Natal, é de um tom completamente diferente. É humilde, tranquila, menos exaltada e, de algum modo, mais profundamente… humana. Como são diferentes o sorriso de um bebê dormindo e a marcha triunfal do Rei dos reis, assim diferem entre si a alegria natalina e a pascal.
Elas diferem e de alguma forma, no entanto, são a mesma alegria. O Menino na manjedoura é o mesmo Cristo que vence a morte. Mas, que primeiro devamos contemplá-lo manso e vulnerável — vindo a todos de surpresa, tanto para Maria e José quanto para alguns pastores —, é uma graça maravilhosa.
O Natal nos permite saborear o quão plenamente humano é este Menino Jesus. Sua humanidade não é mera pele ou revestimento. É a natureza que Ele assumiu. Assim como a graça supõe e aperfeiçoa a natureza, o triunfo divino da Páscoa supõe e aperfeiçoa a alegria humana do Natal.
Tornamo-nos capazes de entender mais plenamente a divindade de Cristo Ressuscitado quando, primeiro, conhecemos a sua humanidade — nossa própria humanidade — na criança dormitando no presépio. Nesse sentido, o Natal não é apenas um marco temporal ou cronológico no mistério da Encarnação — Ele deve nascer antes a fim de que possa, depois, sofrer e morrer —, mas uma preparação para quantos de nós que não conseguimos compreender tudo de uma vez.
À meia-luz da manjedoura, com a estrela sobre as nossas cabeças, podemos, por assim dizer, “ajustar” a nossa visão espiritual. Podemos, devagar, começar a ver. A princípio, somos poupados do brilho forte e ofuscante daquela manhã vernal de domingo [a Páscoa]. Reunidos em torno do presépio, a realidade do que Deus está fazendo começa a despontar sobre nós, literalmente.
Nisto vemos a generosidade de nosso Deus, que não só vem para salvar-nos, como o faz na ternura e na docilidade de um bebê adormecido.
Que alegria!

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