Quando deixou o deserto por admoestação divina, São João Batista, Precursor de Jesus Cristo, dirigiu-se ao Rio Jordão para pregar o arrependimento, preparando assim os homens para reconhecer o Messias. Os abusos e vícios que tinham sido introduzidos entre os judeus, e que haviam se tornado habituais entre eles, eram repreendidos por ele sem distinção de pessoas. 

Naquele tempo, reinava na Judeia o Rei Herodes, de sobrenome Antipas, filho do Herodes que assassinou os Santos Inocentes. O mesmo Antipas, mais tarde, vestiria Nosso Senhor com uma roupa branca e zombaria dele, no processo que culminou em sua execução (cf. Lc 23, 11) [i]. Este rei tinha raptado à força Herodíades, mulher de seu irmão Filipe, ainda vivo, e casara-se com ela. O país inteiro ficou escandalizado com este ato criminoso, mas ninguém se atreveu a censurar o rei por sua conduta ilícita.

O único que não se calou foi São João Batista. O Evangelho diz que Herodes ficou muito satisfeito com a pregação dele e seguia muitas das suas instruções. Por isso, o santo aproximou-se destemidamente do rei e disse-lhe: “Não te é lícito tomar a mulher do teu irmão.” O Evangelho não menciona outras coisas que ele possa ter dito, mas estas poucas e ousadas palavras foram suficientes para irritar o rei a tal ponto, e despertar nele tanto ódio, que ele resolveu livrar-se do severo pregador. 

Pregação de São João Batista, por Bartholomeus Breenbergh.

Temendo, porém, uma revolta do povo, que muito estimava o santo, não ousou pôr logo as mãos nele. A ímpia Herodíades, que se sentia também ofendida com as censuras de João, incitava cada vez mais o rei contra o santo homem, até conseguir enfurecê-lo de tal modo, que o mandou prender. 

Os discípulos do santo, porém, foram visitá-lo na prisão e ouviram com atenção suas santas instruções. Sabemos que ele enviou alguns deles a Cristo, para lhe perguntar: “És tu aquele que há de vir, ou esperamos outro?” É opinião dos Santos Padres que São João não enviou esta mensagem a Cristo por duvidar que Ele fosse o verdadeiro Messias, mas para que seus discípulos, ouvindo-o pregar e testemunhando os milagres que Ele fazia, pudessem crer mais facilmente no que ele lhes dissera sobre o Salvador.   

Julga-se que a prisão de João ocorreu em dezembro e se prolongou até agosto. O aniversário de Herodes foi celebrado nesse mês e, além de outras festividades, ele ofereceu um esplêndido banquete, no qual estavam presentes todos os príncipes da Galileia. 

No final da festa, Salomé, filha de Herodíades, entrou na sala do banquete para entreter os convidados com uma dança. O rei ficou satisfeito com ela a ponto de lhe dizer que podia pedir-lhe um favor, e prometeu concedê-lo, mesmo que isso custasse metade do seu reino. Esta promessa imprudente foi confirmada por um juramento. A frívola bailarina, sem saber o que pedir, aconselhou-se com sua mãe. Esta, que há muito desejava São João fora de seu caminho, para que nada a perturbasse sua luxúria criminosa, disse rapidamente: “Vai e pede a cabeça de João Batista.” A filha perversa, voltando ao rei, disse corajosamente: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista.” 

Salomé com a cabeça de São João Batista, por Ticiano.

O rei horrorizou-se com o pedido inesperado, mas, não querendo magoá-la nem violar o juramento precipitado que fizera, mandou um soldado de sua guarda ir à prisão degolar o santo e trazer num prato a sua cabeça. A ordem cruel e injusta foi imediatamente executada, e a cabeça do santo foi levada num prato a Salomé, que a entregou à sua perversa mãe. 

São Jerônimo conta que Herodíades, para satisfazer sua raiva contra o santo homem, furou a língua dele com uma adaga, em retaliação às censuras destemidas que ele fizera aos vícios do rei. Os discípulos de São João enterraram o corpo santo de seu amado mestre entre os dois profetas Eliseu e Abdias. A sagrada cabeça foi enterrada pela infiel Herodíades em seu palácio, onde permaneceu oculta durante muitos anos, até que foi descoberta por uma aparição do próprio santo, e desde então tem sido muito venerada pelos cristãos. Atualmente está guardada em Roma, na Igreja de São Silvestre. 

A justiça de Deus não deixou impune a crueldade e a tirania de Herodes. O historiador judeu Flávio Josefo relata que ele perdeu a honra e a coroa, pois o rei da Arábia (cuja filha, legítima esposa de Herodes, ele repudiara) invadiu-lhe os domínios com seus exércitos e derrotou-o. O Imperador Calígula baniu-o depois para Lyon, na França. De lá, Antipas fugiu com Herodíades para a Espanha, onde ambos, como castigo por seus crimes, morreram na miséria. A frívola e perversa filha de Herodíades também recebeu sua recompensa: enquanto caminhava sobre um rio congelado, rompeu-se o gelo e ela afundou na água até o pescoço, e o gelo, juntando-se de novo, separou completamente sua cabeça do corpo. Assim terminou a vida desta audaciosa e despudorada dançarina.

Banquete de Herodes.

Considerações práticas

I. Mesmo sendo inocente, São João foi posto na prisão e, depois de ter ficado lá por algum tempo, foi degolado. Durante esse período, o ímpio Rei Herodes ocupava seu trono, e a ímpia Herodíades e sua filha viviam cheias de alegria e prazer. 

Mesmo nos dias de hoje, a vida de muitas pessoas perversas é cheia de confortos temporais, enquanto os piedosos muitas vezes sofrem, inocentes, grandes provações. Observando isso, alguns se espantam e até duvidam da justiça de Deus. Mas se enganam porque Ele, que sabe o que é melhor para todos, permite ou ordena todas essas coisas com justiça. Ele permite que os piedosos sofram a fim de aumentar sua recompensa no Céu, ou para dar-lhes uma oportunidade de expiar, neste mundo, os pecados que cometeram. Aos maus dá bens temporais, para recompensá-los pelas poucas boas obras que fizeram, e pelas quais não pode recompensá-los no Céu, porque suas obras foram feitas em estado de pecado. 

Portanto, quem pode murmurar razoavelmente contra os decretos de Deus? Quem pode duvidar da justiça do Todo-Poderoso, especialmente quando consideramos o destino dos piedosos e dos ímpios na eternidade? 

Hoje, São João reina gloriosamente no Céu, enquanto Herodes, Herodíades e a insolente dançarina ardem no Inferno. Portanto, os piedosos, que sofrem muito nesta terra, se suportarem pacientemente seus sofrimentos tal como fez São João, serão eternamente felizes no Céu. Já os ímpios sofrerão eternamente no Inferno. Por isso, contemple e admire a justiça de Deus, e nunca se atreva a questionar seus decretos. Ele é justo e todos os seus julgamentos estão cheios de sabedoria divina.

São João Batista, atribuído a Alejandro de Loarte.

II. A dança maliciosa da filha de Herodíades provocou a decapitação de João Batista. O santo morreu porque Herodes, satisfeito com a dança dela, tinha prometido, sob juramento, conceder-lhe tudo o que ela pedisse. Aconselhada pela mãe, Salomé exigiu a cabeça do santo precursor de Cristo; e o rei satisfez-lhe o pedido, crendo-se obrigado pelo juramento que fizera. Ao agir assim, Antipas cometeu um grande erro, pois ninguém é obrigado a cumprir um juramento que obriga alguém a pecar. 

Contudo, não deixa de ser verdade que a dança foi a causa da morte de São João, e este fato deu a muitos Santos Padres ocasião para escreverem contra a dança. O resumo de suas lições é o seguinte: a dança, em si mesma, não é pecado; mas é certo que a dança, tal como se pratica nos nossos dias, leva a muitos pecados, que se cometem por pensamentos, palavras e ações, e muitas vezes dá ocasião a crimes que merecem a pena do Inferno. A experiência mostra que a dança, ou a mera presença nos bailes, levou muitas pessoas inocentes a cair no vício, do qual jamais teriam sido culpadas, se não tivessem visto e ouvido o que viram e ouviram nos bailes e festas. 

Por isso, todos os Santos Padres pregaram com severidade contra a dança, e exortaram todos os cristãos a abster-se dela. São João Crisóstomo não hesitava em afirmar que o demônio inventou a dança e se comprazia em estar entre os que a praticavam. Ele disse: “Deus não nos deu os pés para dançar, mas para andar modestamente; o diabo, por sua vez, induz os homens a dançar, e dança com eles.” Santo Efrém diz: “De onde vem a dança? Quem a ensinou aos cristãos? Verdadeiramente, nem Pedro, nem Paulo, nem João, nem qualquer homem cheio do Espírito de Deus; mas o dragão infernal!” Diz Santo Ambróio: “Na dança, não há modéstia nem castidade, e especialmente quando feita à noite, é amiga do vício. A filha de uma adúltera, como a filha de Herodíades, pode dançar, mas quem quiser viver puro e casto deve evitá-la.” Dentre outras piedosas instruções, São Carlos Borromeu oferece a seguinte: “A dança, tão perigosa para a moral cristã, deve ser banida inteiramente pelos fiéis, pois dá origem a muitos pecados contra a pureza, e causa extravagâncias, más ações e assassinatos.” Do mesmo modo falam outros Santos Padres. Se devemos acreditar neles ou no mundo, que considera a dança inocente, você pode decidir por si mesmo. 

Posso apenas dizer que, entre os muitos santos cujas vidas estudei, não encontrei um único dançarino de nenhum dos sexos, mas li muitas vezes que aqueles que foram viciados, durante algum tempo, neste perigoso divertimento, arrependeram-se muito e fizeram severas penitências. Também não encontrei em nenhum lugar a recomendação de que a dança seja um meio de viver uma vida casta e cristã. Nunca ouvi nem li que a dança tenha tornado alguém mais piedoso, ou que alguém tenha recebido, no leito de morte, qualquer conforto ao pensar nas horas que passou dançando. Muitas vezes, porém, li e ouvi o contrário. Não precisamos falar do castigo que o Todo-Poderoso tem frequentemente infligido a tais frivolidades neste mundo. Felizes aqueles que podem dizer com a casta Sara: “Conservei a minha alma pura de toda a concupiscência. Nunca andei com gente licenciosa, nem tive comércio com os que se portam com leviandade” (Tb 3, 16-17). De acordo com São Basílio, esses “que se portam com leviandade” são os dançarinos frívolos. 

A propósito do juramento inconsequente do Rei Herodes, caro leitor, devo lhe dar algumas palavras de instrução. Não há dúvidas de que Antipas não era obrigado a cumprir seu juramento, pois este era ilegal e perverso. É errado fazer esse tipo de juramento. Portanto, erram os não-católicos que não se convertem à verdadeira fé, por pensar que não devem quebrar a promessa que fizeram em sua falsa religião, ou na associação secreta de que fazem parte, de manter-se fiéis à sua seita. Na ocasião, essas pessoas fizeram um juramento acreditando que a agremiação de que faziam parte era verdadeira; por conseguinte, logo que se convençam de que só a Igreja Católica é a verdadeira Igreja de Cristo, devem abandonar a falsa doutrina a que haviam aderido [ii]. Permanecer na heresia é pecado. Quem promete fazer isso conscientemente comete pecado. Mas peca ainda mais ao manter essa promessa quando se convence de seu erro. Portanto, essa pessoa, assim como aquele que jurou não perdoar o próximo ou não ir à igreja, não é obrigada a manter seu juramento.

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 267ss.

Notas

  1. O Pe. Weninger se confunde aqui e diz que Antipas era “irmão do Herodes que vestiu Cristo com uma roupa branca e zombou dele”. Na verdade, o Herodes que mandou executar São João Batista e o que escarneceu de Jesus são a mesma pessoa. (N.T.)
  2. No texto original, o Pe. Weninger diz: “Erram os não-católicos que não se convertem à verdadeira religião, porque pensam que não devem quebrar a promessa que fizeram na primeira comunhão, ou na confirmação, mas que são obrigados a mantê-la. Fizeram, naquela ocasião, um juramento de permanecer fiéis à sua crença, acreditando que a religião protestante que professavam era a verdadeira; por conseguinte, o juramento obriga-os antes a abandonar o protestantismo e a aderir à Igreja Católica, logo que se convençam de que só ela é a verdadeira Igreja de Cristo.” Aqui, o autor refere-se às seitas protestantes cujo sistema sacramental é ainda muito parecido com o da Igreja Católica. É o caso das comunhões anglicanas, oriundas da Reforma Inglesa. Como no Brasil é bastante incomum que as denominações protestantes aceitem a confirmação como sacramento, adaptamos o texto para que fizesse referência a juramentos indevidos lato sensu — como aqueles que fazem os maçons. (N.T.)

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