Dentre os santos listados no Martirológio Romano de 16 de agosto está São Roque, um dos mais popularmente invocados em tempos de peste.
Segundo o suplemento da Legenda Áurea, ele nasceu em 1295, filho do governador da cidade francesa de Montpellier. (Os estudiosos modernos tendem a localizar o nascimento dele em meados do século XIV.) Com a morte dos seus pais, ele distribuiu aos pobres o considerável patrimônio herdado deles, e tornou-se um peregrino em tempo integral.
Os hospícios que foram construídos perto de muitos grandes centros de peregrinação para receber os peregrinos serviam também como hospitais para os pobres (daí as duas versões da mesma palavra, derivadas do latim hospes, “hóspede”); no tempo de Roque a peste corria desenfreada, e ele encontrou muitos sofredores nestes lugares enquanto viajava para Roma e em várias cidades do norte de Itália. Curou a muitos simplesmente fazendo o sinal da cruz sobre eles, até que ele próprio foi infectado [i]. Não querendo impor mais um fardo ao hospital local, foi até a floresta para morrer, mas foi miraculosamente alimentado por um cachorro, até que o dono do animal encontrou o santo e tomou conta dele [ii]. Depois de se recuperar, Roque continuou a curar muitas pessoas da peste.
Porém, ele não foi reconhecido quando regressou a Montpellier, e por isso foi detido como espião e encarcerado, permanecendo em cativeiro até a sua morte cinco anos mais tarde. Quando vieram para cuidar de seu corpo, ele foi reconhecido como filho do antigo governador da cidade a partir de uma marca de nascença cruciforme em seu peito. Ao lado do corpo, foi encontrada uma tabuinha com as seguintes palavras: “Indico que aqueles que sofrem da peste escaparão do cruel contágio se buscarem a proteção de Roque”. Uma igreja magnífica foi construída, onde seu corpo foi colocado para descansar e muitos milagres continuaram a acontecer por sua intercessão.
A devoção a São Roque espalhou-se muito rapidamente ao longo do final do século XIV e do início do século XV. Embora a festa dele raramente se encontre nos calendários litúrgicos, as Missas votivas em sua honra são incluídas com muita frequência entre as dedicadas aos santos que realizam curas. Nos Missais de Sarum, Utrecht e outros usos, sua Missa votiva se encontra na ilustre companhia dos Santos Sebastião, Genoveva, Erasmo, Cristóvão, Antão, e do Arcanjo Rafael. Uma versão comum inclui até um Prefácio próprio (algo quase inaudito no período pré-tridentino), referindo-se à misericórdia de Deus ao poupar os ninivitas, pedindo a sua libertação misericordiosa da peste, mas sem fazer qualquer menção a Roque.
Uma Coleta [iii], presente em mais de um livro litúrgico que menciona a festa, diz o seguinte:
Deus, qui beato Rocho per Angelium tuum tabulam eidem afferentem promisisti, ut qui ipsum invocaverit a nullo pestis cruciatu lædéretur: præsta quæsumus, ut qui ejus solemnia celebrámus, ipsius meritis et precibus a mortifera peste corporis et animæ liberemur. Per Dominum… — Ó Deus, que prometestes a São Roque, através de uma tábua entregue a ele por vosso anjo, que quem o invocasse não seria afligido por nenhuma peste, nós vos pedimos: concedei aos que celebramos sua festa ser livres, por seus méritos e preces, da peste mortífera ao corpo e à alma. Por Nosso Senhor…
O suplemento da Legenda Áurea diz também que o corpo dele foi roubado pelos venezianos em 1475 e conservado numa igreja “muito conhecida”, que eles construíram em sua homenagem e que existe ainda hoje. A sede de uma confraria piedosa batizada com o nome dele está localizada nas proximidades, e é com razão conhecida como a “Capela Sistina de Veneza”, cheia de pinturas do grande mestre veneziano Tintoretto.
Como era um dos portos mais movimentados da Europa e estava em contato regular com o Oriente, Veneza era uma cidade à qual chegavam continuamente novas pragas (ou novas cepas de pestes antigas); mais de vinte surtos foram registados lá entre meados do século XIV e meados do século XVI.
Pode ser que os venezianos tenham agido por puro desespero ao roubar [o corpo de] São Roque; por outro lado, os roubos piedosos deste tipo eram uma especialidade deles, e ao longo dos anos eles também conseguiram roubar São Marcos Evangelista e Santo Atanásio dos coptas de Alexandria, Santa Lúcia da cidade de Siracusa, e uma das cadeiras de São Pedro de Antioquia.
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