São Francisco de Borja, exemplo luminoso de virtude, tanto para eclesiásticos como para leigos, nasceu em 1510, em Gandia, na Espanha. Era filho de João Bórgia, terceiro duque de Gandia, e de Joana de Aragão, neta de Fernando, o Católico. Francisco, ainda criança, era já notável por sua virtude e piedade. Com apenas dezessete anos, foi para a corte do Imperador Carlos V, onde, apesar dos muitos e grandes perigos a que estava exposto, preservou a inocência pela recepção frequente do Santíssimo Sacramento, pela grande devoção à Santíssima Virgem e pela prática da mortificação.
Seus talentos e sua vida edificante conquistaram a estima do imperador. Por isso, a imperatriz deu-lhe em casamento uma dama muito virtuosa, sua grande predileta. Francisco foi então nomeado estribeiro-mor do imperador e marquês de Lombay. A corte que Francisco manteve depois de casado poderia servir de modelo a todos os príncipes cristãos. Dividiu as horas do dia de modo que certas horas eram dedicadas à oração, aos negócios e à recreação. Ao mesmo tempo, iniciou a prática louvável de escolher todos os meses um santo para ser venerado especificamente. Opunha-se fortemente ao jogo e não permitia que seus servos se entregassem a ele. Costumava dizer: “O jogo é acompanhado de grandes perdas: perda de dinheiro, de tempo, de devoção e de consciência”.
Tinha a mesma aversão pela leitura de livros frívolos, mesmo que não fossem imorais. Seu grande prazer estava na leitura de livros devotos, e dizia: “A leitura de livros devotos é o primeiro passo para uma vida melhor.” Na época em que viveu, os maiores entretenimentos das classes mais abastadas eram a música e a caça; e, como não podia abster-se deles por completo, tinha o cuidado de, nessas ocasiões, elevar os pensamentos ao Todo-Poderoso e mortificar-se. Assim, quando ia à caça, fechava os olhos no exato momento em que o falcão se precipitava do alto, privando-se do maior prazer (segundo dizem) envolvido nesse tipo de caça.
Para afastar completamente o seu servo do mundo, o Todo-Poderoso enviou-lhe várias doenças graves, que o fizeram reconhecer a instabilidade de tudo o que é terreno. Ficou mais convicto disso após a morte da imperatriz, cuja admirável beleza era exaltada por toda a parte. Por ordem do imperador, coube a Francisco acompanhar os restos mortais dela até o jazigo real de Granada. Lá o caixão foi aberto antes do enterro, e a visão que os espectadores tiveram foi terrível. Da bela imperatriz nada mais restava senão um cadáver, tão desfigurado, que todos desviavam os olhos dele, e tão malcheiroso, que afastava a maior parte dos espectadores.
São Francisco ficou profundamente comovido e, após o enterro, foi para o seu quarto, prostrou-se diante do crucifixo e, depois de dar vazão aos seus sentimentos, exclamou: “Não, não, meu Deus! De agora em diante não terei nenhum mestre que a morte possa tirar de mim.” Então, fez o voto de entrar numa Ordem religiosa, caso vivesse mais do que sua consorte. Depois disso, costumava dizer muitas vezes: “A morte da imperatriz despertou-me para a vida.”
Quando Francisco regressou de Granada, o imperador nomeou-o vice-rei da Catalunha e, nesta nova posição, o santo duque continuou a levar uma vida mais religiosa do que mundana. Tinha um cuidado paternal com os seus súditos, e todos tinham acesso a ele a qualquer hora. Em relação aos pobres, manifestava grande bondade. Dedicava, diariamente, quatro ou cinco horas à oração. Jejuava quase todos os dias e flagelava-se até sangrar. Assistia à Missa e comungava todos os dias. Quando ouviu dizer que, nas universidades, tinham surgido disputas entre os teólogos a respeito da Comunhão frequente, escreveu a Santo Inácio, em Roma, e pediu-lhe sua opinião sobre o assunto. Santo Inácio escreveu-lhe de volta, aprovando a prática e confortando-o em suas reflexões.
Nesse ínterim, a morte do pai lhe impôs a administração de suas vastas propriedades, o que não alterou em nada seu piedoso modo de viver. Pouco tempo depois, adoeceu sua consorte, igual a ele em virtude. Francisco rezou fervorosamente a Deus por sua recuperação. Um dia, enquanto rezava assim, ouviu uma voz interior que lhe dizia: “Se desejas que tua consorte se recupere, teu desejo será realizado, mas isso não te beneficiará.”
Assustado com tais palavras, imediatamente submeteu sua vontade em tudo à vontade divina. A partir daquele momento, o estado de saúde da duquesa piorou, e ela morreu como tinha vivido: piedosa e pacificamente. Lembrando-se de seu voto, São Francisco decidiu cumpri-lo sem demora. Aconselhando-se com Deus e com seu confessor, escolheu a Companhia de Jesus, que havia sido fundada recentemente. Escreveu a Santo Inácio e pediu para ser admitido, o que lhe foi concedido com alegria.
Mas, para solucionar seus negócios de forma satisfatória, foi obrigado a permanecer mais quatro anos em seus cargos. Finalmente, depois de entregar os bens ao filho mais velho, com a autorização do imperador, tomou o hábito religioso e partiu para Roma. Apenas quatro meses depois de sua chegada, foi informado de que o Papa queria elevá-lo ao cardinalato e, para eximir-se dessa honra, voltou para a Espanha. Depois de ser ordenado sacerdote, celebrou sua primeira Missa na capela do castelo de Loyola, onde nascera Santo Inácio, e passou alguns anos pregando e instruindo o povo.
Precisaríamos de mais tempo para contar quantos pecadores converteu e quanto trabalhou para a honra de Deus e a salvação das almas. Durante esse período, visitou Carlos V, na solidão em que este grande imperador havia escolhido passar seus últimos dias, depois de ter abdicado do trono. Por fim, foi convocado a comparecer em Roma, onde o elegeram superior geral da Companhia de Jesus, ainda que muito a contragosto seu. Cumpriu os muitos e árduos deveres desse cargo com a máxima diligência, sendo sua maior preocupação promover a honra de Deus e a salvação das almas.
Para atingir esse objetivo, fundou colégios em muitas cidades e enviou apóstolos a todas as partes do mundo para converter os pagãos. Em todas as perseguições da Companhia, ele depositava sua confiança em Deus. Costumava dizer que a Companhia era odiada e perseguida, em primeiro lugar, pelos hereges e infiéis; em segundo lugar, por aqueles que levavam uma vida sem Deus; e, em terceiro lugar, por aqueles que não estavam bem informados do fim e do objetivo de seus membros.
Depois de governar sabiamente a Ordem por sete anos, o Papa o enviou à Espanha, Portugal e França para tratar dos assuntos mais importantes da Igreja. Esta longa e penosa viagem, aliada aos trabalhos de sua missão, esgotou suas forças, de modo que adoeceu antes de chegar a Roma. Percebendo o perigo em que se encontrava, apressou-se ao máximo. No caminho, visitou a santa casa de Loreto, para encomendar-se à proteção da Virgem Santíssima. Quando finalmente chegou a Roma, mais morto do que vivo, preparou-se sem demora para receber os últimos sacramentos. O tempo que ainda lhe restava na terra, passou-o em exercícios devotos; por isso, não quis receber visitas nem mesmo de bispos e cardeais, dizendo que, então, tinha coisas a tratar somente com Deus, Senhor da vida e da morte.
Antes de morrer, caiu num êxtase enquanto rezava em silêncio; e depois disso, cheio de confiança e esperança, entregou sua alma nas mãos do Pai celestial, em 1572. Seu corpo foi contemplado e honrado como o de um santo, tanto pelos prelados da Igreja, como pelos leigos; e por meio de muitos milagres Deus aprovou sua veneração. Provas ainda mais evidentes de sua santidade foram as virtudes com que se destacou, tanto na vida religiosa como no mundo (quando vivia na casa de seu pai e na corte). Aqueles que recorriam aos seus conselhos com frequência, entre os quais se contava Santa Teresa d’Ávila, consideravam-no um santo; e esta era também a opinião de muitos outros que conheceram sua santa maneira de viver.
Falta-nos espaço para falar de todas as virtudes dele, mas uma não podemos deixar passar em branco: a virtude da humildade, ou seja, o desprezo de todas as honras mundanas. Sua humildade era profunda e admirável na mesma proporção de sua origem e das elevadas dignidades que lhe foram conferidas. Foi por humildade que ele, mais de uma vez, recusou o chapéu cardinalício. Na mesma medida em que os outros desejavam ser elogiados, ele preferia ser desprezado. Nunca dizia uma palavra de louvor a si próprio, nem permitia que os outros o exaltassem. Geralmente, sua assinatura nas cartas era: “Francisco, o pecador”. Não se considerava digno de honra alguma, mas apenas de castigo e desprezo. Quando, durante uma viagem, era levado a uma hospedaria deplorável e era mal servido, não proferia uma única palavra de queixa, mas dizia que aquilo era melhor do que merecia.
Como superior geral da Companhia de Jesus, executava os trabalhos mais simples da casa. Servia o cozinheiro, dava comida aos pobres que passavam na porta, varria a casa e levava cestos de pão e outros alimentos aos indigentes. As muitas injustiças e injúrias que Deus permitiu que lhe fossem feitas; as muitas perseguições que ele inocentemente sofreu; as dores de várias doenças: tudo isso ele suportou, não apenas com paciência cristã, mas com alegria e desejo de sofrer ainda mais.
Muitas vezes rogava a Deus que lhe desse cruzes ainda maiores, pois acreditava que seus pecados mereciam mais punições. Essa admirável humildade era o resultado de sua severa e quotidiana mortificação. Por isso, era incansável na prática da penitência. Na época em que era duque, tinha um corpo muito avantajado, mas depois ficou tão magro por causa dos jejuns, que conseguia dobrar a pele como se fosse um casaco, pois esta chegou a cerca de um metro de largura.
Tornava desagradável a comida que ingeria, acrescentando-lhe várias ervas amargas. Quando estava doente, tomava os remédios muito lentamente, para poder saborear seu amargor. Açoitava-se diariamente sem piedade, e sabe-se que chegou a dar oitocentas chicotadas em si mesmo num único dia. Usava constantemente, em volta do corpo, uma cinta de ferro com pontas afiadas. Em suma, não podemos imaginar nenhum tipo de humilhação e mortificação que ele não tenha praticado até o fim da sua santa vida. Por isso, não é de admirar que Deus, que exalta aqueles que se humilham, tenha dado a São Francisco os dons de profecia, de libertar os possessos, de curar os doentes e de fazer outros milagres.
Considerações práticas
I. Antes de entrar para a vida religiosa, São Francisco instituiu em sua corte a veneração dos santos do mês. Todo católico, além de venerar o Todo-Poderoso, deve prestar culto aos santos. Devemos honrar especialmente a Mãe de Deus, por ser a Rainha de todos os santos; em seguida, São José, pai adotivo de Cristo, e, finalmente, nosso anjo da guarda e nosso padroeiro.
Também devemos escolher alguns padroeiros especiais, por quem sentimos particular estima e amor. É igualmente muito benéfico adotar a prática dos padroeiros mensais, que consiste em escolher, no último dia de cada mês, um santo cuja festa se celebrará no mês seguinte, para ser invocado e honrado todos os dias do mês. Se possível, deve-se ler sua biografia e escolher algo dela para imitar. Também podemos receber os sacramentos no dia de sua festa, ou no domingo posterior a ela, e empregar em boas obras um pouco mais de tempo que o habitual.
Sabe-se que vários grandes servos de Deus, no fim dos seus dias, invocaram os santos que haviam honrado como patronos mensais durante a vida, e não se pode duvidar que deles receberam benefícios e conforto. “Cada um”, diz São Boaventura, “deve venerar com grande devoção um santo específico, louvando-o diariamente e praticando alguma boa obra em sua honra.”
II. A contemplação do cadáver da imperatriz, célebre por sua beleza, levou São Francisco de Borja a desprezar o mundo e fazer a resolução heroica de servir somente a Deus. Oh! Se esses cegos que tanto se encantam com a beleza de um ser mortal, a ponto de perder a alma e a salvação por causa dela, refletissem seriamente como ficará seu corpo depois que a alma o tiver deixado! Nessa ocasião, ninguém conseguirá ficar perto dele, que despertará a repugnância de todos os que o olharem. Vão tirá-lo de casa às pressas e enterrá-lo; e então acontecerá o que diz a Sagrada Escritura: “Quando o homem está morto, tem por herança serpentes, bichos e vermes” (Eclo 10, 13) e, por fim, será reduzido a pó e cinza. É possível que alguém saiba e acredite nisso e, no entanto, perca o Céu por amor a um corpo tão perecível?
E se você se orgulha de sua própria beleza, pense em como ficará dentro de pouco tempo. Seu corpo não terá sorte melhor que o cadáver da bela imperatriz. Os vermes o devorarão. Portanto, com que cegueira você age, se agora se preocupa mais com sua beleza e conforto que com sua alma imortal. Ah! Siga o exemplo de São Francisco e preocupe-se mais com sua salvação. Comprometa-se em servir a Deus constantemente e com mais zelo. Pergunta São Bernardo: “Por que te preocupas tanto em satisfazer-te, em enfeitar teu corpo, que dentro de poucos dias será alimento dos vermes? Por que te preocupas tão pouco com o bem-estar e a beleza de tua alma, que deverá comparecer diante do Senhor, teu Deus?” E diz São Pedro Damião: “Repara bem que o teu corpo, agora nutrido com alimentos deliciosos, em breve será alimento dos vermes, e será ainda mais terrível o seu mau cheiro”.
O que achou desse conteúdo?