Todos sabem que o Domingo Laetare, ou “da Alegria”, é um dos domingos “rosas” do ano litúrgico, servindo de interlúdio mais festivo durante a austeridade da Quaresma. É como uma pausa para respirar durante uma maratona de seis semanas. Mas com o que exatamente nos alegramos? A Coleta [no rito tridentino] nos dá uma pista:

Concéde, quáesumus, omnípotens Deus: ut qui ex mérito nostrae actiónis afflígimur, tuae gratiae consolatióne respirémus. Per Dóminum. — Nós vos suplicamos, ó Deus todo-poderoso, que, aniquilados pelo mérito das nossas ações, possamos respirar novamente pelo consolo de vossa graça. Por Nosso Senhor… [i]

A maioria dos Missais de bolso traduz affligimur por “aflitos”, e estão corretos. Mas como, em última instância, affligere deriva de uma raiz que significa “aniquilar”, forma um contraste natural com respirare, “respirar novamente” ou “reviver”.

Recordamos a terrível tortura infligida a Santa Margarida Clitherow, que estava grávida quando foi aniquilada a pedradas durante o reinado de Elizabete I, na Sexta-Feira Santa, por ter-se recusado a renunciar à fé católica. Nessa Coleta, reconhecemos que nossas próprias ações carregam o grande peso da morte, e rezamos para que ele seja aliviado e nós possamos respirar novamente — o que reforça, por sua vez, a ideia do Domingo da Alegria como uma lufada de ar fresco em meio ao ardor da Quaresma.

Além disso, rezamos para respirar novamente ou ser reanimados pela consolação da graça de Deus. O apelo à consolação nos leva de volta ao Intróito do dia [ii]:

Laetáre, Jerúsalem: et convéntum fácite, omnes qui dilígitis eam: gaudéte cum laetítia, qui in tristítia fuístis: ut exsultétis, et satiémini ab ubéribus consolatiónis vestrae. Laetátus sum in his, quae dicta sunt mihi: in domum Dómini íbimus. ℣. Glória Patri. — Alegra-te, ó Jerusalém, e reuni-vos todos os que a amam; exultai de alegria, vós que estáveis tristes, para que possais exultar-vos e ficar cheios a partir dos seios de vossa consolação (Is 66,10.11). Alegrei-me no que me disseram: “Iremos à casa do Senhor” (Sl 121,2). ℣. Glória ao Pai.

São os seios de Jerusalém que trazem consolação. O rito romano tradicional é maravilhosamente concreto: se Jerusalém é uma mãe (e ela o é, como confirma a leitura da Epístola, tirada de Gl 4,22-31), tem seios que nos consolam como uma mãe a acalmar o bebê que chora. Mas o que são exatamente os seios de nossa mãe celestial, a Igreja?

“Milagre dos pães e dos peixes”, por Giovanni Lanfranco.

O Evangelho (cf. Jo 6,1-15) responde à pergunta. No milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, temos uma prefiguração da Eucaristia, o Pão da Vida que desafia as leis do espaço, do tempo e da matéria, ao multiplicar de forma mística a nossa comida espiritual. Foi essa sensibilidade que levou a bem-aventurada Juliana de Norwich a comparar ao seio materno o “doce lado aberto” do corpo crucificado de Cristo, do qual jorraram água e o preciosíssimo Sangue (Revelações do Amor Divino, 60). 

Na Inglaterra, o Domingo da Alegria é o Mothering Day, isto é, o “Domingo Materno”, o “Dia das Mães” original. Na Idade Média, estudantes e aprendizes eram autorizados a visitar sua “igreja mãe”, isto é, o templo em que foram batizados. Como estavam de visita à casa, iam ver suas mães e levavam presentes. O bolo Simnel é uma herança saborosa dessa antiga tradição.

O Domingo da Alegria, em outras palavras, é de júbilo porque sabemos que, apesar dos escândalos e corrupções que possam atingi-la, nossa santa Madre Igreja ainda tem os seios da consolação eucarística que nos nutrem e alimentam. Por isso, quão apropriado é que recebamos a Sagrada Comunhão de joelhos e na boca! Essa não é, de fato, a posição exata de um bebê a ser amamentado, mas expressa uma atitude de súplica, abandono e receptividade. Como explica a Beata Juliana, Jesus quer que assumamos a natureza dependente e confiante de uma criança (Ibid., 61).

Notas

  1. No Missal Romano Quotidiano de D. Gaspar Lefebvre e dos Monges Beneditinos de S. André, a Coleta antiga do 4.º Domingo do Advento vem traduzida de forma mais bela, ainda que menos literal: “Concedei, Senhor onipotente, que nós, que somos merecidamente castigos pela nossa má conduta, encontremos refrigério na paz da vossa graça” (N.T.).
  2. Como no último domingo, o Intróito do rito antigo foi preservado no rito de Paulo VI como antífona de entrada da mesma Missa do 4.º Domingo da Quaresma (N.T.).

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