Antigamente, uma boa catequese vinha sempre acompanhada do esforço por decorar os Mandamentos. Minha avó era catequista e não deixava que as crianças sob sua responsabilidade recebessem os sacramentos, fosse o da Comunhão, fosse o do Crisma, sem terem decorado o Decálogo inteiro. Ela cobrava os meninos, recebia-os em casa e, se eles não demonstrassem ter memorizado os benditos dos preceitos, todos os dez, sem exceção e na ordem, não tinha jeito: eles ficavam “de recuperação” e no ano seguinte tinham de ter aulas de novo com ela. (Ela também exigia que os meninos decorassem todos os mistérios do Rosário, porque, dizia, “se um dia alguém pedir para eles puxarem o Terço, eles sabem”. Mas isso é uma outra história…)

Quando ela me contava o modo como procedia, eu, pequeno, via nisso um grande exagero. Hoje, crescido e com um pouco mais de juízo, vejo que ela estava muito certa em fazer tudo aquilo. 

Agora os tempos estão mudados, e com eles a catequese. Não há mais “repetentes” nas salinhas de nossas paróquias. Em compensação, abunda a ignorância religiosa nos bancos dessas mesmas igrejas. Se fizéssemos uma pesquisa sobre Mandamentos com as pessoas que frequentam a Missa de domingo, as respostas dadas certamente nos surpreenderiam. “Não matar” e “não roubar” certamente estaria na boca de todos, mas cobrar em que lugar os dois preceitos estão seria pedir demais. O amor a Deus e ao próximo como resumo das duas tábuas da Lei também com certeza seriam citados por outros tantos, mas só. Mais informações a respeito talvez com o padre? Não sem uma rápida pesquisa no Google primeiro…

Por que isso deveria nos preocupar? Porque ninguém pode viver aquilo que não conhece. E isso significa que hoje, sinceramente, só colocar as crianças para decorar os Mandamentos seria muito pouco e superficial. Pois ao lado das velhas tábuas mosaicas, hoje a internet tem uma porção de “mandamentos” a prescrever para os nossos filhos: o lugar antes ocupado pelas emissoras de TV agora é preenchido pelo YouTube, pela Netflix e por um punhado de outros canais de comunicação que de cristãos não têm nada. E, infelizmente, devido à negligência com que os pais têm vigiado o acesso de seus filhos aos smartphones e similares, tudo está a um clique de disposição.

Quando o Apóstolo disse: “Não vos conformeis com este mundo” (Rm 12, 2), ele se dirigia à comunidade de Roma, é certo. Mas o Espírito Santo, inspirando aquelas palavras, tinha uma mensagem bem especial também para os cristãos da nossa época. Pois vivemos num tempo em que é muito fácil conformar-se com este mundo. Com a internet, o acesso ao mundo, às coisas que estão nele, nunca foi tão fácil e imediato. Quando eu frequentava a escola, fazer um trabalho de pesquisa em casa era algo que realmente dava trabalho. Não havia Wikipédia e poucas pessoas tinham a enciclopédia Barsa. Agora, basta digitar algumas coisas no Google e você tem uma biblioteca inteira à sua disposição. 

Essa facilidade não é em si uma coisa ruim, mas, desvinculada de uma vida verdadeiramente cristã — isto é, onde se luta para viver na graça de Deus e onde há oração e recolhimento —, ela se converte em um verdadeiro desastre. O resultado é que, dia após dia, ouvindo tudo quanto é tipo de música, assistindo a tudo quanto é série e filme, acessando todo e qualquer conteúdo que nos aparece na internet, pouco a pouco nós vamos assumindo as formas, os traços e os contornos do mundo. E se “o mundo jaz no Maligno” (1Jo 5, 19), você pode imaginar a que figuras muitos temos nos assemelhado…

Sim, estamos sendo arrastados pelo pecado, pelos demônios, rumo ao fogo do Inferno. Assimilando aquilo que atravessa indiscriminadamente as portas de nossos sentidos, temos trazido o lixo que está lá fora para dentro de nossas almas. Talvez até estejamos cegos e não consigamos ver o estado de podridão em que nos encontramos, mas a verdade é que estamos nos tornando pessoas piores… (E o fato de não nos darmos conta só torna a coisa ainda pior.)

O primeiro remédio contra esse processo avançado de desfiguração em que tantos nos encontramos é justamente a volta aos Mandamentos. Os dez preceitos, ausentes das homilias, esquecidos pelos adultos e mal aprendidos pelas crianças, são o único caminho para que deixemos de conformar-nos com o mundo e passemos a imitar Jesus Cristo. Nenhum outro sistema moral será capaz de suprir essa lacuna. Porque, sejam quais forem as tábuas que talharmos, elas terão sempre a mesma origem humana e falível, sendo por isso incapazes de nos salvar de nossa desorientação e baixeza. 

Mas, também, tampouco nos será suficiente uma leitura ou um conhecimento raso do Decálogo. Para nós, isso sempre será muito pouco porque, se no pecado fomos tão fundo, é preciso que lutemos com ainda mais afinco para subir.

Exame de consciência, portanto! Corramos ao confessionário! Mas nada de “não roubei”, “não matei” e “não traí minha esposa ou meu esposo”. Precisamos ir às minúcias do que Deus nos manda, aos detalhes de cada um dos Mandamentos. Porque Nosso Senhor mesmo lembrou que não é o bastante “não cometer adultério”: é preciso ser puro até a delicadeza de consciência, evitando o mínimo olhar ou pensamento de luxúria; igualmente, não é o suficiente “não matar”: é preciso ser paciente com o outro de maneira radical, indo das palavras à mente, do semblante ao coração (cf. Mt 5, 21-32).

A catequese ideal nesse sentido seria uma capaz de gravar as letras do Decálogo não só em nossa memória, mas em nossa vontade. Só que isso catequista nenhum pode fazer, se não houver da parte de quem é formado humildade para reconhecer nossa ignorância religiosa e para aceitar o que Deus revelou, primeiro a Moisés e depois aos Apóstolos. Precisamos nos despir de nossas opiniões pessoais contrárias ao Magistério da Igreja, abaixar a nossa cabeça e reconhecer que Deus sabe as coisas e eu não, eu não sei nada, eu sou o meu pior inimigo e, entregue a mim mesmo, eu só irei me destruir cada vez mais.

A partir dessa humilhação inicial, desse arrependimento básico (que já é cooperação com a graça de Deus), Ele irá infundir em nós mais e mais graças… E, se formos fiéis, quem sabe um dia não poderemos cantar, de coração sincero, com o salmista: “Com meus lábios, ó Senhor, eu enumero/ os decretos que ditou a vossa boca. Seguindo vossa lei me rejubilo/ muito mais do que em todas as riquezas. Eu quero meditar as vossas ordens,/ eu quero contemplar vossos caminhos! Minha alegria é fazer vossa vontade;/ eu não posso esquecer vossa palavra” (Sl 118, 13-16).

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