A presente transcrição refere-se à vida litúrgica. É de grande importância e utilidade saber o modo de aproveitar espiritualmente e de haurir ao máximo os frutos da Missa e do Ofício Divino, especialmente por fazerem parte da rotina dos sacerdotes, de religiosos e de muitos católicos piedosos.

Compreende-se por Ofício Divino a recitação durante o dia das “Horas canônicas”, compostas essencialmente de passagens das Sagradas Escrituras, principalmente dos Salmos.

O costume de recitar orações em certas horas ao longo do dia remonta aos judeus. E mesmo entre os Apóstolos havia essa prática: “Pedro e João subiam um dia ao templo para a oração da hora nona” (At 3, 1). Ademais, segundo a tradição, São Marcos Evangelista teria transmitido esse hábito aos cristãos de Alexandria.

O desenvolvimento do Ofício Divino foi concluído no final do século VI. A partir do Concílio de Trento, porém, a reforma dos livros litúrgicos entrou numa nova fase: desde Pio IV até Bento XV, tal prática vem sendo reformada e corrigida, resultando no costume moderno.

Por meio da devota recitação do Ofício Divino louvamos a Deus; santificamos o dia ao nos colocarmos na presença de Deus entre os afazeres diários; intercedemos de modo eficaz pelo próximo e pela Igreja; crescemos em nossa vida interior e no conhecimento das Sagradas Escrituras; etc.

A Santa Missa, por sua vez, sempre foi o centro da espiritualidade católica, uma vez que é a própria renovação do sacrifício de Cristo na Cruz, do qual nos vêm todas as graças. Ao lermos a vida dos santos podemos ver características diferentes entre eles, mas a devoção à Missa é uma unanimidade.

O autor do excerto a seguir, Dom Jean-Baptiste Chautard, nasceu em 1858 e morreu em 1935. Foi um monge e sacerdote trapista, muito conhecido por sua obra “A alma de todo apostolado”, sendo este o livro de cabeceira do Papa São Pio X e recomendado pelo Papa Bento XV. A obra trata da necessidade da vida interior e é dirigida sobretudo aos sacerdotes e aos que se dedicam à evangelização.

No trecho em questão, deslocamos para o corpo do próprio texto, entre colchetes, as principais notas do autor e algumas outras do tradutor, dada a importância do que dizem. As passagens em latim foram traduzidas por nossa equipe, tendo em vista facilitar a compreensão dos que leem. 


Meu bom Mestre, dignastes-vos fazer-me compreender o que é a vida litúrgica. Desculpar-me-ei acaso com as exigências do meu ministério, a fim de me subtrair ao esforço que me pedis para a pôr em prática? Certamente Vós me responderíeis então que o desempenhar, em harmonia com os vossos desejos, as próprias funções litúrgicas, não requer mais tempo que o desempenhá-las maquinalmente. Apontar-me-íeis também o exemplo de tantos servos vossos, entre outros o de São João Gabriel Perboyre [i], os quais, por Vós onerados de ocupações contínuas e absorventes em grau realmente intensivo, eram, entretanto, almas litúrgicas de primeira ordem.

“Alegoria do Santíssimo Sacramento”, por Juan Correa.

a) Preparação remota. — Fazei, bom Salvador, que meu desejo de vida litúrgica se manifeste por grande espírito de fé em tudo quanto se relacione com o culto divino. 

Vossos anjos e vossos santos face a face vos contemplam. Nada logra distrair seu espírito das augustas funções que constituem um dos elementos do seu júbilo indescritível. Mas, sujeito ainda a todas as fraquezas da natureza humana, como eu hei de poder manter-me na vossa presença, quando vos falo com a Igreja, se não desenvolverdes em mim o dom de fé que recebi no Batismo?

Jamais, ao que me parece, quererei considerar as funções litúrgicas como tarefa a terminar o mais depressa possível ou a suportar porque me dá certo lucro. Jamais, como espero, ousarei falar ao Deus três vezes santo, ou realizar os ritos com desmazelo que eu teria vergonha de manifestar a respeito do mais humilde dos criados. Jamais quererei que sirva de escândalo aquilo que deve servir de edificação. E todavia posso, porventura, prever até onde eu iria parar, se começasse a deixar de exercer vigilância sobre mim mesmo pelo que toca ao espírito de fé?

Ó meu Deus, se eu estou já nesse declive, amparai-me ou, antes, dai-me fé tão viva que, empolgado pela importância que os atos litúrgicos têm verdadeiramente a vossos olhos, eu me rejubile em sentir a sua sublimidade entusiasmando cada vez mais minha vontade.

Teria eu acaso o mínimo espírito de fé, se nenhum zelo manifestasse no conhecimento das rubricas e na sua observância? Os mais belos pensamentos sobre a liturgia não lograriam, perante Vós, ó meu Deus, desculpar minha negligência. Pouco importa que eu não sinta nenhum atrativo natural por esse trabalho; basta-me que vos agrade a minha obediência e que eu saiba quanto ela me será proveitosa. 

Quando fizer exercícios espirituais, jamais deixarei de examinar-me sobre este ponto relativo ao missal, ao ritual e ao breviário. A vossa Igreja, ó Jesus, utilizou-se principalmente das riquezas dos Salmos para o seu culto. Tenha eu o espírito litúrgico e a minha alma, nos fragmentos do Saltério, virá a descobrir-vos figurado sobretudo na vossa vida paciente. 

Ela conhecerá que essa palavra íntima, esses sentimentos que vosso Coração dirigia a Deus durante a vossa vida mortal, encontram-se em grande número de composições proféticas por Vós inspiradas ao salmista. 

Ali encontrará ela maravilhosamente sintetizados de antemão os principais ensinamentos do vosso Evangelho. 

Sob os mesmos véus, eu ouvirei a voz da Igreja continuando a vossa vida de provações e manifestando a Deus, no decurso dos seus sofrimentos e dos seus triunfos, sentimentos modelados pelos do seu divino Esposo; sentimentos que, nas suas tentações, reveses, combates, desânimos, decepções, bem como nas suas vitórias e consolações, pode fazer seus qualquer alma em quem venha a manifestar-se a vossa vida. 

Reservando parte de minhas leituras para a Sagrada Escritura, hei de desenvolver dessa sorte o meu gosto pela liturgia e facilitar a minha atenção às palavras. [“Quem ora e entende, tira mais proveito do que quem só ora com os lábios. Pois quem entende, nutre-se quanto ao intelecto e quanto ao afeto” (S. Tomás, Com. in I Cor. XIV 14).]

A reflexão me ensinará a descobrir, em qualquer composição litúrgica, uma ideia central em derredor da qual gravitam diversos ensinamentos. 

Que armas contra a mobilidade da tua imaginação tu poderás assim forjar, ó minha alma, mormente se souberes instruir-te por meio dos símbolos. 

A Igreja usa deles para falar aos sentidos a linguagem que os cativa, tornando-lhes sensíveis as verdades representadas. Agnóscite quod ágitis, disse-me ela quando me ordenou. “Toma consciência do que fazes”. A Igreja, minha mãe, dá às cerimônias roupas, objetos, vestimentas sagradas, a tudo, voz significativa. Como lograrei eu iluminar a inteligência e atingir o coração dos fiéis que a Igreja quer cativar por meio dessa linguagem tão simples quão grandiosa, se eu próprio não possuir a chave dessa pregação?

“Missa em uma cabana de Connemara”, pelo irlandês Aloysius O’Kelly.

b) Preparação próxima. Ante orationem præpara ánimam tuam: “Antes da oração prepara a tua alma” (Eclo 18, 23). Imediatamente antes da Missa e cada vez que rezo o breviário: ato calmo, mas enérgico de recolhimento, para abstrair-me de tudo o que não se refere a Deus e para fixar nele a minha atenção. É Deus aquele a quem eu vou falar. 

Mas Ele é também meu Pai. A este temor reverencial que a própria Rainha dos anjos observa quando fala a seu divino Filho, eu unirei a singela ingenuidade que até ao velho, ao dirigir-se à majestade infinita, dá a alma de criança. 

Esta atitude simples e singela perante meu Pai há de ingenuamente refletir a minha convicção de estar unido a Jesus Cristo e de representar a Igreja a despeito da minha indignidade, e a minha certeza de ter como companheiros na minha oração os espíritos da milícia celeste: In conspectu angelórum psallam tibi — “Em presença dos anjos te cantarei salmos” (Sl 137, 1).

Para ti, ó minha alma, não é então ocasião de raciocinar, de meditar, senão de adquirires alma de criança. Quando chegaste à idade de razão, aceitavas como expressão de verdade absoluta tudo o que tua mãe te dizia. Assim deves agora receber com a mesma simplicidade e ingenuidade, de tua mãe a Igreja, tudo o que ela te vai apresentar como alimento para a tua fé. 

É indispensável este rejuvenescimento da alma! Na proporção em que eu cada vez mais adquirir alma de criança, também me irei aproveitando dos tesouros da liturgia e me deixarei cativar pela poesia que dela brota. Nessa proporção aumentará também em mim o espírito litúrgico. 

Facilmente então a minha alma entrará em adoração e nela se conservará durante a função (cerimônia, breviário, Missa, sacramentos etc.) em que tomar parte como membro ou embaixador da Igreja, ou como ministro de Deus. 

Do modo através do qual eu entrar em adoração dependem em grande parte não só o proveito e o mérito do ato litúrgico, senão também as consolações que Deus une ao desempenho perfeito dele e que me devem amparar nos meus trabalhos apostólicos. 

Eu quero, portanto, adorar. Eu quero, por impulso da minha vontade, unir-me às adorações do Homem-Deus, a fim de render a Deus esta homenagem. Impulso de coração e não esforço de cabeça. 

Eu quero fazer isto com a vossa graça, ó Jesus. E esta graça, eu a solicitarei, por exemplo, no breviário, mediante o Deus in adiutórium (“Vinde, ó Deus, em meu auxílio”) e, na Missa, mediante o Introíbo, pausadamente rezados [ii]. 

Eu quero. É esta vontade filial e afetuosa, forte e humilde, unida ao vivo desejo de vosso auxílio, que Vós de mim exigis. 

Caso logre que a minha inteligência rasgue largos horizontes à minha fé, ou que a minha sensibilidade lhe ofereça qualquer comoção piedosa; a minha vontade há de aproveitar-se disso para mais facilmente adorar. Hei de, porém, lembrar-me do princípio seguinte: que a união a Deus reside, em última análise, na parte superior da alma, na vontade, e mesmo que a obscuridade e a secura fossem o seu quinhão, essa faculdade em si mesma seca e fria alçará então o seu voo, apoiando-se unicamente na fé.

Sacerdote católico rezando a Missa antiga.

c) Desempenho da função litúrgica. — Desempenhar bem as funções litúrgicas é dom da vossa munificência, ó meu Deus. Omnípotens et miséricors Deus, de cuius múnere venit ut tibi a fidélibus tuis digne et laudabíliter serviátur… — “Ó Deus onipotente e misericordioso, de cuja graça advém que sejais servido digna e honrosamente por vossos fiéis…” [iii]. Ó Senhor, dignai-vos conceder-me esse dom. Eu quero permanecer adorador durante o ato litúrgico. Esta expressão resume todo o método.

A minha vontade lançou e mantém o meu coração na presença da majestade de Deus. E eu resumo todo o seu trabalho nas três palavras “dignamente”, “atentamente” e “devotamente”, da oração Aperi [iv], as quais exprimem com muita precisão qual deva ser a atitude do meu corpo, da minha inteligência e do meu coração:

[Aperi, Dómine, os meum ad benedicéndum nomen sanctum tuum: munda quoque cor meum ab ómnibus vanis, pervérsis et aliénis cogitatiónibus; intelléctum illúmina, afféctum inflámma, ut digne, atténte ac devóte hoc Offícium recitáre váleam, et exaudíri mérear ante conspéctum divínæ Maiestátis tuæ. Per Christum Dóminum nostrum. — Abri, Senhor, os meus lábios para bendizer o vosso santo nome. Purificai o meu coração de todos os pensamentos vãos, desordenados e estranhos. Iluminai o meu entendimento e inflamai minha vontade para que eu possa rezar digna, atenta e devotadamente este Ofício, e mereça ser atendido na presença de vossa divina Majestade. Por Cristo, nosso Senhor.]

Dignamente. Pela sua atitude respeitosa, pela pronúncia exata das palavras, pronúncia mais lenta nas partes principais, pela cuidadosa observância das rubricas, pelo tom da minha voz e pela minha maneira de fazer os sinais da Cruz, as genuflexões etc., o meu corpo há de manifestar não só que eu sei a quem falo, o que digo e que apostolado posso às vezes exercer, mas também que é o meu coração que opera. 

“Monge rezando na igreja”, por Alfred Jacques Van Muyden.

[Apostolado ou escândalo: Sobre grande número de almas que veem a religião através de vago intelectualismo ou ritualismo, o sermão feito por sacerdote medíocre é as mais das vezes muito menos eficaz que o apostolado do verdadeiro sacerdote cuja grande fé, compunção e piedade irradiam por ocasião de um batizado, de um enterro e sobretudo de uma Missa. Palavras e ritos são flechas capazes de excitar esses corações. A liturgia assim vivida reflete-lhes o mistério como certo, o invisível como existente, e convida-os a invocar esse Jesus quase desconhecido para elas, mas com o qual sentem que esse verdadeiro sacerdote está em íntima comunicação.

Pelo contrário, há atenuação ou perda da sua fé quando elas desanimadas exclamam: “Não. Realmente não é possível que este sacerdote acredite que há um Deus e o tema, visto que celebra, batiza, recita orações e faz as cerimônias de tal modo”. Que responsabilidades! E quem ousará sustentar que escândalos tais não serão objeto de julgamento rigoroso? 

Como é grande a influência que sobre os fiéis exerce a manifestação do temor reverencial ou pelo contrário, o desmazelo nas funções sagradas!

Sendo estudante numa escola universitária, e subtraído a toda e qualquer influência clerical, por acaso tivemos ensejo de ver, sem que ele o notasse, um sacerdote rezar o seu breviário. Foi uma revelação para nós a sua atitude cheia de respeito e de religião e imensamente sentimos desde então manifestar-se em nós a necessidade de orar, e de orar procurando imitar esse sacerdote. A Igreja aparecia-nos como que concretizada nesse digno ministro em comunicação com seu Deus.

“Ao invés — confessava-nos ultimamente uma alma leal —, vendo a rapidez com que o meu pároco despachava a sua Missa, fiquei perturbado e persuadido de que ele não deveria ter fé. Desde então cessei de poder orar, até de crer e uma espécie de repugnância, causada pelo temor de ver mais uma vez esse sacerdote celebrar, tem-me conservado desde esse momento afastado da igreja”.]

Na corte dos reis da terra, até os simples criados consideram grandes os cargos mínimos, e assumem, naturalmente, ares majestosos e solenes. Não hei de porventura chegar a adquirir essa distinção que se manifestará pela minha atitude da alma e pela dignidade do meu porte no exercício do meu cargo, eu que faço parte da guarda de honra do Rei dos reis e do Deus de toda majestade? 

Atentamente. O meu espírito encher-se-á de ardor para tirar proveito, nas palavras e nos ritos sagrados, de tudo quanto possa servir de alimento ao meu coração. 

Umas vezes, a minha atenção há de aplicar-se ao sentido literal dos textos. Quer siga cada frase; quer, continuando a minha reza, medite longamente sobre uma palavra que me tiver impressionado até que sinta a necessidade de descobrir o mel da devoção em outra flor, em ambos os casos eu me mantenho fiel ao Mens concordat voci: “Esteja o pensamento de acordo com a voz” (Regra de São Bento). 

Outras vezes, a minha inteligência há de ocupar-se com o mistério do dia ou com a ideia principal do tempo litúrgico. 

Mas o papel da inteligência é secundário, comparado com o da vontade, visto como aquela é apenas a provedora que ajuda esta a manter-se em adoração ou a regressar a essa atitude. 

Por isso, todas as vezes que me sobrevierem as distrações, eu quero sem impaciência, sem violência, sem precipitação, mas suavemente como tudo o que se faz com o vosso concurso, ó Jesus, e fortemente como tudo o que pretende ser generosamente fiel a esse concurso, eu quero regressar ao ato adorador. 

Monges carmelitas rezando o Ofício Divino.

Devotamente. É o ponto capital. Tudo deve tender a fazer do Ofício e de qualquer função litúrgica um exercício de piedade, portanto, ato do coração. “A precipitação é a morte da devoção”. Falando do breviário, e a fortiori da Missa, São Francisco de Sales apresenta esta máxima como princípio. Hei de, portanto, impor a mim mesmo a obrigação de consagrar cerca de meia hora à minha Missa, a fim de que não só o Cânon [v], como também todas as demais partes dela, sejam recitadas com piedade. Porei implacavelmente de lado todos os pretextos de celebrar apressadamente este ato central do meu dia. Se o hábito me fizer truncar certas palavras ou cerimônias, hei de aplicar-me, embora exagerando durante algum tempo, a ir muito devagar nesses pontos defeituosos [vi]. 

Guardadas as devidas proporções, hei de estender essa resolução a todas as outras minhas funções litúrgicas: sacramentos, bênçãos, enterros etc. 

Quanto ao breviário, terei cuidado de prever as horas em que deverei rezá-lo. Chegado esse tempo, obrigar-me-ei, custe o que custar, a pôr então tudo de parte. A todo custo, quero que essa reza seja verdadeira oração do coração. Ah! sim, conservai em mim, ó divino Mediador, o horror da precipitação, quando eu desempenhar o vosso lugar, ou proceder em nome da Igreja. Dai-me a persuasão de que a precipitação paralisa o grande sacramental chamado liturgia, e o impede de nutrir esse espírito de oração, sem o qual, sob as aparências de sacerdote muito zeloso, eu não poderei deixar de ser, a vossos olhos, mais que tíbio ou menos ainda. Gravai na minha consciência esta palavra tão apta para me encher de pavor: Maledictus qui facit opus Dei fraudulenter — “Maldito o que faz com negligência a obra do Senhor” (Jr 48, 10).

Umas vezes, com um impulso do coração, eu hei de abraçar numa síntese de fé o sentido geral do mistério recordado pelo ciclo litúrgico e com ele alimentarei a minha alma. 

Outras vezes, há de ser ato longamente saboreado, ato de fé ou de esperança, de desejo ou de pesar, de oferta ou de amor. 

Outras vezes ainda, um simples olhar me bastará. Olhar íntimo e demorado sobre um mistério, sobre uma perfeição de Deus, sobre um dos vossos títulos, ó Jesus, sobre a vossa Igreja, sobre o meu nada, as minhas misérias, as minhas necessidades, ou sobre a minha dignidade de cristão, de sacerdote, de religioso. Olhar inteiramente diferente do ato da inteligência durante um estudo teológico. Olhar que aumente a fé, e mais ainda o amor. Olhar que é, sem dúvida, um reflexo pálido da visão beatífica, mas olhar que realiza já neste mundo o que vós haveis prometido às almas puras e fervorosas: Beati mundo corde, quóniam ipsi Deum videbunt — “Bem-aventurados os de coração puro, porque verão a Deus” (Mt 5, 8). 

“Missa”: detalhe de uma pintura de José Gallegos y Arnosa.

Desta sorte, cada cerimônia se tornará uma diversão acalmadora, porque é verdadeira respiração da minha alma que as ocupações tendiam a asfixiar.

Santa liturgia, que bálsamo não trazes tu à minha alma mediante as diversas “funções”! Longe de serem servidão onerosa, elas hão de constituir uma das maiores consolações da minha vida. 

E como poderia suceder de outra forma? Sempre chamado, graças a ti, à lembrança da dignidade de filho e de embaixador da Igreja, de membro e de ministro de Jesus Cristo, eu hei de ir revestindo-me cada vez mais daquele que é a alegria dos eleitos.

Pela minha união com ele, eu hei de ir aprendendo a tirar proveito das cruzes desta vida mortal para semear a messe da minha felicidade eterna e, pela minha vida litúrgica mais eficaz do que todo e qualquer apostolado, eu tenho a segurança de arrastar após mim outras almas na via da salvação e da santidade.

Notas

  1. Cf. François Vauris, Vie du Bienheureux Jean-Gabriel Perboyre (II 8-9). Paris: Gaume et Cie., 1891, pp. 216-232.
  2. Com a palavra Introíbo começa a Missa no rito antigo, introdução de uma antífona tirada do Salmo 42: Introíbo ad altare Dei, ad Deum qui lætíficat iuventútem meam — “Subirei ao altar de Deus, ao Deus que é a alegria da minha juventude” (v. 4). Na Missa nova, a antífona de entrada seriam as primeiras palavras pronunciadas pelo padre, antes do sinal da Cruz. (N.T.)
  3. Início da oração Coleta para o XII Domingo depois de Pentecostes. Assim se chamavam, no rito antigo, os domingos subsequentes à solenidade de Pentecostes, ao contrário da denominação atual per annum (“Tempo Comum”, em português). O resto da oração diz: tríbue, quæsumus, nobis; ut ad promissiónes tuas sine offensióne currámus — “concedei-nos, pedimos, que corramos sem tropeços [rumo] às vossas promessas”. Esta prece foi integralmente preservada no Missal de Paulo VI, sendo rezada, agora, na Coleta para o 31.º Domingo do Tempo Comum. A tradução litúrgica oficial no Brasil verteu-a deste modo: “Ó Deus de poder e misericórdia, que concedeis a vossos filhos e filhas a graça de vos servir como devem, fazei que corramos livremente ao encontro das vossas promessas”. (N.T.)
  4. Oração sugerida pela Liturgia das Horas, assim como pelo antigo Breviarium Romanum, para antes de iniciar a recitação do Ofício Divino. (N.T.)
  5. Assim se chamava antigamente a única Oração Eucarística do rito romano: Canon Missæ, ou Canon Romanus. Conservada na Missa nova, hoje ela é a Oração Eucarística I (ainda que seja a menos escolhida pelos sacerdotes). (N.T.)
  6. Querendo fazer a caricatura de uma pessoa que fala com volubilidade e que não sabe o que diz, um literato do século passado tão afamado pela sua impiedade como pelo realismo das suas descrições, não encontra melhor comparação do que esta do padre que engrola a sua Missa. (N.A.)

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