São Marcelo, mencionado hoje no Martirológio, foi um centurião, ou capitão de mais de cem soldados, numa das legiões de Trajano. A valentia demonstrada em muitas batalhas fez dele um grande predileto de seu general, mas o Todo-Poderoso o amava ainda mais, por causa da vida edificante e cristã que levava, mesmo cercado de pessoas perversas.
Por muito tempo Marcelo ocultou a sua fé em Cristo, mas, certa vez, quando o exército imperial na Galécia, província da Espanha, celebrava com grande festa o nascimento do Imperador Diocleciano e oferecia os sacrifícios habituais aos deuses, Marcelo confessou que era cristão e, portanto, não podia participar do culto. Essa confissão sincera fez com que ele fosse imediatamente preso e levado à presença de Agricolau, comandante da guarda imperial. Quando lhe perguntaram se realmente era cristão, Marcelo respondeu destemidamente: “Sim, sou cristão e nada me fará abandonar a Cristo.”
Não querendo discutir com ele, Agricolau o condenou imediatamente à morte pela espada. Marcelo, agradecido pela graça que lhe fora concedida de morrer como mártir, inclinou voluntariamente a cabeça para receber o golpe fatal.
Era doze o número de seus filhos, todos eles cuidadosamente educados na fé cristã e preparados para o martírio. Quando, após a morte do pai, foram apresentados ao governador e por ele admoestados a abandonar a fé, não houve um só deles que não se mostrasse disposto a morrer, antes que tornar-se infiel a Cristo. O exemplo heroico do pai os impressionara tão profundamente, que não se deixaram intimidar. Por isso, foram considerados dignos de padecer a mesma morte que tinha obtido para ele a vida eterna. O governador condenou todos eles à morte por decapitação. A alegria que manifestaram ao chegar ao patíbulo foi tão grande, que nem os pagãos conseguiram esconder o seu espanto.
Nona, sua piedosa mãe, ficou sozinha a partir de então. Quando lhe comunicaram a morte do marido e dos filhos, alegrou-se muito e agradeceu ao Todo-Poderoso a graça que lhes tinha concedido. Seu único desejo era que Deus a considerasse digna de morrer da mesma forma. Por isso, rezava constantemente para unir-se de novo a seus entes queridos. Sua oração foi ouvida pelos céus: não morreu como mártir, mas como cristã piedosa, serva fiel do Altíssimo, pois a sua vida foi um exercício contínuo de todas as virtudes cristãs.
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A essa história de um centurião romano acrescentamos o breve esboço da vida de um senador do mesmo império, embora sua festa não pertença a este dia, mas ao seguinte.
Trata-se de São Quintino, que terminou a vida com um glorioso martírio, no século III. Era já senador quando foi recebido, pelo santo Batismo, no seio da verdadeira Igreja. No início, manteve em segredo a sua conversão, mas algum tempo depois revelou ao santo Papa Caio seu grande desejo de difundir o Evangelho em terras estrangeiras. São Caio elogiou o zelo dele e indicou-lhe São Luciano como companheiro. Ambos, deixando todos os bens, viajaram para a França, fixando-se Quintino em Amiens e Luciano em Beauvais.
Quintino pregou o Evangelho de nosso Salvador Jesus Cristo, desafiando com ardor apostólico todos os perigos, e converteu muitos pagãos. Expandiu seus zelosos trabalhos aos arredores, e os numerosos milagres que operou, pelo poder divino, sobre cegos, coxos, possessos e enfermos, provaram aos pagãos que o santo pregava uma doutrina verdadeiramente divina. Por isso, o número de fiéis aumentava dia após dia.
Rictiovaro, governador romano da França, foi informado da atividade de São Quintino pelos sacerdotes idólatras, que temiam a ruína completa de sua falsa religião. Por isso, foi pessoalmente a Amiens, mandou chamar o santo e, ao constatar a firmeza de sua fé, ordenou que fosse chicoteado como um escravo. O santo mártir, com os olhos levantados para o Céu, agradeceu ao Todo-Poderoso a imensa graça de poder sofrer por amor a Cristo. Enquanto era martirizado, ouviu-se uma voz do Céu que lhe dizia: “Permanece firme, Quintino, porque sou eu que sofro em ti. Eu te ajudarei e fortalecerei.” No mesmo instante, os carrascos foram atirados ao chão, como que atingidos por um raio.
O governador, enfurecido com o fato, ordenou que o santo fosse jogado num calabouço escuro até o dia seguinte. No meio da madrugada, porém, um anjo apareceu a Quintino, quebrou-lhe as correntes e levou-o para a praça pública da cidade, onde, ao amanhecer, o mártir pregou um sermão poderosíssimo ao povo. A multidão acorria-lhe de todas as partes, com o que muitos se converteram.
Ao saber disso, Rictiovaro encolerizou-se ainda mais e mandou que o santo mártir fosse esticado no ecúleo e espancado com paus. Quando todo o seu corpo estava coberto de feridas, despejaram sobre ele óleo fervente e piche derretido, e o queimaram com tochas. Quintino mostrou-se não só destemido durante essa cruel tortura, mas também alegre e feliz. Os espectadores da terrível cena, porém, começaram a murmurar contra a barbaridade do governador. Por isso, este ordenou que Quintino fosse retirado do local da execução e levado até outra cidade no dia seguinte, para onde ele mesmo seguiu com o intuito de atormentá-lo novamente.
Lá, duas barras de ferro foram cravadas em seu corpo, do pescoço às coxas, e suas mãos e pés foram perfurados com pregos. Mas foi novamente humilhado o mandante desta ordem bárbara, pois Quintino, milagrosamente fortalecido pelo Todo-Poderoso, mostrou-se ainda mais firme e alegre do que antes. Por isso, não restava senão decapitá-lo. Estando isso prestes a acontecer, ouviu-se novamente uma voz vinda do Céu, que dizia: “Vem, Quintino, meu servo, e recebe a coroa que mereceste com teu martírio.” O tirano permaneceu impassível, e o santo recebeu o golpe fatal no ano 287 de Nosso Senhor.
Seu santo corpo foi jogado no rio por ordem do governador, mas, depois de ser encontrado milagrosamente, foi sepultado com grandes honras. Pouco tempo depois, Rictiovaro foi merecidamente punido por sua maldade.
Considerações práticas
I. São Marcelo e seus doze filhos entraram no Céu por meio do martírio. A piedosa mãe seguiu seu esposo e filhos, não coroada como mártir, mas como cristã fiel. Que exemplo glorioso! Pai e mãe, com seus doze filhos, todos salvos, no Céu! Nenhum perdido, nenhum condenado! De onde veio essa imensa felicidade? Marcelo e Nona viveram piedosamente, instruíram com cuidado seus filhos e os ensinaram com sua própria conduta. Os filhos acompanharam os pais, receberam suas instruções e conformaram sua vida com o exemplo que tinham diante deles. Por isso se salvaram todos, foram todos para o Céu.
Quão diferente é o resultado quando os pais descuidam da educação dos filhos, quando não trilham o reto caminho diante deles, ou quando os filhos não acompanham os pais nem recebem suas instruções. Por isso, no dia do juízo, haverá uma grande separação entre pais e filhos. Os pais ficarão à direita e os filhos à esquerda; ou estes à direita e aqueles à esquerda; ou, ainda, uma parte dos filhos com um dos pais entre os eleitos, e o restante com o outro entre os condenados. Se pais e filhos quiserem ser salvos juntos, então aqueles devem esforçar-se por manter os filhos, com palavras e exemplos, no caminho certo, e estes devem moldar suas vidas segundo os preceitos de seus pais.
II. Realmente, São Quintino sofreu grandes e numerosos tormentos. Seu martírio não acabou de uma só vez, pela espada, ou num dia somente. Teve de sofrer diversos tormentos ao longo de vários dias. O que são, porém, tais tormentos comparados aos do Inferno, dos quais ele escapou? “Tomai o fogo, a espada, as feras e tudo o que puderdes imaginar, e tudo isso será inferior a uma sombra em comparação com as torturas do Inferno”, diz São João Crisóstomo. O réprobo, no Inferno, tem de sofrer não muitas, mas todas as torturas possíveis. Ele não é atormentado por muitos dias, mas por toda a eternidade.
É o que nos ensina a verdadeira fé. “No Céu — diz Santo Agostinho — encontra-se tudo o que é bom e nada que possa ser chamado de mal. Encontraremos lá tudo o que desejamos, até mais do que podemos desejar, e nada que não desejamos.” Isto quer dizer que no Céu encontra-se toda a felicidade, honra e alegria, e nada que nos possa causar dor, medo ou ansiedade. Ao contrário, no Inferno encontra-se tudo o que causa dor e sofrimento, e nada que possa alegrar ou trazer conforto e consolação. O ponto principal de tudo isso é o seguinte: a felicidade, as honras e as alegrias do Céu são eternas, assim como os sofrimentos e as dores do Inferno. É o que nos ensina a Palavra de Deus.
O que lhe peço agora, para o bem de sua salvação, é o seguinte: pense frequentemente nestas verdades importantíssimas, particularmente quando for tentado a pecar ou tiver de sofrer. Se você tivesse a certeza de que, imediatamente depois de pecar, teria de suportar torturas como as de São Quintino, ou que, pelo menos, correria o risco de ser torturado dessa forma, cometeria o pecado? Certamente não. Apenas o martírio iminente, ou melhor, apenas o perigo dele, haveria de detê-lo. Por que, então, a ideia do Inferno não o detém, embora você possa ser precipitado nele imediatamente depois de pecar? Você não sofreria muito mais que São Quintino, apesar de terem sido tão terríveis as suas torturas? Pense nisso sempre que estiver em perigo de cair no pecado.
E, se estiver sujeito a muitas e pesadas aflições, deixe-me perguntar-lhe o seguinte: Não agiu com sabedoria São Quintino ao suportar seu terrível martírio com paciência, ou mesmo com alegria, pensando que, assim, não só escaparia do Inferno, mas também obteria as alegrias eternas do Céu? Os tormentos dele foram terríveis, é claro, mas tiveram um fim. As alegrias do Céu são tão grandes, que todos os sofrimentos da terra, como nos assegura o Apóstolo, são insignificantes quando comparados a elas (cf. Rm 8, 18). Mas o melhor de tudo é que são intermináveis, ao passo que todos os sofrimentos terrenos têm um final.
Portanto, que você possa agir com a mesma sabedoria de São Quintino; e, para tanto, pense na seguinte verdade: Com o meu sofrimento, posso escapar ao Inferno e, em seu lugar, obter as alegrias intermináveis do Céu. “O sofrimento que aqui padeceis é breve e acaba logo”, diz São Gregório. “A glória que esperais será eterna.”
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