Eu ainda me lembro do dia da minha conversão. Era julho, e eu estava de férias, na casa de alguns parentes, sentado diante de uma tela de notebook e lendo o livro “Preparação para a morte”, de Santo Afonso Maria de Ligório. Como fui me deparar com essa obra eu já não me lembro mais. Sei que o trecho que mexeu comigo estava num capítulo sobre os maus hábitos, e ele dizia o seguinte:

...o mau hábito os privou da luz. Diz Santo Anselmo que o demônio procede com certos pecadores como aquele que tem um passarinho preso por um cordel.

Ele o deixa voar, mas, quando quer, o faz cair por terra. Tal semelhança — afirma o santo — é aplicável àqueles que são dominados pelo mau hábito. Alguns há, acrescenta São Bernardino de Sena, que pecam sem que a ocasião se apresente. Compara-os este grande santo aos moinhos de vento que qualquer aragem faz girar e que continuam em movimento mesmo que não haja grão para moer, e, às vezes, até rodam contra a vontade do dono. Estes pecadores, observa São João Crisóstomo, vão forjando maus pensamentos, sem ocasião, sem prazer, quase contra sua vontade, tiranizados pela força do mau hábito.

Porque, segundo disse Santo Agostinho, o mau hábito se converte logo em necessidade. O costume, segundo nota São Bernardo, se muda em natureza. Daqui se segue que, assim como ao homem é necessário respirar, assim parece que o pecado se torna necessário para aqueles que habitualmente pecam e se fazem escravos do demônio.

Quando li aquelas palavras, senti-me perdido. Era a mim que elas se referiam! A mim, mais um infeliz fruto da educação liberal desta época; a mim, que tive um contato muito precoce com pornografia e ainda no começo da minha juventude aprendi a me masturbar, e a achar que não havia mal nenhum naquilo; a mim, que já olhava para todas as mulheres à minha volta como objetos sexuais à disposição, como as prostitutas dos filmes pornográficos a que eu assistia… 

Eis que eu estava ali. O “passarinho preso por um cordel”, o viciado que peca “sem que a ocasião se apresente”, o infeliz atormentado por “maus pensamentos”, o escravo do demônio… era eu, era eu

Que vergonha a minha, mas ao mesmo tempo… “eu preciso mudar”, disse a mim mesmo, “não posso continuar nessa situação”, “tem de haver uma saída”. Daquele dia em diante lembro-me de ter tomado a peito a batalha pela castidade. Eu não acreditava de verdade que aquilo fosse possível, porque, desde que meu corpo se tinha despertado para a sexualidade, eu a havia vivido de forma distorcida e depravada. Mas decidi “pagar pra ver” e, com a graça de Deus, pouco a pouco fui sendo transformado e redimido.  

De lá para cá muitos anos se passaram, muitas recaídas eu experimentei, mas hoje estou de pé e buscando dia após dia forças, nos sacramentos e na oração, para não voltar a essa situação terrível com que comecei minha juventude. Minha juventude, que poderia ter sido muito pior, que poderia ter sido arruinada, não fosse este santo do século XVII chamado Afonso me alertar, através de um arquivo “pdf”, que eu, com meu mau hábito, estava sendo escravizado por Satanás… 

Por isso, esse testemunho é, em primeiro lugar, um canto de gratidão a Deus e a Santo Afonso, instrumento dEle em minha vida. 

Mas esse testemunho também é um grito de socorro: foi preciso que, via internet, Deus “ressuscitasse” um santo de quatro séculos atrás para me tirar do Inferno ao qual eu caminhava tranquila e despreocupadamente… Sim, porque esse “puxão de orelhas”, ou melhor, esse verdadeiro “chacoalhão”, eu não o iria receber jamais do pároco da minha cidade, nem no púlpito, nem no confessionário. Se eu me aconselhasse com ele para saber o que fazer, talvez ele me dissesse para “não me preocupar” com isso, para aproveitar a minha juventude ou algo do tipo. 

A começar pelo fato de que muitos padres hoje, infelizmente, não pregam nem atendem confissões: o púlpito foi abandonado pela transformação do sacerdote em “mais um” do povo, e o confessionário foi substituído pelas “salinhas” de consulta psicológica (e nelas, talvez, a gente escute com mais facilidade justamente o contrário do que ensina a doutrina de sempre da Igreja). Na Missa, o que temos são as homilias “motivacionais”, cheias de obviedades humanas e vazias de fé divina, cuja mensagem central você acha em um livro de autoajuda qualquer. Combinadas com a eloquência, essas palavras “bonitas” talvez até arranquem aplausos e lágrimas da “plateia” que as escuta; conversão, porém, verdadeiro arrependimento dos próprios pecados e confissão… disso nada se fala. Alguns padres hoje estão mais para coaches que verdadeiros curas de almas.

Como consequência disso, o que temos em nossas igrejas é um punhado de gente que, ou por ignorância ou por malícia mesmo, leva a vida como “escravos do demônio”. As pessoas vivem afundadas em seus maus hábitos, não se sentem minimamente incomodadas com o estilo de vida mundano que têm, e vão à igreja por puro hobby, como quem vai a um clube (às vezes até trajados a rigor). A conversão que eles conhecem é a do “bom-mocismo”: importa comportar-se, ter boas maneiras, não usar drogas e ser amigo de todo o mundo. No restante cada um é livre para fazer o que bem entende, desde que não incomode ninguém.

Esse infelizmente é o cenário de muitas paróquias Brasil e mundo afora. Como em muitas delas a Tradição da Igreja simplesmente desapareceu, como o vínculo que nos une — a nós, católicos do século XXI — com os fiéis católicos de todos os séculos anteriores, com os santos dos tempos passados, foi dissolvido sem que ninguém desse notícia, o que restou a muitas pessoas foi buscar recursos na internet e descobrir ali o que anos de frequência paroquial lhes sonegaram. 

Entenda-me bem: não se trata de defender aqui uma espécie de “catolicismo de internet”. (A imagem que vem à mente, com a expressão, é a de um indivíduo egoísta, sentado em frente a uma tela de computador, disposto a apontar o dedo para o mundo inteiro, exceto para si mesmo; a convocar uma “cruzada” contra os infiéis dentro da Igreja, ao mesmo tempo que evita “cruzar” com os próprios defeitos para mudá-los.) Nesse campo todo cuidado é pouco. Não podemos esquecer que a Igreja é uma realidade viva ainda hoje, na sua hierarquia, nos sacramentos e nos sacerdotes que os administram. Continua sendo verdade que unus Christianus, nullus Christianus, “um cristão sozinho não é cristão nenhum”. 

Mas eu também preciso pensar na grande providência que é a internet para a formação dos católicos hoje. Com ela, hoje, temos acesso fácil, instantâneo e gratuito a uma verdadeira biblioteca de bons livros católicos, que nos põem em contato com a fé de sempre e nos dão uma lufada de ar fresco, uma verdadeira libertação da falta de catequese, e até mesmo da má formação, que tantos de nós recebemos em nossa infância, seja dentro de casa, seja nas nossas paróquias. 

Não fosse esse instrumento, eu muito provavelmente ainda estaria deitando e rolando nos vícios do meu começo de juventude… Em outras palavras, eu estaria indo para o Inferno

Esse drama que eu estava vivendo, no entanto, é o drama atual de muitíssimas pessoas (católicas batizadas!), que se encontram na mesmíssima situação de miséria em que eu estava dez anos atrás. Quando elas ouvirão a voz da verdade (se é que terão a chance de ouvi-la)? Quando procurarão o sacramento da Confissão e voltarão para a amizade de Deus (se é que o farão)? Até que despertemos de nossa letargia, de nossa mudez e de nossa covardia em pregar a doutrina de sempre da Igreja, para salvar os vivos, talvez Deus precise continuar ressuscitando os mortos...

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