Como o celibato e a virgindade se encontram constantemente sob ataque não apenas no mundo secular, mas até mesmo dentro da Igreja e de sua própria hierarquia, vale a pena renovar nossa compreensão da imutável doutrina católica e nossa fidelidade à “fé que, uma vez para sempre, foi transmitida aos santos” (Jd 3).

Na Igreja antiga, Joviniano († ± 400 d.C.) era um herege que ensinava a igualdade entre o Matrimônio sacramental e o celibato pelo Reino de Deus. Suas visões foram severamente refutadas por São Jerônimo e Santo Agostinho, e a Igreja em seu Magistério tem constantemente ensinado o mesmo que eles: quem se casa em Cristo e traz filhos ao mundo faz bem, mas quem renuncia seja ao casamento, seja à própria família, para seguir a Cristo mais de perto, faz ainda melhor.

Não obstante, o jovinianismo tem marcado presença ao longo da história cristã. Os reformadores protestantes desafiaram a doutrina tradicional da Igreja, apesar de ela se basear nas próprias palavras de Cristo e de São Paulo (cf. Mt 19, 11s; 1Cor 7, 25s.38.40). Em tempos mais recentes, nós certamente vemos entre os católicos uma espécie de jovinianismo prático, que eu descobri em praticamente todos os estudantes a quem lecionei.

Talvez por terem encontrado em suas vidas tão poucos religiosos e religiosas autênticos, eles tendem a pensar que seja errado colocar o estado religioso acima do estado matrimonial como meio para alcançar a perfeição na caridade e a contemplação. Por isso, a maior parte fica surpresa ao descobrir que está em conflito com o ensinamento unânime dos Santos Padres, dos Doutores, dos Papas e dos Concílios [1].

Um estudante expôs o caso da seguinte forma em um exame final: “Se sou uma pessoa casada e faço tudo, inclusive trocar fraldas, ir ao trabalho, amar minha esposa, construir uma casa e um jardim, tudo por amor a Deus, como dizer que eu não estou fazendo de mim mesmo e de minha vida um ‘holocausto’, uma oferta total, tão agradável a Deus quanto a oferta de um religioso que renuncia à sua família, a suas propriedades e à própria vontade? De fato, o religioso ainda tem roupas, uma cama, uma casa onde morar, provavelmente um monte de livros, preocupações financeiras em sua comunidade, coisas práticas de que cuidar, os seus irmãos como uma família, e na maior parte das vezes ele faz o que quer dia após dia, mesmo que as grandes decisões pertençam (em parte) a um superior. Então, em que a vida dele é assim tão diferente da minha?”

“O Esponsório Místico de Santa Catarina de Alexandria”, por Anthony van Dyck.

Soa plausível, não? Com um vago apelo ao “chamado universal à santidade” e ao “primado da caridade”, alguém pode rapidamente deduzir que todos os estados de vida cristãos são iguais. Curiosamente, Santo Tomás de Aquino também ensina que a santidade é para todos e que a caridade ocupa um lugar de honra na tarefa de se tornar santo, mas ele não chega, nem de longe, à mesma conclusão igualitarista.

O estudante declara que “o Matrimônio também é um holocausto total”. Eu pergunto: em que sentido? O homem ou a mulher casado está realmente renunciando a cônjuge, filhos, campos ou à própria vontade? Em certo sentido sim — mas, em um sentido decisivo, não. Quando Jesus disse a seus discípulos que eles, que deixaram tudo para O seguir, receberiam o cêntuplo, Ele não estava falando metaforicamente, mas em sentido literal. Tampouco estava dizendo que aqueles que renunciaram a essas coisas “de frente” estavam autorizados a reintroduzi-las depois, pela porta dos fundos. A bem-aventurança do cêntuplo cabe tão-somente àqueles que permaneceram pobres, castos e obedientes, e só na medida em que eles verdadeiramente o foram.

A fim de entender melhor o ensinamento de Nosso Senhor, levemos em consideração que os conselhos evangélicos de pobreza, castidade (no sentido de continência perpétua) e obediência são meios de atingir a meta da perfeição na caridade, que é a santidade.

Os conselhos afastam aqueles bens materiais e temporais que tendem a distrair ou enfraquecer nosso foco em Deus, ou que nos fazem confiar nessas coisas mais do que nEle. Diferentemente dos Mandamentos, os conselhos não nos separam de coisas más que são incompatíveis com o amor de Deus. Ao contrário, eles nos separam de coisas que são em si mesmas boas, muito boas até, mas que não são o bem maior, e que podem impedir, portanto, um foco direto nos bens mais elevados, bem como no Doador de todos os bens, que é o próprio Deus.

A razão por que é útil nos separarmos das coisas boas para focar em bens mais elevados e na Fonte de todos eles é que todos nós somos seres finitos com capacidades finitas de atenção e de amor. Portanto, ao remover nossa atenção e nosso amor dos bens mundanos e temporais, os conselhos evangélicos nos ajudam a concentrá-los mais inteiramente nos bens espirituais e eternos, no que é divino. Santo Tomás o explica belamente da seguinte forma:

É manifesto que o coração humano é atraído a uma coisa tanto mais intensamente quanto mais se afasta de muitas. Assim, a mente do homem é atraída ao amor de Deus tanto mais perfeitamente quanto mais diminui nele o afeto pelas coisas temporais. […] Todos os conselhos evangélicos, portanto, pelos quais somos convidados à perfeição, têm como propósito que a mente do homem seja desviada do afeto pelas coisas temporais, a fim de que, deste modo, sua mente seja atraída mais livremente a Deus, contemplando-O, amando-O e cumprindo com a sua vontade. [2]

No clima presente, é importante enfatizar que os conselhos não são propostos como bons porque as coisas que se renunciam ao segui-los sejam más, mas porque existe um caminho melhor para crescer no amor do que pelo uso dessas coisas. A renúncia ao Matrimônio permite a uma pessoa crescer mais no amor de Deus e ao próximo simplesmente porque a dedicação direta do nosso coração e mente a Deus é um meio melhor para crescer no amor do que o Matrimônio, seja considerado em si mesmo, seja como um sacramento [3]. O Papa São João Paulo II ensinou isso com muita clareza:

A referência à união nupcial de Cristo e da Igreja confere ao casamento a sua máxima dignidade: em particular, o sacramento do Matrimônio faz os esposos entrarem no mistério da união de Cristo e da Igreja. Mas a profissão da virgindade ou do celibato faz os consagrados participarem no mistério dessas núpcias de uma maneira mais direta.

Enquanto o amor conjugal se dirige ao Cristo Esposo mediante uma união humana, o amor virginal vai diretamente à pessoa de Cristo através de uma união imediata com Ele, sem intermediários: um esponsório espiritual verdadeiramente completo e decisivo. Assim, nas pessoas daqueles que professam e vivem a castidade consagrada, a Igreja exprime no mais alto grau a sua união de Esposa com Cristo Esposo. [4]

Implicado nessas palavras está, no entanto, um alerta salutar. Uma pessoa que renuncia ao casamento — um monge ou religiosa, um padre, um bispo — não será melhor por isso se não usar a liberdade de seu coração para se devotar mais completamente a Deus e ao serviço da Igreja. De fato, ele será pior, visto que lhe faltará o grande bem do Matrimônio assim como o bem superior da virgindade ou do celibato “por causa do Reino” — justamente a orientação que torna essa escolha um bem tão elevado.

Além disso, a intensidade e a firmeza no propósito de perseguir a meta da santidade, seja qual for o meio que se escolha para tanto, são muito mais importantes que os meios enquanto tais. Para ser mais concreto, é melhor buscar a santidade no Matrimônio de todo o coração, do que procurá-la na vida religiosa com o coração dividido ao meio.

Nosso Senhor providenciou para nós dois nobres caminhos, um bom e um melhor, para entrarmos no mistério de sua união nupcial indissolúvel com a Igreja: através de uma imagem sacramental dessa união, no Matrimônio, e através de uma participação mística nessa mesma união, na vida consagrada.

Referências

  1. Cf. Concílio de Trento, 24.ª Sessão, Doutrina e cânones sobre o sacramento do Matrimônio, 11 nov. 1563, cân. 10 (DH 1810): “Se alguém disser que o estado conjugal deve ser preferido ao estado de virgindade ou celibato, e que não é melhor e mais valioso permanecer na virgindade ou celibato do que unir-se em matrimônio: seja anátema”.
  2. Santo Tomás de Aquino, Liber de perfectione spiritualis vitae, c. 6.
  3. Cf. Papa Pio XII, Carta Encíclica Sacra Virginitas, 25 de março de 1954, nn. 37-39 (DH 3911-3912).
  4. Papa João Paulo II, Audiência Geral, 23 de novembro de 1994, n. 4.

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