Todos os anos a Igreja celebra, no dia 26 de dezembro, a festa de Santo Estêvão, protomártir. Mas o que significa fazer memória desse diácono justamente um dia depois que nasce o Senhor? Que relação guardam entre si o Natal de Jesus e o natal de Estêvão para a vida eterna?

É o que responde São Fulgêncio de Ruspe, bispo do século VI, no sermão do Ofício das Leituras de hoje. Sem a caridade sobrenatural com que Cristo veio inflamar os corações, seria de fato impossível que um ser humano, qualquer um, entregasse a sua vida por Ele, como fez Santo Estêvão, preferindo morrer apedrejado a renegar a sua fé. Sem o auxílio da graça, como rezam os sacerdotes na divina liturgia, "ninguém é forte, ninguém é santo". Aprendemos da memória de hoje, portanto, a ter sempre diante dos olhos o primado da graça divina, que nos vem através da santíssima humanidade do Verbo encarnado.

Muito bonita também é a associação que faz São Fulgêncio entre o testemunho de Estêvão e a conversão de Saulo. "Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo", ele diz, "chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão". Trata-se da fé católica na comunhão dos santos, no fato de que Cristo, sendo "único mediador entre Deus e os homens" (1Tm 2, 5), não dispensa a mediação coadjuvante daqueles que santificou.

Dos sermões de São Fulgêncio de Ruspe, bispo
(Sermo 3,1-3.5-6:CCL 91 A, 905-909)

As armas da caridade

Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado.

Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.

O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.

Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis.
Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estevão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.

Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no erro para que se emendassem, por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.

Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra. Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.

E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo, chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.

É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.

A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu. Quem caminha na caridade não pode errar nem temer. Ela dirige, protege, leva a bom termo.

Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição.

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