Na memória de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir — dia 17 de outubro, no novo calendário litúrgico, e 1.º de fevereiro, no antigo —, muitíssimas coisas podem ser recordadas.

Há, por exemplo, o famoso epíteto, que ele mesmo se deu, de “trigo de Deus”, pois — ele dizia — “serei moído pelos dentes das feras para me tornar um pão puro”.

É em uma de suas cartas que consta pela primeira vez, também, a expressão “Igreja Católica” para se referir à comunidade dos primeiros cristãos. “Onde quer que se apresente o bispo, ali também esteja a comunidade”, ele escrevia aos cristãos em Esmirna, “assim como a presença de Cristo Jesus também nos assegura a presença da Igreja Católica”. Suas palavras foram escritas no início do século II.

Nesta breve matéria, porém, é de um outro detalhe, menos conhecido, que iremos tratar: muitos autores atestam que Inácio trazia gravado em seu coração, literalmente, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Algo, sem dúvida, impressionante.

O beato Tiago de Varazze conta que, durante o seu martírio,

O bem-aventurado Inácio, mesmo no meio de tantos tormentos, não deixava de invocar o nome de Jesus Cristo. Como seus carrascos perguntassem por que repetia com tanta frequência este nome, ele respondeu: “Trago este nome escrito em meu coração, e é por isso que não posso parar de invocá-lo”. Depois de sua morte, aqueles que o tinham ouvido falar isso quiseram confirmar o fato, tiraram seu coração do corpo, cortaram-no em dois e encontraram no meio, escrito com letras de ouro, o nome “Jesus Cristo”, o que levou muitas pessoas a se converterem. [1]

Também Santo Tomás de Aquino, em uma parte de seus comentários à Oração do Senhor, conta o mesmo fato, com ligeiras diferenças. Diz ele que Santo Inácio:

Tanto amor teve ao nome de Cristo que, instado por Trajano a negá-lo, respondeu que esse nome nunca lhe sairia dos lábios. Como este ameaçasse cortar-lhe a cabeça e, assim, tirar-lhe da boca o nome do Senhor, Inácio contestou que, ainda que lho retirasse dos lábios, jamais poderia expulsar-lho do coração: “Tenho, pois, o nome de Cristo impresso em meu coração”, disse, “e por isso não tenho como deixar de o invocar”. Tendo-o ouvido e ansioso por saber se era verdade o que dissera, Trajano mandou decapitá-lo e, feito isso, que se lhe extraísse o coração, no qual viu inscrito em letras douradas o nome de Cristo, que o santo ali gravara como um selo.

Evidentemente, as pessoas são livres para acreditar ou não nessa história, sem que sua fé seja minimamente abalada por isso. Não estamos falando aqui de um dogma da Igreja, de uma verdade ensinada pelo Magistério como divinamente revelada, mas sim de um relato piedoso, que pode muito bem servir para a nossa vida espiritual — e isso é o mais importante.

Lendo esse fato da vida de Santo Inácio — ou de sua morte, melhor dizendo —, é impossível não lembrar o caráter que nos é impresso nas almas quando somos batizados. “O Batismo imprime na alma um sinal espiritual indelével”, diz o Catecismo da Igreja Católica (§ 1280). O que aconteceu com a carne do coração de Inácio é o que acontece com todos nós no dia em que nascemos da água e do Espírito (cf. Jo 3, 5). Mais do que simplesmente nos impressionarmos com esse relato distante da história da Igreja, portanto, precisamos nos maravilhar com esse privilégio que recebemos — e pelo qual, desgraçadamente, tantas vezes somos ingratos!

Com Santo Inácio aprendemos, pois, a honrar aquela que é, desde o início, a nossa verdadeira identidade. Somos filhos de Deus, e é como filhos dEle que devemos nos portar! Somos cidadãos do Céu, e é como moradores dessa pátria que devemos levar as nossas vidas!

Uma antiga homilia de outro Padre da Igreja, São Leão Magno, diz exatamente isso:

Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te esqueças de que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz e para o Reino de Deus. [2]

Possa o testemunho de Santo Inácio, trucidado pelos leões para não prestar culto aos deuses romanos, inspirar em nós o desejo de antes morrer do que pecar, de antes derramar o nosso sangue a profanar o templo do Espírito Santo que somos nós (cf. 1Cor 6, 19)! Assim, conformando nosso modo de viver àquilo que já somos por ação da graça batismal, haverá em nossas vidas sintonia de alma e corpo, de boca e coração, como houve na vida deste grande servo do Altíssimo.

Santo Inácio de Antioquia,
rogai por nós!

Referências

  1. Jacopo de Varazze, Legenda áurea: vidas de santos. Trad. de Hilário Franco Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 241.
  2. Sermo 21, 3: CCL 138, 88 (PL 54, 192-193).

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