O texto a seguir foi escrito pelo Dr. Paul Casey, mestre em Teologia e especialista em cirurgia ortopédica nos Estados Unidos. A posição dele é categórica: os pregos da Crucifixão foram postos na mão de Cristo, não em seu punho. (Tudo muito bem fundamentado, como se pode ver abaixo.)

De nossa parte, não há pretensão alguma de “bater o martelo” sobre uma controvérsia que já se arrasta há décadas. O assunto deve continuar a ser debatido com ampla liberdade pelos especialistas. Mas não deixa de ser curioso que as recentes descobertas do Dr. Frederick Zugibe venham ao encontro do que sempre creu a Igreja.


Et dicetur ei: Quid sunt plagæ istæ in medio manuum tuarum? Et dicet: His plagatus sum in domo eorum qui diligebant me (Vulgata). — Se alguém lhe disser: “Que ferimentos são esses em tuas mãos?”, ele responderá: “São ferimentos que recebi na casa de meus amigos” (Zc 13, 6).

Sim, rodeia-me uma malta de cães, cerca-me um bando de malfeitores. Traspassaram minhas mãos e meus pés (Sl 21, 17) [i].

Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede […]”. E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés (Lc 24, 39s).

Dito isso, mostrou-lhes as mãos (Jo 20, 20).

Depois disse a Tomé: “Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos” (Jo 20, 27).

Profecias do Antigo Testamento. Testemunhas do Novo Testamento. Tradição oral. Registros históricos. Mil e quinhentos anos de arte cristã. Tudo indica que os pregos do Messias crucificado foram fixados nas mãos

Mas, pela primeira vez desde a Crucifixão de Cristo, surgiu há apenas oitenta anos um debate que ainda está em curso e muitas vezes é marcado por um tom rancoroso, baseado inteiramente nas suposições de um médico bem-intencionado. O debate ainda é confuso porque tem como fundamento a repetição de informações equivocadas. A verdade, no entanto, não deve ser buscada em suposições, experimentos simples ou mesmo na análise de palavras antigas (por exemplo, se “mão” poderia significar “punho” [ii]), mas em evidências históricas e na ciência médica compreendida de forma adequada [iii].

“A Crucifixão”, por Gerard David.

Não há nenhuma evidência nos primeiros séculos da história da Igreja que documente ou mesmo insinue que Cristo foi pregado na Cruz pelos punhos. Com exceção dos relatos do Novo Testamento mencionados acima, a Igreja primitiva é em boa parte silenciosa sobre o assunto — nada surpreendente num mundo em que as manifestações de fé cristã eram consideradas crimes capitais.

Depois de Constantino, no entanto, o temor diminuiu, e representações da Crucifixão difundiram-se. Atualmente, há no Museu Britânico um crucifixo de mármore datado de 420 d.C. que, segundo creem, é a representação mais antiga que existe. A porta de madeira da Basílica de Santa Sabina, em Roma, também retrata a Crucifixão e remonta a 430–432 d.C. As duas representações mostram pregos nas palmas das mãos, não nos pulsos.

Aliados a essas representações históricas estão os próprios registros históricos. Historiadores como Justo Lípsio [iv], John Hewitt [v] e John Robison [vi], todos confirmaram que os pregos eram colocados nas mãos. Martin Hengel enfatizou a regularidade da prática: “Convém notar que na época do Império Romano a regra era pregar a vítima pelas mãos e pelos pés” [vii]. Foi esse o consenso — por 1900 anos.

Foi só na década de 1930, após a exposição do Santo Sudário em Turim, que o Dr. Pierre Barbet (1884–1961), médico francês e cirurgião de campo de batalha na I Guerra Mundial, propôs pela primeira vez a teoria de que Cristo foi pregado na Cruz pelos pulsos, não pelas mãos, com base em experimentos realizados por ele em cadáveres e em sua interpretação do Sudário.

Sua obra de referência, A Paixão de Cristo Segundo o Cirurgião (1950), é um relato detalhado dos diversos aspectos médicos da Crucifixão. O livro, que foi o primeiro estudo desse tipo, aborda a disposição dos pregos, a posição de Cristo na Cruz, a asfixia como causa da morte e muitos detalhes. Muitos consideraram suas conclusões definitivas porque ele alegou que tinha evidências médicas para sustentar suas teorias.

Com relação à disposição dos pregos, ele realizou um breve experimento que consistia em inserir um prego na parte central e macia da palma da mão de um cadáver. Em seguida, observou que, quando o peso era aplicado ao braço, como aconteceu a Cristo ao ser pendurado na Cruz, o prego simplesmente rasgava a mão pelo vão entre os dedos. 

Inexplicavelmente, ele não realizou nenhuma outra tentativa de inserir o prego em outra parte da palma, mas simplesmente supôs que o prego não podia ser colocado em nenhum outro lugar, devendo portanto ser colocado no pulso.

Posição do cravo sugerida por Barbet, no rumo do dedo mindinho.

Ele marcou um ponto na posição central, perto da dobra do pulso, no rumo do dedo mindinho (imagem ao lado), o qual penetraria um vão entre quatro ossos do pulso, conhecido como região de Destot [viii]. Barbet demonstrou que um prego inserido nessa região poderia suportar o peso de um homem crucificado e achou que esse local seria compatível com uma revelação da Virgem Maria a Santa Brígida, segundo a qual “as mãos do meu Filho foram perfuradas naquela parte onde o osso era mais sólido”.

Ele afirmou que o prego penetraria a parte de trás da mão correspondente à ferida no Sudário, mas também afirmou erroneamente que o cravo causaria danos no nervo mediano e no nervo ligado aos músculos do polegar, provocando-lhe espasmos, o que explicaria a falta de visibilidade dos polegares no Sudário.

As teorias de Barbet foram repetidas incessantemente ao longo de oitenta anos em documentários televisivos, artigos de revistas, capítulos de livros e sites na internet. Mas, apesar dos registros históricos que demonstram que os homens eram crucificados com cravos pregados nas mãos (mesmo na ausência de cordas de apoio) [ix], e dos outros extensos trabalhos experimentais que contradizem as hipóteses de Barbet, o debate continua. 

Diferentemente de Barbet, o Dr. Frederick Zugibe, Ph.D. (1928–2013), foi patologista forense (com doutorado em anatomia humana). Ele trabalhou como médico legista por mais de trinta anos em Nova Iorque. Como patologista forense (que é, essencialmente, um médico detetive que determina causas de mortes), era mais capacitado do que Barbet para comparar as marcas no Sudário com as descobertas médicas. Em The Cross and the Shroud [“A Cruz e o Sudário”] (1988), Zugibe descreveu experimentos muito mais detalhados, realizados por ele nas décadas de 1970 e 1980 (tendo à sua disposição muito mais tecnologia do que Barbet), os quais provaram que muitas das hipóteses de Barbet estavam incorretas. 

Zugibe reconheceu vários erros na teoria de Barbet sobre os cravos no pulso:

  1. Um cravo na região de Destot ficaria muito longe, na direção do mindinho, para corresponder à ferida vista no Sudário.
  2. Um cravo na região de Destot não corresponderia às feridas de nenhum dos estigmatizados anteriores a Barbet.
  3. Um cravo colocado na região de Destot muito provavelmente não atingiria o nervo mediano; portanto, deve haver outra razão para os polegares não estarem visíveis no Sudário. 
Segundo o Dr. Zugibe, um cravo colocado no espaço alinhado com o indicador e o dedo médio poderia suportar Jesus crucificado.

Zugibe alegou que a ferida no Sudário (que representa a ferida de saída nas costas da mão) ficava mais próxima do lado do polegar e mais distante dos outros dedos do que admitira a posição de Barbet, apesar de ele ter defendido a hipótese de que o cravo formara um ângulo ao atravessar o pulso.

Zugibe realizou experimentos muito mais amplos com cadáveres e demonstrou que, na verdade, o cravo poderia ser colocado na palma, na região óssea entre os ossos de apoio do dedo indicador e do médio e os ossos menores logo abaixo daqueles, sem quebrar nenhum osso (imagem ao lado). Ao passar pela palma e pelas costas da mão, um cravo colocado naquela região sairia por onde a ferida é retratada no Sudário.

Assim como Barbet concluiu que um cravo colocado numa região óssea poderia suportar o peso do corpo, também Zugibe mostrou por meio de experimentos mais detalhados que essa região óssea não apenas suportaria o peso do corpo [x] sem cordas de apoio, mas também seria condizente com a crença tradicional segundo a qual os cravos foram colocados nas palmas. O local indicado por Zugibe também é mais condizente com a ferida no Sudário, com a revelação a Santa Brígida e com a posição em estigmatizados como o Padre Pio.

Estigmas do Padre Pio. Repare que estão alinhados com os dedos indicador e médio, não com o anular.

Em relação ao nervo mediano, Zugibe reconheceu que o cravo de Barbet não o feriria. O nervo mediano supre a “barriga” do músculo palmar na base do polegar, e seu caminho é marcado por um tendão no pulso chamado de palmaris longus.

O nervo mediano localiza-se logo abaixo desse tendão, ou no lado em que ele está mais próximo do polegar. Porém, o cravo de Barbet passa pela região desse tendão próxima ao mindinho, o que quer dizer que ele não atingiria o nervo mediano. Aliás, ainda que um prego colocado em outro lugar machucasse o nervo mediano, ele e os músculos do polegar supridos por ele seriam paralisados, de modo que o polegar não seria movido por aqueles músculos (agora paralisados), mas esticado pelos outros, ainda operantes no lado oposto do pulso.

Zugibe levantou corretamente a hipótese de que a única razão pela qual os polegares não são visíveis no Sudário é o fato de eles relaxarem quando o pulso é dobrado após a morte (algo que ele viu diversas vezes como patologista). Qualquer um pode demonstrá-lo com o próprio pulso: se repousarmos a ponta do cotovelo sobre uma mesa, com os dedos apontando diretamente para cima, enquanto a mão e o pulso ficam relaxados e caem na direção da palma, os polegares caem muito abaixo dos níveis dos outros dedos, e o Sudário, enrolado sobre os topos das mãos, não entra em contato com os polegares. 

Infelizmente, não obstante as passagens da Escritura e uma tradição de quase dois mil anos que indicam que Nosso Senhor foi perfurado nas mãos, especulações baseadas no breve experimento de um médico resultaram numa controvérsia tão duradoura. Por mais que o Dr. Barbet estivesse bem-intencionado, seus experimentos com cadáveres tiveram rigor científico semelhante ao de alguns artistas medievais, que também tentaram pregar cadáveres a cruzes para servirem de modelos (razão pela qual descobriram que pregos colocados mais perto dos dedos acabavam por se soltar), e seus pressupostos levaram-no a conclusões que não são confirmadas pelas evidências médicas.

À medida que os estudos científicos mais amplos conduzidos por Zugibe e outros se tornarem mais conhecidos, esperamos que os fiéis sejam edificados ao saber que a Igreja e seus artistas sempre estiveram certos.

Notas

  1. Raymond Edward Brown (ed.), The New Jerome Biblical Commentary, Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1990, p. 530. O autor dá quatro traduções diferentes para essa passagem. Em todas elas se usa a palavra “mãos”, não “punho”.
  2. Em grego helenístico não há um correspondente à palavra “pulso”. O sentido literal da palavra grega χεῖράς usada nessas passagens do Novo Testamento é “mãos” e é traduzido adequadamente.
  3. Pierre Barbet, A Paixão de Cristo Segundo o Cirurgião. 14.ª ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 111: “Os textos sagrados […] não falam de palmas, mas de mãos. Aos anatomistas compete dizer o que é a mão. Em todos os tempos e em todos os países se entendem muito bem sobre a questão: a mão se compõe do carpo, metacarpo e dedos”. Barbet comete dois erros: a) os autores bíblicos não eram anatomistas (embora Lucas fosse médico) e teriam diferenciado a mão do pulso, como fazem todas as pessoas na fala comum; b) apesar de haver sobreposição óssea entre o que profissionais da medicina chamam de “mão” e o “pulso” (invisível a olho nu), ninguém, anatomista ou não, chamaria de “mão” o local onde estão os cravos no crucifixo de Villandre.
  4. Justus Lipsius, De Cruce, 1594.
  5. John Hewitt, “The Use of Nails in the Crucifixion”. Harvard Theological Review 25 (1932), p. 41.
  6. John Robison, “Crucifixion in the Roman World: The Use of Nails at the Time of Christ”. Studia Antiqua 2, n.º 1 (2002), p. 28.
  7. Martin Hengel, Crucifixion in the Ancient World and the Folly of the Message of the Cross, trad. ingl. de John Bowden. Philadelphia: Fortress, 1977, p. 31.
  8. Pierre Barbet, op. cit., p. 109ss. 
  9. Joseph Blinzer, The Trial of Jesus: The Jewish and Roman Proceedings against Jesus, trad. ingl. de Isabel and Florence McHugh, The Newman Press, 1959, p. 264.
  10. Frederick T. Zugibe, The Cross and the Shroud: A Medical Inquiry into the Crucifixion. Paragon House, New York, 1988, pp. 66–68. (Deste mesmo autor, está traduzido para o português “A Crucificação de Jesus”, da Editora Loyola.)

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